A equipa do “Sexta às 9”, (ainda) coordenada por Sandra Felgueiras – cuja saída da RTP foi avançada em primeira mão pela NOVA GENTE – escreveu uma nota à Direção de Informação da RTP, endereçada também a vários profissionais da estação pública, em resposta ao comunicado enviado pelo próprio canal à Comunicação Social nesta terça-feira, 23 de novembro.
Neste documento, a RTP confirmou a saída de Sandra Felgueiras e anunciou que esta deixa de apresentar e coordenar o “Sexta às 9” já a partir do final desta semana. Ao início da noite desta quarta-feira, dia 24, a NOVA GENTE teve acesso ao documento assinado por vários jornalistas do programa, no qual são feitas várias acusações à Direção de Informação, liderada por António José Teixeira.
A falta de recursos, o “abandono” da Direção da Informação e o desinvestimento no formato são alguns dos pontos abordados nesta carta, que refere ainda o facto de a RTP ter enviado este comunicado à imprensa sem informar a equipa do programa. De acordo com os jornalistas que assinam a nota – Ana Raquel Leitão, Cláudia Viana, Helena Cruz Lopes, Inês Subtil e Luís Vigário – Sandra Felgueiras tinha manifestado disponibilidade para se manter no “Sexta às 9” até ao dia 17 de dezembro.
“O que prevê a Direção de Informação fazer às investigações, das quais já tem conhecimento, sobre matérias tão sensíveis como a atribuição de licenças para exploração mineira, fraudes no setor alimentar e na retirada de afegãos para Portugal, ou em casos de possível corrupção no setor energético?”, questionam os jornalistas.
Leia na íntegra o comunicado da equipa de Sandra Felgueiras
Boa tarde a todos,
Perante a nota pública enviada pela Direção de Informação, à qual a equipa do “Sexta às 9” é completamente alheia, entendemos comunicar o seguinte a todos os colegas:
1) é com profunda indignação que fomos confrontados com a decisão de suspender o “Sexta às 9” já a partir da próxima sexta-feira através de uma nota enviada pela Direção de Informação sem que esta nos tenha dirigido uma única palavra sobre este assunto;
2) é com profunda humilhação que vemos tudo isto acontecer, depois de meses de silêncio em relação à falta de recursos do programa; e quando temos em curso várias investigações relevantes que são do conhecimento da Direção de Informação e que só têm enquadramento no âmbito de um programa de investigação;
3) é absolutamente incompreensível que a Direção de Informação anuncie que está a trabalhar num “renovado formato” “do Sexta às 9” – sem nunca nos ter ouvido – e quando sabe que o programa é o único espaço de investigação, assim designado e com periodicidade semanal, da RTP.
Passamos a explicar em detalhe:
1) A falta de comunicação com a equipa do “Sexta às 9”, a somar ao anúncio público feito à nossa revelia, de que este seria o último programa com a Sandra Felgueiras, traduz-se numa humilhação pública para a equipa.
Isto porque importa aqui sublinhar os pedidos que fizemos à Direção de Informação para sermos ouvidos e de, aliás, ter sido negada a nossa presença numa reunião em outubro – reiteradamente solicitada a partir de agosto – onde só foi permitida a presença da coordenadora, Sandra Felgueiras. Após esta recusa, foi-lhe prometida uma reunião com a equipa pelo diretor adjunto de informação, Carlos Daniel, mas tal nunca chegou a acontecer. Também o e-mail enviado ao Diretor de Informação e ao diretor adjunto, em agosto deste ano, pela coordenadora do programa, a expor todas as preocupações e necessidades do “Sexta às 9”, ficou até hoje sem qualquer resposta.
Há duas semanas, a coordenadora Sandra Felgueiras, informou-nos do limite a que chegou na RTP face à ausência reiterada de recursos humanos e materiais.
Foi-nos então pedido por esta silêncio em relação à sua possível saída, em nome da estabilidade da RTP, do “Sexta às 9” e das investigações sensíveis em curso. Nesse mesmo dia, a Sandra Felgueiras comunicou-nos que já tinha transmitido a sua decisão ao Diretor de Informação, garantindo disponibilidade para terminar a temporada, agendada para 17 de dezembro.
Respeitámos esse pedido compreendendo que o profissionalismo exigia que nos mantivéssemos focados no mais importante: o nosso trabalho. Foi, aliás, nesse sentido que optámos por não responder às dezenas de perguntas que nos foram dirigidas na semana passada após virem a público algumas notícias sobre a saída da Sandra Felgueiras da RTP.
A equipa do “Sexta às 9” nunca iria falar deste assunto, na RTP e muito menos em público, e só o faz agora porque não pode consentir ser ultrapassada por uma nota.
2) Parece-nos evidente o abandono e o profundo alheamento ao trabalho desta equipa por parte da Direção de Informação.
Não é de hoje, nem de ontem, a evidente falta de recursos a que nós – e o nosso trabalho – temos estado sujeitos. Uma situação que se agudizou desde 2019 e que não mereceu nunca a atenção, o cuidado ou as ações necessárias para a sua resolução por parte da Direção de Informação da RTP.
Ainda assim, durante a fase mais dramática da pandemia, esta equipa fez tudo para não criar mais entropia. Trabalhou sem paragens. Apesar de todas as dificuldades.
Mas passado este período, a situação só piorou e tornou-se ainda mais insustentável com a saída do único sénior que acompanhava a Sandra Felgueiras há 7 anos, Luís Miguel Loureiro.
É evidente o desinvestimento no “Sexta às 9”. Com que objetivos? Com que estratégia? Falamos de um programa com elevado reconhecimento público, que pontua a atualidade jornalística nacional e que é semanalmente um dos três programas mais vistos da RTP.
Em relação ao futuro, como ficam as investigações em curso previstas para os programas até 17 de dezembro agora que o “Sexta às 9” será suspenso a partir de 26 de novembro? Estamos a falar de reportagens que foram pensadas e que estão a ser preparadas, há várias semanas, para serem emitidas no âmbito de um programa de investigação.
O que acontecerá a estes conteúdos? Como fica a relação com as fontes perante este tratamento para com o programa e a respetiva equipa?
O que prevê a Direção de Informação fazer às investigações, das quais já tem conhecimento, sobre matérias tão sensíveis como a atribuição de licenças para exploração mineira, fraudes no setor alimentar e na retirada de afegãos para Portugal, ou em casos de possível corrupção no setor energético?
3) Perante a rapidez em suspender o formato agora e não antes da habitual pausa do programa em dezembro como estava previsto e foi, de resto, proposto pela coordenadora apesar da sua saída, questionamos o timing desta decisão. Falamos da interrupção daquele que será até sexta-feira o único programa de jornalismo de investigação com periodicidade na televisão em sinal aberto. O que ficará ou virá depois?
Nessa nota pública a Direção de Informação fala num novo formato. Que formato? Com quem?
Será por isso que o pack de grafismo do “Sexta às 9” não acompanhou a evolução técnica da RTP e continua aos dias de hoje em formato SD quando toda a emissão, até a da RTP3, já é transmitida em HD?
Só nas sete temporadas do “Sexta às 9” disponíveis na RTP Play, foram feitos 244 programas. Destes, perto de 150 foram realizados em profundo sufoco e no limite das capacidades de todos os elementos da equipa. Se os problemas de falta de recursos para o “Sexta às 9” eram uma realidade repetidamente comunicada às Direções de Informação, a começar pela que foi encabeçada por Maria Flor Pedroso e Cândida Pinto, este novo formato vai implicar recursos que a atual Direção de Informação sempre afirmou serem impossíveis de angariar para o “Sexta às 9”?
Se o novo formato vai ser um espaço de jornalismo de investigação, vai continuar a ter jornalistas em regime de “falsos recibos verdes” que não têm nem telemóvel da empresa para fazer contactos tantas vezes delicados? Jornalistas que – apesar de vários pedidos e emails – são obrigados a estacionar fora do recinto da empresa?
Como pode a Direção de Informação continuar a permitir que numa equipa onde se trabalha 12 a 16 horas por dia, não haja uma remuneração digna para o esforço constante e as inúmeras pressões a que está sujeita? Coações que incluem ameaças à integridade física, mensagens com fotografias com sangue, insultos, processos judiciais, deliberações da ERC e constantes direitos de resposta de quem usa este mecanismo para escamotear aquilo que não consegue provar factualmente.
Como pode a Direção de Informação falar, numa nota pública, de uma “história de jornalismo de investigação livre e independente que escrutina os poderes”, quando ainda há poucas semanas a RTP negociou os termos da entrevista a Florêncio de Almeida no “Bom Dia Portugal”, depois deste ter recusado prestar declarações ao “Sexta às 9” no âmbito da investigação emitida três dias antes? Investigação jornalística essa que veio a dar origem a uma operação da Polícia Judiciária, no âmbito da qual Florêncio de Almeida, o filho e a mulher de João Rendeiro foram constituídos arguidos.
Em resumo, a Direção de Informação não pode negar que sabia de todos estes problemas. Não soube por nós porque não quis, mas todas estas questões foram colocadas repetidamente pela coordenadora Sandra Felgueiras.
Por tudo isto perguntamos: quais têm sido as respostas da Direção de Informação para estes problemas reais e diários? Que apoio ou palavras teve a Direção de Informação para dar aos jornalistas do “Sexta às 9”?
Se a RTP se afirma ser “uma casa da liberdade” e onde “o jornalismo de investigação faz parte da sua história”, qual tem sido, concretamente, a intervenção da Direção de Informação para construir esta história?
Não aceitamos que qualquer outra narrativa seja escrita acerca do “Sexta às 9” e da saída da atual coordenadora, Sandra Felgueiras. Se uma história é escrita por pessoas, no caso, por jornalistas, queremos ter a certeza que nós – enquanto equipa com o que temos vivido nos últimos tempos – não somos empurrados para uma nota de rodapé.
Se o programa “Sexta às 9” ainda existe e continuou a existir nos últimos anos, foi apenas graças ao trabalho da sua equipa e coordenadora, Sandra Felgueiras.
É por isso que além da indignação que sentimos, acompanha-nos uma profunda tristeza e mágoa ao assistirmos a este desfecho do programa, à forma como todo este processo tem sido conduzido e, em especial, à saída da jornalista Sandra Felgueiras da redação da RTP.
Apesar do esforço e de todos os problemas, devemos ao “Sexta às 9” sermos hoje melhores jornalistas e podermos fazer jornalismo de investigação em televisão. E é esse caminho que vemos agora interrompido, sem uma palavra para nós sobre o futuro.
O “Sexta às 9” não é apenas um programa da grelha. É também uma equipa. Só foi possível porque é feito em equipa. E é como coletivo que fazemos questão de assinar esta carta com o conhecimento de todos.
Ana Raquel Leitão, Cláudia Viana, Helena Cruz Lopes, Inês Subtil, Luís Vigário
Texto: Patrícia Correia Branco; Fotos: D.R.
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