O drama de Sara Santos
«Deixou a minha filha morrer dentro de mim, asfixiada»

Nacional

Sara Santos estava grávida de quase oito meses quando perdeu a bebé, por alegada negligência médica. Um ano depois, a apresentadora ainda está à espera de justiça.

Ter, 08/10/2019 - 14:05

Durante dois meses, Sara Santos viveu a acreditar que não havia nada a fazer. A apresentadora, de 36 anos, e o marido, Carlos André, de 37, tinham aceitado o que os médicos, que assistiram Sara no Hospital de São Bernardo, em Setúbal, lhes tinham dito: que a filha, às 30 semanas, não teria sobrevivido. No entanto, não era verdade. De acordo com o médico que a acompanhava em Lisboa, tudo teria tido um final feliz e hoje a antiga apresentadora de Vamos Jogar, programa das madrugadas da SIC, e o antigo jogador de futebol, teriam a filha nos braços e poderiam ter celebrado o seu primeiro ano de vida. Momentos duros, que Sara recorda nesta conversa com a VIP.

VIP – Em fevereiro do ano passado viveu, provavelmente, um dos piores momentos da sua vida. O que lhe vem mais à memória dessas horas?

Sara Santos – Foi mesmo o pior dia da minha vida! Passou um ano e oito meses e parece que foi ontem. Não há um dia que passe, em que não pense em todo o alvo­roço que vivi no dia 6 de fevereiro de 2018 na Urgência Obstétrica do Hospital São Bernardo, em Setúbal. Está tudo muito fresco na minha memória. Existem episó­dios que são os que mais me vêm à cabe­ça. As enfermeiras a gritar com o médico, a dizer que tinha de ser transferida para a Maternidade Alfredo da Costa [em Lisboa] e o médico respondeu: «Não vai para lado nenhum, o médico aqui sou eu», e foi quan­do vi o meu marido a vir na minha direção, após o parto, a chorar. Foi quando percebi que a minha filha tinha morrido. Soube a notícia pelo meu marido, o médico, enfer­meiras e pediatras que tentaram ressusci­tar a minha filha, não me dirigiram uma única palavra.

Quando é que soube que a sua filha poderia ter morrido por negligência?

Só fiquei a saber que foi negligência médica, dois meses após o parto. O médi­co que me fez o parto, nunca falou comigo, mesmo durante o tempo em que estive internada. O que me foi explicado, no dia seguinte após o parto, por parte do diretor de Obstetrícia, foi que o médico que me assistiu tentou fazer os possíveis e que te­ria feito o mesmo que aquele médico fez – foi cúmplice do médico que cometeu a negligência –, significa que iria matar a minha filha também. Disse-nos que era uma bebé muito pequena (e era) e que se tivesse sobrevivido ficaria um vegetal. Eu e o meu marido, não somos médicos, acre­ditámos. Já em abril, fui contactada pelo médico que me acompanhou durante to­da a gravidez e me pediu que fosse ter com ele, pois tinha algo importante para dizer. Quando fomos ter com ele, este disse-nos que tínhamos sofrido negligência médica, que tinha tido acesso aos relatórios médi­cos e ao CTG [Cardiotocografia] e que aquele médico matou a minha filha. Cha­mou-lhe um CTG assassino, que não en­tendia porque é que o médico se tinha negado a transferir-me de hospital e tinha levado mais de quatro horas a fazer uma cesariana, com um CTG em que nos pri­meiros minutos revelou ser um CTG com sofrimento fetal. E aí, foi um balde de água fria para mim e para o meu marido. Ele incentivou-nos a avançar com uma queixa­-crime. Tínhamos duas opiniões, uma inicial em que afirmam terem feito o que podiam e uma segunda que diz ter sido negligência. Foi aí que comecei a investigar. Pedi, junto do hospital, todo o meu re­latório, o CTG e comecei a falar com outros obste­tras mostrando os elementos que tenho comigo e todos confirmaram ter sido negligência à descara­da. Que a cesariana deveria ter sido feita nos pri­meiros 20 minutos, assim que fui ligada ao CTG. Aquele homem deixou a minha filha morrer dentro de mim, asfixiada!

Sofre de vilite crónica e isso terá levado ao parto prematuro. O que é?

Uma vilite crónica, numa linguagem mais clara, significa que os vasos que alimentam o bebé com nutrientes e oxigénio rebentam. Faz com que o bebé deixe de ser alimentado, há uma restrição de peso intrauterina, o que faz com que não cresça. Por norma, conduz a uma pré-eclâmpsia, que foi o que tive. A bebé era pequena para a idade gesta­cional devido a este problema que tenho e que de acordo com os médicos, a medicina ainda não tem uma cura. Já tinha a vilite crónica há 15 anos, o meu filho também nasceu como RCIU (Restrição Cres­cimento Intrauterino), com um quilo e pouco e está cá. A situação foi exatamente a mesma, mas o meu médico há 15 anos não esperou cinco minutos, fez a cesariana e o meu filho passou quase um mês na incubadora. O médico fez o parto e avisou que não sabia o desfecho, mas que o meu corpo já não estava a alimentar o bebé e teria de ser alimentado cá fora. Se há 15 anos o meu filho conseguiu so­breviver com baixo peso, era suposto a Medicina estar ainda mais desenvolvida atualmente. Há be­bés a nascerem com 400 gramas que estão muito saudáveis. A minha filha com 918 gramas às 30 semanas, teria sobrevivido se este médico me ti­vesse reencaminhado para outro hospital ou feito uma cesariana de imediato. Tenho a sorte de estar viva, com uma pré-eclâmpsia, sofrimento fetal, cor­ri risco de vida. Este médico levou tudo ao limite.

Recorreu a algum tipo de acompanhamento médico para ultrapassar essa dor?

Ainda tenho acompanhamento por parte de uma psicóloga e psiquiatra.

O que é que o seu marido sente?

O que qualquer pai sente, injustiça, revolta, dor.

O seu filho, já um adolescente, como é que viveu todo este processo?

Quando lhe foi dada a notícia ele entrou em pâ­nico e perguntou de imediato por mim, se a mãe estava bem. Na cabeça dele, achou que algo de mal também me tinha acontecido. Disseram-lhe que a mamã estava bem, mas a mana tinha morrido, cho­rou com a perda. Apesar de ele já ter noção de tudo, eu e o meu marido temos feito de tudo para que ele fizesse o seu luto. Acredito que já aceitou.

Meses depois instaurou um processo-crime ao hospital e ao médico. Em que estado está o processo?

De acordo com o tribunal está em segredo de Justiça. Dizem que está para despacho, mas a ver­dade é que as testemunhas ainda não foram cha­madas para depor, tanto no Ministério Público como na Ordem dos Médicos, como tal não enten­do como me podem dizer que está para despacho.

Qual é o resultado que deseja?

Quando nos tiram algo que nos pertence… já existiam tantos planos em que a minha filha fazia parte deles, transforma-nos noutra pessoa. O que eu quero? Justiça! Quero prisão para o homem que matou a minha filha, que me tirou parte da minha vida. Não é uma questão de indemnização. O di­nheiro não traz a minha filha de volta. Um médico não está acima da lei, que pode matar deliberada­mente e não ser acusado, porque um juiz não per­cebe nada de Medicina. Porque os peritos médicos que chamam vão proteger os colegas e o juiz vai dar razão a quem supostamente entende do as­sunto. No meu caso, tenho provas, médicos que vão testemunhar a meu favor. Matou! Tem de ir preso como qualquer outro assassino. Se tiver de recorrer é o que farei, mas não vou desistir. A justi­ça vai ser feita!

Ao longo deste tempo recebeu algum con­tacto do médico que a assistiu?

Nem no próprio dia do parto ele veio falar comi­go, pedir desculpa, explicar a situação, dar a notícia de que a minha filha tinha morrido. Isto diz muito do caráter de uma pessoa. Como se costuma dizer, quem não deve não teme, se não teve coragem de vir falar comigo no próprio dia, nos dias seguintes em que estive internada, já está a assumir o erro. Nunca contactou comigo.

Existem vários casos de mulheres que perdem os seus filhos durante a gravidez por negligên­cia médica. Foi contactada por alguma?

Infelizmente, existem mais do que aqueles que pensamos. Tive noção disso quanto tornei o meu caso público. Recebi inúmeras mensagens nas re­des sociais de muitas mulheres, algumas delas em que foi o mesmo médico que me fez a mim, o que lhes fez a elas. Muitas não apresentaram queixa por represálias, que também sofri, porque entraram em depressão, porque se resignaram. A mensagem que gostava de dar a estas mulheres, é que não tenham medo, façam justiça, não é um caminho fácil, mas ficar deitada numa cama a chorar o dia todo, não vai mudar nada. Procurem ajuda psico­lógica e psiquiátrica, não é vergonha, antes pelo contrário, vai ajudar a lutar e a viver. Não tenham medo, já nos tiraram uma parte de nós, não temos nada a perder.

Qual será o próximo passo?

Neste momento, chamo ao meu processo uma bomba-relógio, não vou esperar 20 anos como muitos casos, a Justiça faz de propósito para nos fazer desistir pelo cansaço. Aguardo respostas em breve do Ministério Público e da Ordem dos Médi­cos, e quando digo em breve, ainda este ano. Exijo respostas. Caso contrário, visto que já existem mui­tas pessoas envolvidas, o próximo passo é rebentar a bomba, vão saltar nomes cá para fora, tudo den­tro dos parâmetros legais e de acordo com o que os meus advogados me vão dizendo.

A Sara e o seu marido estão juntos há dez anos e casados há cinco. Como é que um casal sobrevive a esta dor?

Esta dor ainda está muito presente, parece que foi ontem. Aliás, esta dor não vai passar, o tempo até pode ajudar a atenuar, mas não passa. Estamos unidos nesta batalha que tencionamos levar até às últimas instâncias para podermos fazer o nosso lu­to. Vivemos um dia de cada vez, esta experiência traumática que passamos, fez-nos ver a vida de outra forma. Não adianta fazer grandes planos, por­que em poucas horas tudo acaba.

Já falam na possibilidade de ter outro filho?

Sim, inicialmente foi um assunto tabu porque tenho um problema que a Medicina diz não ter cu­ra e porque sabemos que o próximo bebé será prematuro também, temos receio de que tudo tor­ne a acontecer de novo, mas agora já é ponderado. Simplesmente entrei no hospital errado, há hora errada e com o médico errado.

Sente-se preparada?

Para já ainda não, sou finalista do 3.° ano de Co­municação Social, tenciono terminar a licenciatura. Estou também muito focada no processo da minha filha e na minha carreira. Talvez mais um ano.

Entretanto, com o fim de Vamos Jogar, o pro­grama das madrugadas da SIC, em abril, o que está a fazer?

Estou a aguardar novos projetos, espero começar algum muito em breve, e tenho a faculdade a que me vou dedicar para terminar o curso este ano.

Quando é surgiu a vontade de estudar Comu­nicação Social?

Quando tive uma reunião com um ex-diretor de televisão há quatro anos que me disse que apresen­tadoras existiam muitas, mas licenciadas poucas. Que a licenciatura poderia ser uma mais-valia para mim, se era esse o caminho que queria seguir.

Quer ser jornalista?

Se não conseguir trabalhar como apresentadora, tenciono seguir a vertente de jornalismo de inves­tigação. É o que mais me atrai nesta área.

Gostava de voltar à televisão?

Claro que sim, é por isso também que estou a apostar na formação.

Que tipo de programas gostaria de fazer?

Entretenimento, mas sou muito polivalente, adapto-me bem a qualquer programa, até como repórter.

Apresentou os programas da madrugada Beach Party e Vamos Jogar, na SIC, mas a pri­meira vez que a Sara aparece na televisão foi como concorrente do concurso Pedro o Milio­nário, tinha então 22 anos, já era mãe de um rapaz e estava no primeiro ano de Enfermagem. Que memórias guarda?

Sim, fui lançada à boca dos lobos, estreei-me lo­go em diretos, quase duas horas a falar, sem tele­ponto, foi sem sombra de dúvida a maior escola que tive, isso não se aprende na faculdade. É preciso ter uma grande capacidade de comunicação e ideias. Ambos os programas, foram um autêntico monó­logo sem guião estudado. Tive umas quantas peri­pécias em direto, adorei a experiência, tenho muitas saudades e vou lutar para voltar ao pequeno ecrã. Durante o reality show e pós, guardo excelentes recordações, até porque o Pedro o Milionário foi a rampa de lançamento para o que consegui obter em trabalhos na moda. Ser mãe nova, não foi im­pedimento para lutar pelos meus sonhos e pela minha carreira. Felizmente, tenho uns pais que fo­ram, e continuam a ser, o meu pilar e tomaram con­ta do meu filho para que pudesse fazer o que fiz.

Desistiu do curso de Enfermagem?

Desisti do curso de Enfermagem porque não sabia ao certo o que queria, fui estudar Enfermagem mais por influência do meu pai. Aos 18 anos ainda somos adolescentes e somos obrigados a escolher logo um curso. E é muito cedo para se tomar uma decisão dessas, ainda para mais já trabalhava em moda e era o que amava e tencionava fazer. Engra­videi aos 19, o que também foi muito cedo, depois tive a oportunidade de entrar no reality show e co­mecei a trabalhar ainda mais em moda, tanto a nível nacional como internacional, por isso, desisti do curso para fazer o que realmente gostava.

Texto: Célia Esteves; Fotos: José Manuel Marques e reprodução Instagram; Produção: Elisabete Guerreiro; Maquilhagem e cabelos: Marta Cruz 

 

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