Pedro Carvalho faz cada vez mais sucesso no Brasil. A personagem Abel, da novela A Dona do Pedaço, trouxe-lhe o reconhecimento há muito desejado no outro lado do Atlântico e é atualmente um dos atores estrangeiros de maior destaque na ficção brasileira. De tal forma que o ator já tem novos projetos ‘na manga’.
Depois de um homem apaixonado por uma transexual, Pedro prepara-se agora para dar vida um legionário frio e calculista. Em entrevista à VIP, o ator revela como se preparou para dar corpo a esta máquina de guerra e fala ainda da possibilidade de lançar um novo livro de receitas.
VIP- Foi distinguido como um dos atores que mais brilhou na televisão brasileira no último ano. Como se sente com esta distinção?
Pedro Carvalho – Foi muito bom receber a notícia. Fazer uma carreira internacional não é nada fácil, mas acredito no trabalho, na dedicação, na paixão e na perseverança. Este personagem, o Abel, em A Dona do Pedaço, foi um grande desafio. O público gostou muito e a novela foi a mais vista nos últimos seis anos. O meu barómetro é quando estou na rua e ouço ‘você nem imagina a alegria que nos levou a casa todas as noites’. Esse é o maior prémio de todos. Confesso que demorei a assimilar que estava entre um dos 10 atores do Brasil que mais se destacaram em 2019, segundo a Revista Veja. Não queria acreditar estar entre atores, como Rodrigo Lombardi ou Regina Casé, que são verdadeiras referências.
O Abel foi muito acarinhado pelo público. Na sua opinião, a que se deve o êxito desta personagem?
Foi, de facto, uma personagem muito acarinhada. Sinto isso todos os dias. Até hoje não sei explicar o fenómeno, talvez por ser um personagem cómico, ingénuo e que mostra como o preconceito está na cabeça das pessoas. O público cada vez mais quer ver verdade. Vivemos numa era em que tem de se falar do que é normal e imposto por uma sociedade ainda em parte racista, misógina e fóbica. Todos são iguais, todos têm os mesmos direitos. O facto de a personagem ter uma certa forma de falar, de ferver em pouca água, de ter uma autoestima nas alturas, juntamente com a ingenuidade e bondade extrema, fez com que o Abel tivesse rapidamente um carinho e uma aceitação do público que eu nunca imaginei.
O facto de ele se apaixonar por uma mulher transexual teve influência na aceitação do público?
Acredito que tenha suscitado curiosidade, mas o ingrediente principal para o sucesso do personagem e deste casal foi sem dúvida o perfil dos dois personagens, a comicidade das cenas e o facto de o Walcyr Carrasco [autor da novela], de forma tão inteligente, ter abordado um assunto tão sério.
Sente que este género de personagens – que tocam em determinados temas considerados tabu por muita gente – são importantes para a sociedade?
Falar de relação trans ainda é uma questão no Brasil e isso suscitou, claramente, interesse e curiosidade do público em perceber como e porquê, e rapidamente perceberam que é uma relação como outra qualquer. Foi desmistificado um assunto que nunca tinha sido abordado desta forma natural, como ele é realmente. É importante falar-se das coisas. A Glamour (Britney) é uma mulher e sente-se como mulher, neste caso tanto na realidade como na ficção. Tem documentos como mulher e é assim que ela deve ser tratada. A Glamour que trouxe muito dela para o personagem, representou muitas mulheres trans e mostrou muitos obstáculos e impedimentos pelos quais passam diariamente. Também é um facto que a média de vida de uma pessoa trans é de 35 anos de idade e que diariamente são assassinadas pessoas trans no mundo inteiro. O Walcyr Carrasco mostrou que uma pessoa trans não tem que ser prostituta, e que pode ter um emprego como outra pessoa qualquer. Para mim, foi um privilégio ter sido um dos peões que ajudou a contar esta história.
«Estou com vontade de lançar um livro em breve»
Apesar de esta não ser a primeira novela que faz no Brasil, esta distinção é um reconhecimento do público brasileiro?
Esta é minha terceira novela no Brasil e este reconhecimento foi algo que não esperava. Eu percebi o sucesso do personagem, o sucesso da novela, mas a concorrência é muita e eu sou estrangeiro. Ser destingindo é um reconhecimento e tanto! Estou muito feliz e grato.
No final das gravações, chorou e afirmou que este tinha sido um projeto especial? Porquê?
Há projectos que são especiais, mais que outros, por um conjunto de coisas. Em 15 anos de carreira e cerca de 15 novelas, sem dúvida que este personagem e esta novela, este elenco, o dia a dia de gravações, os amigos que fiz, os atores incríveis com quem contracenei, aprendi com toda a equipe que envolveu o projecto e o colocou num nível de sucesso nunca antes visto, foi de facto mais que especial. Durante meses, fiz uma família ali.
Quais as cenas que mais gostou de gravar e porquê?
Todos os dias que chegava e ríamos do início ao fim do dia. Não só por causa do núcleo em que estava inserido na história, o de comédia, mas porque o ambiente e o clima entre todos nós era muito agradável. Então, todas as cenas foram especiais.
Consta que, com base em tudo o que aprendeu com a sua personagem, planeia lançar um livro de receitas de doces. Este projeto vai para a frente?
Já lancei dois livros em Portugal. Um livro infanto-juvenil chamado Segue o teu Sonho e um livro de receitas, Sopa para a Síria. E estou de facto com muita vontade de lançar um próximo muito em breve. Quem sabe se não terá essa cariz de receitas de doces? É uma hipótese. Tenho também outros de contos infantis que escrevi ainda guardados. Gosto de escrever, veremos o que irá surgir primeiro…
Se isso acontecer, quando será lançado? E será apenas no Brasil ou também em Portugal?
Segue o Teu Sonho e Sopa para a Síria foram lançados apenas em Portugal. Os próximos não sei…
«É frio, bruto e calculista»
Vai entrar agora no filme O Segundo Homem. Isto quer dizer que vai continuar pelo Brasil nos próximos tempos?
Terminei a novela e, no dia seguinte, já estava em São Paulo a filmar. Ainda durante as gravações da novela, sempre que podia tinha ensaios para compor este personagem, o Rui Coimbra, um legionário da legião estrangeira (grupo clandestino que existe no Brasil), completamente obstinado e obcecado pela carreira militar.
Como foi a preparação dessa personagem?
Tive de me transformar numa verdadeira máquina de guerra, pronta para matar a qualquer custo. O personagem é frio, bruto, calculista e vai estar envolvido num assassinato misterioso que acontece dentro do Quartel. Tive que fazer uma preparação muito intensa a nível de treinos físicos, porte de arma, treino militar e intensifiquei as minhas aulas de fonoaudiologia, visto que é o meu primeiro personagem falado em português do Brasil. A preparação foi intensiva. E como eu estava a gravar muito, condensaram todas as minhas cenas em quatro semanas de filmagem.
Os seus planos passam por ficar a viver no Brasil ou vai estando entre os dois países, dependendo dos projetos que tiver?
O Brasil tem-me abraçado de uma forma que me satisfaz muito a nível profissional, sinto-me desafiado a cada projeto. Embora eu não seja pessoa de fazer planos, a minha residência irá sempre de encontro àquele que for o maior desafio profissional para mim no momento. É claro que tenho uma equipa que trabalha comigo em Portugal e no Brasil que durante estes anos tem ajudado nessa orientação. Mas o que me realiza de facto é isso, portanto se puder trabalhar ‘cá’ e ‘lá’ é bom sinal. É sinal que me apresentam desafios interessantes nos dois países e mediante isso vou construindo os meus passos.
De que mais tem saudades de Portugal?
Sem qualquer sombra de dúvidas que tenho mais saudades da minha família e amigos.
Já se sente tão brasileiro como português?
O meu país é Portugal, sou e serei sempre português, mas sinto o Brasil já como a minha segunda casa.
Texto: Patrícia Correia Branco; Fotos: Impala e Redes Sociais
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