Roberto Leal morreu na madrugada deste domingo, dia 15 de setembro, após uma reação alérgica a um medicamento. O cantor lutava contra um cancro há cerca de dois anos e, nos últimos tempos, a doença impediu-o de andar e afetou gravemente a sua visão, também na sequência de cataratas.
No início de setembro, há cerca de 15 dias, o artista foi entrevistado pela jornalista Veruska Boechat no canal Band. Trata-se, assim, da última entrevista de Roberto Leal.
«Chegou o momento do quadro Doce Veruska, que hoje traz uma personagem muito especial, uma pessoa muito querida de todos os brasileiros. A Veruska teve uma conversa surpreendente e reveladora com o português mais amado do Brasil, Roberto Leal. O cantor abriu o coração e falou sobre a carreira, dos altos e baixos da vida e da luta contra o cancro, sem nunca ter perdido a esperança e o bom humor», introduziu Sílvia Poppovic, a apresentadora do programa Aqui Na Band, onde se insere a rubrica de Veruska.
«Não dá para saber se ele é mais amado no Brasil, onde vive há décadas, ou em Portugal, onde nasceu», começa por dizer a jornalista.
João Paulo Vergueiro, que ficou encarregue da narração, enalteceu a força do português, que «durante toda a entrevista não demonstrou nenhum sinal da doença». Roberto Leal cantou e dançou durante a conversa. Perante isto, o narrador voltou a elogiar o cantor: «Canta como os jovens, dança como se ainda fosse garoto!»
O luso-brasileiro mostrou os seus álbuns a Veruska e relacionou-os com diferentes fases da sua vida. «Aqui foi o momento mais terrível da minha vida», atira, com um disco de vinil da década de 70 na mão. «Eu achava que com o ouro era tudo dourado. Era o momento de ter tudo. O carro que sonhei, a casa que sonhei, podia comprar tudo aquilo que sonhei… e eu achei que podia comprar felicidade», lamenta.
Os dois episódios quase fatais
Nessa altura, Roberto Leal viveu dois episódios quase fatais. «Primeiro, num jantar às quatro da manhã, todos bêbedos fomos para a piscina e quase morremos todos», recorda. O segundo, esteve relacionado com um acidente de viação. «Eu estava sozinho. Bati num camião. O carro ficou destruído. Não entendo, até hoje, como é que eu sobrevivi», conta. «Ali não era para sobreviver», acrescenta.
«Não havia programa de auditório em que não cativasse com a sua música e a sua dança», comenta João Paulo Vergueiro.
«O meu palco, em Portugal, era um carro de bois. Eu chegava lá e dançava. Só eu é que cantava na família. Eu chamava as pessoas para me ouvirem. Cantava ‘Lá em cima está o tiro-liro-liro, cá em baixo está o tiro-liro-ló’, feliz da vida», revela o cantor. Roberto Leal estava visivelmente emocionado no programa, enquanto assistia à sua entrevista.
Roberto Leal, a origem do nome artístico
O verdadeiro nome do cantor era António Joaquim Fernandes. Durante a conversa, o artista explica a Veruska a origem do nome artístico. «Foi o meu professor de canto que escolheu. Ele disse-me: ‘Leal, porque a aula era as 13 horas e tu já estavas à porta de minha casa às 11h30, à espera da hora da aula. Roberto, porque serás o Roberto Carlos dos portugueses. Roberto Leal, aceitas?’»
«O último resistente foi o meu pai. Quando ele me chamou de Roberto senti que o António tinha morrido», continua.
A história com Chacrinha
Foi Chacrinha quem deu a Roberto Leal a possibilidade de cantar, pela primeira vez, na televisão. Depois de cerca de uma semana a tentar fechar algum programa de televisão, no Rio de Janeiro, a «luz» surgiu perto da altura de regressar a São Paulo como um «derrotado». «Estava com um amigo e disse-lhe: ‘Nelson, vamos tentar falar com o Chacrinha. É aqui ao lado. Ele resistiu, mas eu insisti e como ele ficou com dó de mim, veio. Quando lá cheguei, vejo o Chacrinha a beber uma água de coco e ele perguntou: ‘O que é que ele faz?’ Responderam-lhe que eu cantava e eu comecei logo a cantar o Arrebita. Ele perguntou-me se eu tinha aquelas cachopas atrás de mim e eu disse logo que tinha. Não tinha, nem sabia, mas disse que sim», recorda. O conhecido apresentador brasileiro disse à assistente para agendar Roberto Leal «para o próximo domingo».
«O meu primeiro programa foi com o Chacrinha e o último programa dele, em 1988, foi exatamente comigo», revela, emocionado. «Ele pediu-me a camisa que tinha, que era da minha filha. Eu disse-lhe que estava toda molhada e que lhe dava na semana seguinte. Ele disse que não, que a queria naquele momento. Aí eu percebi, ele estava a despedir-se de mim!»
A polémica com a banda Mamonas Assassinas
Com o surgimento da banda Mamonas Assassinas (que teve um fim trágico em 1996, quando o avião que a transportava caiu), chegou a polémica por causa do plágio e Roberto Leal podia «ganhar um milhão sem sair de casa», caso quisesse ir para tribunal. Porém, duas coisas salvaram o jovem grupo de uma «desgastante briga judicial».
«O meu filho mais novo, o Victor, chegou ao pé de mim e disse: ‘Pai, adorei aquela tua música nova. Aquela que tem aí um grupo a cantar. ‘Roda, roda e vira, solta a roda e vem.’ Eu estava em Portugal, na altura. Quando cheguei ao Brasil, fui ao Programa do Gugu e no camarim, de repente, o Dinho bateu à porta, o líder da banda, deu-me um abraço de cinco minutos, chorava copiosamente e disse-me: ‘Nunca entenda como ofensa, mas sim como homenagem. Você é o meu ídolo!»
«Volto para Lisboa e fico a saber que os Mamonas Assassinas vão a Portugal. Chegou a notícia dos meninos aqui [da morte de todos]… chegou lá», conta, bastante comovido.
«O país que mais dificuldades me criou na minha vida foi Portugal»
«O país que mais dificuldades me criou na minha vida foi Portugal. Eu levei 30 anos para conquistar Portugal», lamenta. Mas tudo mudou. «De repente eu estou num programa de televisão e aparece o presidente da República [Marcelo Rebelo de Sousa], a dizer as coisas que eu nunca pensei ouvir de um presidente.»
A luta contra o cancro e o medo de partir
Roberto Leal lutava contra um cancro há cerca de dois anos. O assunto também foi abordado na longa conversa. «O cancro atingiu as pernas, a coluna e os olhos de Roberto», ouve-se. «Quando fiz a operação na coluna, a dor era tão grande, tão grande, que ela tomou conta do meu corpo e eu não tinha movimento nenhum. Dez ou 15 minutos antes de eu ir para o bloco operatório, eu perdi a consciência e naquele tempo eu fui procurar com toda a minha força para dizer: ‘Deus, a partir de agora entrego-me às tuas mãos, porque eu já não tenho mais forças. Agora é contigo», revela.
«Quando estás perto de partir deste mundo… queres ficar mais um pouquinho. E queres ficar mais um pouquinho porquê? Para ver crescer as minhas netas», atira, enquanto chora. «Para ver as vitórias dos meus filhos, deixar a minha companheira em paz, pedir perdão e desculpas, que muitas vezes eu não sabia, e agora eu sei. Agora eu sei o que faz doer», completa.
Márcia Lúcia, a mulher, que conheceu há 48 anos, deixou-lhe uma mensagem emocionante. «Eu queria prestar a minha homenagem a esse marido maravilhoso, esse pai maravilhoso, esse homem bom, cheio de fé, cheio de amor pelas pessoas. Esse homem, Roberto Leal, eu presto a minha homenagem hoje», diz. «Eu estou a sentir que vocês querem acabar com o português», brinca o cantor, emocionado, perante a surpresa preparada pelo canal brasileiro.
Manoela, a filha, também quis surpreender o pai. «Estou aqui a mandar uma mensagem de amor, de carinho, com muita saudade. Amo-te muito. Sou uma filha super orgulhosa. És um grande homem, um grande artista. Espero que nos encontremos o quanto antes. Fica com Deus!»
Victor, um dos dois filhos, também deixou um vídeo para o pai. «Amo-te demais. Tenho muitas, muitas saudes tuas. Estando longe ficamos com vontade de dar aquele abraço, de conversar. Fico feliz, de qualquer forma, de te ter como pai, onde quer que a gente esteja. De ter esse exemplo na minha vida. Até breve, se Deus quiser.»
Veja as últimas fotografias de Roberto Leal na nossa galeria.
– Cantores reagem à morte de Roberto Leal
Texto: Ivan Silva; Fotos: Impala e DR
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