Ser ator ou atriz é o sonho de muitos jovens, mas muitos não sabem que esta profissão é muito instável. A celebrar 10 anos de carreira, Sara Barros Leitão escreveu um longo testemunho sobre as dificuldades que enfrentou.
A atriz revela que chegou a viver com “40 cêntimos na conta por demasiadas semanas”. Desvenda ainda que teve de servir às mesas, limpar sanitas, trabalhar como baby-sitter e que perdeu a conta aos panfletos que distribuiu. “E sabem que mais? Não sou a única. Esta é a realidade de todos os jovens e não jovens atores portugueses, para não dizer do mundo. Todos os atores e técnicos são obrigados a desdobrar-se em mil e uma coisas para conseguirem fazer o que gostam”, afirma. “Este endeusamento por pessoas famosas é a maior estupidez que assisti na minha vida”.
Leia aqui o testemunho na íntegra:
“Faz este mês dez anos que comecei a trabalhar profissionalmente como actriz. Estávamos em 2007, eu tinha dezasseis anos e mudei-me sozinha para Lisboa. Foram centenas de viagens Lisboa-Porto ao sábado no comboio das 21h30 e Porto-Lisboa ao domingo no comboio das 19h52. Durante o primeiro ano trabalhei de segunda a sábado, cerca de dez/doze horas por dia, e vinha ao Porto todos os fins de semana para passar menos de vinte e quatro horas com a minha família.
Durante estes dez anos tive momentos muito felizes artisticamente, outros profundamente frustrantes. Houve alturas em que não sabia como gerir tanto trabalho, e muitos momentos em que não tinha nenhuma perspectiva de futuro. Fosse nos momentos mais áureos ou nos momentos de desespero, pensei sempre: “A única coisa que eu tenho e que não me podem tirar são os meus pensamentos, a minha consciência, os meus princípios. Vou agir sempre dentro da integridade com que acho que devo agir, e, se tudo me faltar, vou ter sempre dois braços e duas pernas para trabalhar.”
A esses braços e pernas tenho muito a agradecer. Trabalhei em novelas, estudei, servi às mesas, fiz teatro, limpei sanitas, estudei, fui nomeada para prémios e nos dias seguintes fui fazer animações de festas de aniversário de crianças. Trabalhei como baby-sitter, fiz cinema, fui contra-regra para ver actores que admirava a trabalhar, estudei, trabalhei na copa de restaurantes, distribuí panfletos (milhares, talvez), estudei mais. Houve momentos em que tinha dinheiro para ir de férias e para me aguentar uns meses, outros momentos em que tive 40 cêntimos na conta por demasiadas semana.
E sabem que mais? Não sou a única. Esta é a realidade de todos os jovens e não jovens actores portugueses, para não dizer do mundo. Todos os actores e técnicos são obrigados a desdobrar-se em mil e uma coisas para conseguirem fazer o que gostam. Ninguém sabe o que vai acontecer amanhã e a vontade de desistir aparece todos os dias.
Passados dez anos, a única certeza que tenho é que continuo a ter dois braços e duas pernas, aos quais vou, certamente, voltar a recorrer nos próximos momentos de aperto. Nada é garantido e em nenhum momento da vida podemos achar que se conquistou um estatuto e que fazer outro trabalho é indigno. Esta profissão não é uma linha vertical. Uma pessoa que apareça na televisão não está mais acima do que alguém que não aparece. Este endeusamento por pessoas famosas é a maior estupidez que assisti na minha vida. Somos todos iguais, temos inseguranças, fazemos cócó, choramos, trabalhamos: umas vezes estamos a fazer coisas que gostamos, outras vezes fazemos trabalhos que toda a gente inveja e que nós odiamos profundamente. Além disso a felicidade é uma coisa muito individual. Quantas vezes posso estar a trabalhar como actriz num projecto que me deixa infeliz, e fazer trabalhos em part-time que me enchem o coração? Ou ao contrário? É uma montanha russa.
Há uns meses, estava a sair de um espectáculo no Teatro Nacional São João e uma senhora estava à minha espera na porta dos artistas. Ela quis cumprimentar-me no fim do espectáculo e perguntou: “Não se lembra de mim, pois não?”. Eu fiz um esforço, mas a verdade é que não me lembrava. Ela respondeu: “Eu fui a um restaurante onde a menina trabalhava, em Esmoriz, e fiquei muito chocada por vê-la a servir às mesas, quando eu a conhecia da televisão. Eu agarrei-lhe no braço e disse-lhe: a vida vai dar a volta, vai ver. Segui a sua carreira e quando soube que se ia estrear no palco do teatro nacional, quis vir aqui vê-la. Está a ver? A vida sorriu-lhe.” Eu fiquei muito emocionada com este momento, mas não tive coragem de dizer à senhora que provavelmente me iria voltar a encontrar a servi-la e que depois me iria ver novamente no palco e depois novamente a servi-la…
Passaram dez anos, dez anos não é nada. Dez anos é apenas um número redondo. Resolvi criar um site onde reuno toda a informação dos projectos que faço, para que estes dez anos não se percam no google. Uso, então, esta data para divulgar esta plataforma que não é nada mais do que isto: uma colecção online do meu percurso como actriz. O resto guardo para mim e para os meus, os que vibram com as minhas conquistas e choram comigo quando falho. Para esses… nem há palavras.”
Fotos: Impala
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