Miguel Guedes
“O Benfica moveu-me um processo para me condicionar nos meus comentários”

Famosos

Comentador do Trio d’Ataque, jurado do Factor X e portista ferrenho, conta que Luís Filipe Vieira o tentou incomodar e não perdoa a Rui Rio pelo que fez à cultura do Porto

Qui, 08/01/2015 - 0:00

Advogado, comentador desportivo, portista ferrenho, louco por desportos radicais, diretor da GDA (Gestão dos Direitos dos Artistas intérpretes e executantes), ativista político e vocalista dos Blind Zero há 20 anos. Miguel Guedes, 42 anos, nunca deixou de dar a cara por aquilo em que acredita e não é homem de meias palavras. Como fez nesta entrevista.  
         
VIP – Como é que um homem do Porto, e portista convicto, não gosta de tripas?
Miguel Guedes – [risos] Não comer tripas está no ponto oposto do que deveria ser um bom tripeiro. Mas compenso bastante com as francesinhas, que me dão o que um bom portuense precisa. 
 
Advogado, jurado do Factor X, comentador desportivo e vocalista dos Blind Zero. Se tivesse de escolher uma, qual seria?
Sempre a música. Acompanha-me há mais tempo, foi com a música que eu nasci, apareceu no momento em que fazia o curso de Direito. Tive pequenas bandas, desde os bares até aos Blind Zero. Foi tudo muito rápido. Sinto-me melhor a gravar discos e em palco, mas não gosto de ser unidirecional.  
 
Quem faz muita coisa não é sinónimo de alguém que nunca soube bem o que fazer?
Tem mais a ver com não fazer nada a 100%. Quem se especializa tem uma probabilidade muito maior de acertar e fazer melhor. Tenho essa noção e vivo bem com isso. Não seria feliz se fizesse uma só coisa. 
 
O que faz menos bem?
Tento entregar-me em tudo o que faço. Não consigo ser de outra maneira. A aventura do Factor X é um exemplo. Estive sempre super entregue, super empenhado para que as candidatas fossem longe. Vi o Factor X como um desafio meu e delas, pois são elas que vão dar a cara por uma futura carreira. Empenhei-me imenso por elas. Tenho a noção de que, se só fizesse uma coisa na vida, poderia fazer melhor. 
 
Parece que a única certeza que tinha, quando era pequeno, era a de que queria ser veterinário…
Sim, a primeira paixão foi pelos animais. 
 
Pensava que a primeira paixão de quem gosta de futebol é ser jogador. 
Não, até porque tinha a noção de que era muito fraco [risos]. As experiências como jogador da bola foram apenas na escola e sempre correram mal. Jogava a defesa central.
 
Vá lá, não o meteram à baliza. Os gordinhos vão sempre à baliza. 
É verdade, até aos 11/12 anos era uma “bolinha”, mas perceberam que à baliza também não resultava e, pelo contrário, impunha o físico num lugar que ocupasse espaço e estivesse em contacto com o adversário [risos]. Digamos que era um defesa bastante faltoso. 
 
É filho único. É mimado?
Tive e tenho a minha dose de mimo. Os meus pais são pessoas extraordinárias e sempre tiveram uma relação de enorme franqueza, amizade e compreensão, mesmo perante as posições que tomo, mais fraturantes ou divergentes. Sempre tiveram grande confiança, mas também nunca lhes dei motivos para não terem. Fui bom aluno, com boas notas. 
 
O puto que cantava nas festas de família?
Era, era. Até começar a ter vergonha. Enquanto miúdo, era muito expansivo nas cantorias. A minha família também é pequena e, quando se juntava, eu tentava dar um bocadinho de espetáculo, até ao momento em que achei que deveria reservar isso para mim. 
 
Os Blind Zero nasceram em 1994, ou seja, celebram este ano duas décadas. O primeiro LP, Recognize, esgotou em apenas nove dias e tornou-se peça rara de coleção. Fica triste por isto já não acontecer?
Sim, por todos os músicos. Os discos hoje já não esgotam. Mas isso corresponde à própria desmaterialização dos formatos. Tenho memória, mas não sou saudosista. Só recuava um pouco mais até ao 25 de Abril.
 
Foi necessário participar no Factor X, na SIC, para voltar a ser lembrado?
É indesmentível que a televisão generalista traz visibilidade. É evidente que se fala mais de Blind Zero e do meu nome, mas sempre fiz muitas coisas em paralelo: o comentário desportivo, o trabalho na GDA, o escrever para jornais, a política. Nunca deixei de dar a cara por aquilo em que acredito. 
 
Há diferenças entre o Miguel Guedes do Factor X e do Trio d’Ataque?
Há, necessariamente. Estamos a falar de programas distintos. No Trio d’Ataque estou em debate, muitas vezes aceso, com pessoas que pensam, amam e sentem o futebol de forma diferente. Há confronto. Mas com alguma elegância e assinalável respeito pelas opiniões dos outros. No Factor X estou genuinamente a querer que corra bem, não há adversários, há uma espécie de competição paralela.
 
E como vê a competição das audiências? 
Não estou no Factor X para fazer audiências, embora queira que o programa seja um sucesso. Estou para julgar e, sobretudo, para trabalhar com as minhas candidatas. 
É verdade que, durante o Factor X, acordou a meio da noite a cantar Katy Perry?
[risos] Sobretudo no início e na preparação da primeira gala. Era novidade para mim. Mas voltou a acontecer muitas outras vezes.
 
As “suas miúdas” conheciam os Blind Zero?
Umas mais do que outras. Mas nenhuma conhecia a fundo. São pessoas com 16/20 anos. 
 E como é que surgiu a ideia de pegar nas raparigas e ir fazer um salto de queda livre?
Queria que fosse uma metáfora para o programa, que é de superação, confronto com o nervosismo, fortalecer o espírito de grupo, ultrapassar as fasquias, o julgamento, onde é preciso muito controlo da ansiedade. É também um programa de música, de enorme alegria e prazer em estar no palco, e de fazer algo pela primeira vez. Tudo isso eram predicados do salto. E ultrapassar os medos. Segundo o que elas me dizem, foi das melhores experiências das suas vidas. E eu acredito, porque sei o que senti quando saltei pela primeira vez.
 
Qual a palavra que escolhia para definir João Manzarra e Cláudia Vieira?
Prazer. Sinto que os dois têm genuíno prazer no que fazem. Para além de uma simpatia e simplicidade muito pouco comuns, daquilo que eu conheço da televisão em Portugal. E tenho de lhes tirar o chapéu. São pessoas muitíssimo conhecidas, com uma abrangência brutal em termos de quem vê televisão. Depois, destaco também a competência com que trabalham. O João, com um timing e um humor que são só dele. A Cláudia tem uma clareza, suavidade e presença impressionantes. 
 
Mas, voltando aos Blind Zero, quero saber se tiveram ajuda, subsídios do Estado.
Nunca. Houve um circuito, para a música, que era uma espécie de ajuda indireta, feita através das câmaras municipais, que contratavam bandas. Mas não era um subsídio direto. Isso nunca existiu e não deve existir, a não ser para a exportação. Infelizmente, nunca tivemos governos que pensassem nisso a sério. 
 
Falou de autarquias e aproveito para falar da sua, no Porto. Rui Moreira tem uma política cultural diferente de Rui Rio. Está contente com este primeiro ano?
Muito. Respira-se um ar diferente. Durante muitos anos, vivemos um período de deserto, onde tivemos de inventar flores e fazê-las nascer onde não havia água. Sentia-se um desprezo brutal da autarquia pela cultura, nas suas mais variadas expressões, mas sobretudo em relação ao teatro. Houve muito sofrimento, mas também muita resistência. E as pessoas mostraram uma enorme raça. 
 
Quem resistiu a Rui Rio, resiste a tudo?
É um pouco isso. Criaram-se estruturas mais fortes, devido à necessidade de sermos resistentes. Vivemos num regime que era opressivo em relação à cultura, a descaracterizava e procurava anular. Rui Rio esteve à beira de destruir grande parte da cultura contemporânea do Porto e isso nunca lhe poderei perdoar. 
 
Em 20 anos de Blind Zero, como lidou com o álcool, as drogas e as mulheres?
As minhas experiências no que dizem respeito ao chavão “sexo, drogas e rock & roll”, sempre foram muito assumidos. Para já, vivemos em Portugal e a nossa realidade é muito comezinha. É evidente que, no início dos Blind Zero, podíamos ter a ilusão de que tudo era mais fácil e tudo era possível. Mas sempre houve um enorme sentido de responsabilidade. 
 
Passando agora para outra paixão, o FC Porto. Por que razão chora com as alegrias e não com as tristezas?
Fico muito incomodado quando o FC Porto perde mal um jogo. Isso deixa-me irritado. O meu pai e o meu avô levaram-me ainda pequeno, pela mão, ao Estádio das Antas. Tive aquela grande alegria em 87 e, aí, chorei. As tristezas revoltam-me, mas não me fazem chorar. Quando o FC Porto perde bem não tenho grandes sentimentos de revolta. Fico sentido e afeta-me, mas tento gerir esse tipo de derrotas. 
 
Como a última derrota com o Benfica.
Não me revoltou, porque foi um jogo muito especial. Muito particular. Um tri-misto de aselhice, azar e imaturidade. Esse jogo não se repetiria tão cedo. Erros infantis e maturidade assinalável do Benfica. Quando se falha ao ponto de parecer que era eu que estava a jogar, não nos podemos lamentar [risos].
 
Gosta muito de futebol. Era capaz de assinar a Benfica TV para ver o campeonato inglês ou a sua fidelidade ao FCP não deixa?
Gosto muito do campeonato inglês, mas prefiro gastar o meu dinheiro no setor da restauração para ver esses jogos [risos]. Vivemos num momento de crise terrível e é uma boa oportunidade para sair de casa, comer uma tosta mista e beber uma cerveja num bar ou café. É isso que faço quando vejo jogos do Benfica, em sua casa ou no campeonato inglês. 
 
Qual a sua relação com Pinto da Costa?
Afável. Já escrevi durante muito mais tempo sobre Jorge Nuno e sobre Pinto da Costa, do que o tempo que efetivamente passei com ele. Teremos tido duas ou três conversas  rápidas e circunstanciais. E não privamos intimamente. Mas nutro uma enorme admiração e gratidão pelas alegrias que me proporcionou, de miúdo a graúdo. E pela visão que teve e por ter sido, à sua maneira, um verdadeiro revolucionário do futebol português, porventura quem fez o 25 de Abril no futebol português.
 
Como comentador desportivo, já teve algum problema?
Sim, tive um processo movido pelo Benfica e pelo presidente Luís Filipe Vieira. Não chegou à fase de julgamento, porque era uma tentativa muito pobre de me condicionar ou de me incomodar. Toda aquele situação foi anedótica porque não tinha qualquer fundamento. Foi feita para eu gastar tempo, dinheiro e para perceber que é muito fácil pôr um processo a alguém quando se tem avenças mensais com escritórios de advogados, mas é mais difícil ter respeito pelas pessoas e pelas opiniões contrárias. Só o facto de não ir a julgamento deixou claro que era um completo ato falhado, em relação a mim e ao Alfredo Barroso. Entristeceu-me bastante porque o processo foi totalmente descabido e porque tenho o maior respeito pela instituição Benfica e pelos seus adeptos, e uma imagem muito melhor do presidente do que a de um caça-fantasma. 
 
Leia a entrevista completa na edição número 912 da VIP.
 
 
 
Fotos: João Manuel Ribeiro e Filipe de Brito

Siga a Revista VIP no Instagram