É com dor, muita dor, que Catarina Gouveia, irmã do jovem João Gouveia, conhecido como dux, que sobreviveu à tragédia do Meco, se sente. Um enorme sofrimento e muita revolta, conforme explicou, numa conversa com a VIP, porque o irmão está a ser “crucificado na praça pública” e, ainda, porque, a seu ver, as famílias dos seis jovens que faleceram na fatídica madrugada do dia 15 de dezembro de 2013 estão “à procura de um culpado” e que esse facto está a ser “aproveitado de forma oportuna por certa comunicação social”, afirma. Catarina Gouveia explica como a família e o irmão têm vivido desde que aconteceu a tragédia. “Ninguém imagina, depois de termos conhecimento da tragédia, a emoção que todos nós sentimos ao saber que o João tinha sobrevivido. Poder abraçá-lo depois de tudo o que aconteceu foi uma sensação inexplicável. Ele teve sorte em sobreviver e agora querem culpabilizá-lo por uma coisa que não faz sentido. Não tenho dúvida nenhuma de que, entre todos, quem mais está a sofrer é ele. Mas confesso que, sobre os sentimentos pessoais, o João é muito reservado e guarda a dor de ter perdido tantos amigos no seu coração.” Questionada sobre o facto de o irmão eventualmente ter levado os colegas para a morte, Catarina Gouveia é peremptória: “Nunca. Ele não é uma pessoa assim. O João é muito pacato e amigo do seu amigo. Aliás, tem familiares e imensos colegas que lhe estão a dar apoio. Aquilo que aconteceu naquela madrugada poderia ter acontecido a qualquer jovem.” A irmã do dux explica aquilo que se terá passado na dramática madrugada: “Nenhum deles se apercebeu que estavam em posição de risco perante aquele mar revoltoso. Uma onda enorme apanhou os sete de surpresa e só um é que se salvou. O João pediu logo socorro, apesar de já estar quase em hipotermia. Tudo isto foi confirmado pelos agentes da Polícia Marítima, os primeiros a chegar ao local, pelos bombeiros e por vários técnicos. Não percebo a motivação destas pessoas, com quem, repito, partilho a dor, porque não é fácil perder um filho ou filha. Não culpem é o João”, afirma Catarina Gouveia.
A razão para viver
João Gouveia vive, segundo Catarina, momentos difíceis: “Ele perdeu seis amigos de quem gostava muito. É uma pessoa muito carinhosa e educada. Tem imensos amigos e todos o têm ajudado. Mas a única razão para ele ainda estar vivo, depois de tudo o que se tem dito e escrito, é que ele tem a verdade do seu lado”, revela. Quando confrontada com o facto de João Gouveia não falar com as famílias das seis vítimas da tragédia, Catarina desmente categoricamente: “Isso é uma pura mentira. O João sempre esteve disponível para falar com os pais de todos os rapazes e raparigas que faleceram e deu todas as explicações ao Ministério Público. Aliás, uma das provas de que ele nunca se esquivou a contar a verdade é o facto de nem sequer ter pedido para ser constituído arguido. Para quem não sabe, como arguido, ele poderia remeter-se ao silêncio, mas como testemunha, que foi a qualidade em que foi ouvido pelos órgãos judiciais, estava e está obrigado a contar a verdade. O meu irmão já explicou tudo”, explica.
Catarina Gouveia não entende as motivações das famílias dos desaparecidos: “Não percebo esta perseguição. Reparem que toda a gente fala no João, mas ninguém se preocupa com aqueles que morreram. A nossa família inteira apoia o meu irmão e, repito, temos o maior respeito pela dor dos familiares daqueles que faleceram e esperamos que façam o luto devido e encontrem a paz. Não acho é justo que tentem punir um sobrevivente.” E Catarina concretiza: “Nós próprios ligámos logo para a Polícia Marítima para contactar os pais das vítimas a lamentar o sucedido e a disponibilizar a nossa ajuda. Desde domingo [dia 15 de dezembro] e até ao dia seguinte fizemos tudo o que estava ao nosso alcance”, revela a irmã do dux.
Nas últimas sessões do julgamento realizadas no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, apenas Catarina e o pai, João Eduardo Gouveia, deram a cara. A mãe do dux nunca apareceu. A esse respeito, a irmã do sobrevivente da tragédia é lacónica: “A nossa mãe não aguenta a dor de ver o filho a sofrer tanto.”
Tribunal prepara arquivamento
A procuradora da República Ana Margarida Santos defendeu, no dia 17 de fevereiro, no debate instrutório sobre o processo do Meco, a decorrer no Tribunal de Instrução Criminal de Setúbal, que ainda que o único sobrevivente da tragédia tivesse ordenado aos seus seis colegas para se atirarem ao mar, isso não constitui crime, ao contrário do que entendem as famílias das vítimas. “Não há indícios suficientes para que seja proferido despacho de pronúncia.”
Se haverá ou não julgamento depende do juiz de instrução, que anunciará a sua decisão no próximo dia 4 de março, mas, segundo a VIP apurou junto de responsáveis judiciais ligados ao processo, a decisão será de confirmar o arquivamento do caso. Aliás, a procuradora disse mesmo não acreditar que João Gouveia tenha convencido os outros alunos da Universidade Lusófona a entrarem na água, dado o estado alterado do mar do Meco. “O que aconteceu naquela noite não foi o resultado de uma praxe. O mais certo é que os jovens tenham sido arrastados por uma onda e morrido afogados.”
Ana Margarida Santos alegou que nenhum dos presentes era caloiro, pelo que, caso tenham sido mandados entrar no mar, tê-lo-ão feito de livre vontade. Fica assim afastada, no seu entender, a tese de crime de exposição ao perigo ou abandono de que as famílias acusam João Gouveia.
Segundo o Código Penal, quem? colocar em perigo a vida de outra pessoa, sujeitando-a a uma situação de que não possa defender-se ou abandonando-a sem defesa, deve ser punido com uma pena que vai até aos cinco anos de prisão; uma moldura penal que se altera com uma pena até dez anos quando de tal atitude resultar uma morte.
Pais não acreditam
O advogado das famílias, Vítor Parente Ribeiro, garante que o dux tinha um forte ascendente sobre os restantes colegas, pela posição que ocupava na cadeia hierárquica praxista: “Foi o único que ficou no andar de cima da casa que alugaram naquele fim de semana. Os vizinhos constataram a sua posição de supremacia perante os outros. O único que não podia, pelo regulamento da praxe, ser praxado foi o único que sobreviveu”, relata.
Poucos são já os pais das vítimas mortais que ainda acreditam que o juiz possa anunciar a ida do caso a julgamento, depois da posição assumida pela procuradora. Há famílias que suspeitam mesmo de “alguém poderoso por trás de João Gouveia”. Acima de tudo, garantem que não vão baixar os braços: se a decisão lhes for desfavorável, ainda podem vir a recorrer para o Tribunal da Relação, intentar uma ação cível ou mesmo apelar para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. “Vou desmascarar tudo. Isto não foi uma praxe, foi um ritual”, gritava, à saída do tribunal, Fernanda Cristóvão, a mãe de uma das jovens falecidas. “Não me calam! Irei até ao fim!”
Catarina Gouveia não tem dúvidas: “Existem dois casos Meco: o real, exaustivamente fundamentado pela investigação, e o mediático, suportado em especulações, invenções e suposições”, argumenta a irmã de João Gouveia.
Texto: Carlos Tomás; Fotos: Zito Colaço e DR
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