Mafalda Arnauth é uma das mais famosas fadistas portuguesas. Mesmo assim, a ‘cantautora’ recusa o rótulo de Diva. "Esse tipo de adjectivos (…) parece-me desajustado", diz, com humildade. Na altura em que lança o seu sexto álbum, Flor de Fado, Mafalda fala da sua vida e rejeita e ideia de ter um filho só por ter.
VIP – Como estão a correr os primeiros tempos de Flor de Fado?
Mafalda Arnauth – Estão a correr muito bem. A sensação que tinha de me afirmar como cantautora e contadora de histórias acabou por fazer todo o sentido e ser coerente com o que já vinha a fazer. Não houve nenhum susto, apesar de ser o primeiro disco que tem fado na capa e aquele que apresenta uma sonoridade menos ligada ao fado.
O álbum anterior foi aclamado pela crítica e pelos fãs. Isto aumenta a pressão para um sucesso ainda maior com este trabalho?
Pressão já não existe há algum tempo, pois cada disco é diferente. Por isso, o momento actual é sempre o mais intenso. Acho que as pessoas que gostaram do trabalho anterior (Diário) não vão ficar defraudadas com este disco.
Quais são as grandes diferenças entre este trabalho e os anteriores?
O lugar, em termos de imaginário, onde este disco acontece. É uma sonoridade mais íntima. Se estabelecesse uma associação, diria que é a sala de estar da minha casa. Este disco começa com dois amigos nessa sala mas as portas estão abertas e vão chegando mais músicos e compositores. É um encontro de amigos.
Porquê Flor de Fado?
Antes de pensar no disco e nos concertos, a ideia era cantar melodias com que as pessoas se identificassem. A Flor é capaz de ser a coisa mais diversa, bonita, misteriosa e completa que podemos encontrar. Flor de Fado é um misto de beleza com diversidade e com o facto de relatar as pessoas na sua beleza máxima. Pessoas essas onde me incluo (risos).
Um pequeno à parte… Recebe muitas flores?
Sim (risos). A minha casa está a ficar um verdadeiro jardim. Tenho uma fã que me oferece, por hábito, orquídeas. Felizmente, ainda estão todas vivas (risos).
Quando o disco está finalizado, tem por hábito ouvi-lo?
Acabo por ouvi-lo muito, pois grande parte do processo de estúdio passa por mim. Este disco é claramente um trabalho do Fernando Nunes, que fez o trabalho técnico do disco, com o Luís Pontes. No final, tive que ouvir tudo com muita atenção, para acrescentar ainda o que entendesse necessário. Dá-me imenso prazer ouvi-lo (risos).
DISCOS COMO REFLEXO DE VIDA
Os álbuns são o reflexo da sua vida durante o período de tempo em que está a trabalhá-los e a criá-los?
Completamente. Pelo menos, são o reflexo da minha visão da vida. Mais do que nunca, começo a estar atenta às histórias que vou conhecendo e que acompanho. Nada disto é ficção.
Isso não a expõe em demasia?
Não. Continuo a conseguir proteger as pessoas que partilham comigo essa vida privada. Por outro lado, o que de melhor posso passar ao público são os meus valores, a minha forma de estar na vida e a minha maneira de ser. Poder fazer isso através da música é uma benção.
O fado tem que ser triste?
O fado tem que ser, acima de tudo, verdadeiro. Não pode haver uma fraude no que a pessoa está a dizer e a transmitir. A ideia do fado ter que ser triste está a cair em desuso.
Há quem diga que se nasce fadista e que não se aprende a sê-lo…
Acho que há muito de realidade nisso. É algo muito institivo. No meu caso, tive momentos muito tradicionalistas mas também gosto de estar noutros
horizontes e fronteiras. Não sou eu quem vai determinar se nasci ou não fadista. Mas, em relação à atitude perante a vida, acho que sou mesmo fadista.
Posso chamá-la de Diva do Fado?
Acho que não ganhamos nada com isso (risos). Esse tipo de adjectivos, numa música que canta a vida, parecem-me desajustados. Acho muito mais engraçado que me chamem vida do que diva (risos). É importante que as pessoas sonhem connosco mas também é importante que não tenham uma ideia desajustada da realidade e que não se criem ideias sobre as nossas vidas de sonho, pois são vidas comuns embora com a possibilidade de transmitir algo aos outros.
Já se sentiu tentada a abandonar este registo para cantar noutro completamente diferente?
Assim tão drasticamente, não. A sensação que tenho é a de que, em vez de me afastar da raiz, está a dar-me gozo cantar fados puramente tradicionais. Nunca tive esse desejo nem me apetece.
Tem muitos concertos no estrangeiro. Nessa altura sente-se uma bandeira de Portugal?
Há alturas em que tenho essa sensação, de orgulho nacional. Há outros momentos em que me diluo com as pessoas e me esqueço que estamos num sítio físico. É crucial defender o que nos distingue e também aquilo que nos une. A música tem essa magia. Só assim é possível fazer com que as pessoas não se percam num concerto em que não percebem a Língua.
Estas constantes viagens impedem-na de ter uma vida pessoal normal?
Não. Isso é uma falsa ideia. Muitas vezes, as pessoas estão anos em casa e não comunicam. Numa vida como a minha, todos os bocadinhos são aproveitados e saboreados (risos). Claro que acabo por me rodear de pessoas com maturidade suficiente para encarar essas ausências. E a forma como me exprimo na música denuncia, claramente, que tenho vida sentimental (risos). Actualmente, vê-se a vida sentimental como uma relação amorosa. Mas isso extremamente redutor, apesar de achar que é muito importante na vida de uma pessoa.
Era capaz de abdicar de algo na sua carreira por amor?
Acho que só vivendo essa situação em concreto é que saberia. As pessoas que me rodeiam sabem que tenho uma responsabilidade a cumprir. Dessa responsabilidade dependem
muitas outras pessoas. Não posso, de forma ligeira, dizer que não vou cumprir com algo. Por amor, sou capaz de fazer tantas coisas… Se calhar, sou capaz de descobrir uma forma de estar presente, sem ter que abandonar as minhas responsabilidades.
Casar e ter filhos continua a fazer parte dos seus planos?
Nunca fez de uma forma muito vincada e tradicional. Faz parte dos meus planos, se fizer sentido. Com o tempo aprendi a não forçar formatos. A ideia de ter, só por ter, não faz qualquer sentido.
O relógio biológico não chama por si?
Esse relógio deve ser ouvido, mas não se deve ter um filho só por causa do relógio biológico. Acho que um ser que nasce tem que ter uma história e eu sou responsável por essa história.
Já existe a segunda pessoa que vai escrever essa história consigo?
(risos). As pessoas que ouvem a minha música não precisam de saber disso.
Imagina-se a fazer uma pausa na carreira para se dedicar a um filho?
A maternidade e um filho real são algo único. Enquanto não experimentar isso, vejo um disco como um pequeno filho. Se tiver que mudar os moldes da carreira por essas razões, vejo-me a fazê-lo sem hesitações.
Preocupa-se muito com a sua imagem?
Preocupo-me em mostrar às pessoas que há um caminho a fazer para melhorar. Em Portugal, é urgente acabar com a falta de auto-estima. Se puder desafiá-la nas pessoas, ainda melhor.
O Natal está a aproximar-se. Já sente o espírito natalício?
Ainda não. Compreendo a antecipação do Natal, por questões comerciais mas acho que isso nos desliga do momento.
O Natal não tem que ser todos os dias, é naquela época e é um momento de reflexão e de aproximação à família. Há tanta coisa a acontecer agora que não faz sentido pensar já no Natal.
É consumista nessa época?
Cada vez menos. Acho que as pessoas estão a amar as coisas e a usar as pessoas quando deve ser o contrário. Isto tem que mudar, senão as pessoas vão deprimir de vez. Não substituo o que é importante na minha vida por coisas.
Qual a melhor prenda que podia receber?
Nunca tive grandes aspirações mas gostava de ver as pessoas mais felizes e animadas, pois há uma grande corrente de desânimo.
Texto: Bruno Seruca; Fotos: Rui Renato; Produção: Manuela Costa; Maquilhagem: Ana Coelho com produtos Maybelline e L’Oréal Professionnel; Agradecimentos: Teatro São Luís; Nuno Baltasar
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