Gabriela Canavilhas
A ministra da Cultura, GABRIELA CANAVILHAS, fala dos problemas de conciliar o trabalho com a família

Famosos

“É muito difícil, pede-se demasiado às mulheres com carreira”
“Quem corre por gosto não cansa?” Cansa, pois. Ainda por cima em altura de corrida de obstáculos,com o Governo a tomar medidas mais rigorosas para travar estes tempos difíceis. Mas o aparente cansaço não causa danos estéticos. Gabriela Canavilhas, ministra da Cultura, vencedora do prémio Elegante VIP, acredita na elegância como um pressuposto filosófico e artístico

Qui, 31/03/2011 - 23:00

 

Quem corre por gosto não cansa?" Cansa, pois. Ainda por cima em altura de corrida de obstáculos,com o Governo a tomar medidas mais rigorosas para travar estes tempos difíceis. Mas o aparente cansaço não causa danos estéticos. Gabriela Canavilhas, ministra da Cultura, vencedora do prémio Elegante VIP, acredita na elegância como um pressuposto filosófico e artístico. E admite que, ao serviço do poder, muitas vezes, e em cenário declarado de crise, os ideais acabam por ser traídos pelas “contingências” políticas. Mas é mesmo assim a vida. Afinal, a ministra também teve de sacrificar a carreira de pianista. E a mulher teve de sacrificar muito tempo que poderia ter passado ao lado do marido, José Manuel. Um equilíbrio delicado no fio de nylon da elegância.

 

VIP – Sendo uma mulher ligada à Cultura, tem algum ideal de beleza definido?

Gabriela Canavilhas – Essa pergunta nunca ninguém me tinha feito. É interessante. Acho que o meu conceito de beleza é clássico. Nas várias expressões, nas artes plásticas, na música… é um período que faz a síntese do barroco, simplifica-se e torna-se depurado. É claramente um período em que me revejo.

 

E como é que isso se traduz na sua vida?

Traduz-se talvez na não dependência dos excessos e naquilo que a própria palavra clássico significa, que é “aquilo que é intemporal”. Embora haja momentos na vida para todo o tipo de excessos, a minha forma de estar no sentido clássico é o de evitar os excessos.

 

E o stress provocado por este momento de crise, de discussões de PEC, de falta de dinheiro não é um excesso já por si?

Este período para estar no Governo, historicamente, é um dos piores. Desde a democracia, e passados os excessos do PREC, este é um dos momentos mais difíceis. Enfrentamos uma crise económica de escala mundial que afecta as estratégias e até as filosofias e as ideologias políticas. Por isso, este governo é obrigado a aplicar muitas medidas que nem sequer estão no seu espectro ideológico, mas é obrigado a isso pelas contingências internacionais.

 

Apesar das receitas dos jogos da Santa Casa da Misericórdia, em época de crise nunca abunda dinheiro para a Cultura…

Claramente, as reduções afectam orçamentos já reduzidos. No princípio deste mandato enfrentámos reduções com as quais não estávamos a contar. Com o avançar do tempo, a crise agudizou-se e neste segundo orçamento, ficámos numa situação ainda mais crítica. Esta situação crítica acabou por ser descongestionada com este recente anúncio na alteração das receitas dos jogos sociais.

 

Por que disse que os artistas portugueses deviam ir para o estrangeiro?

O que disse foi que, no sector cultural, os artistas e criadores devem viajar, viver fora do País para enriquecer o seu universo criativo. A pior coisa que pode acontecer a um artista é ficar confinado ao seu espaço toda a sua vida. É inconcebível que um músico da minha área, terminada a sua formação, exerça a profissão sem ter feitos estágios no estrangeiro. A arte não tem nacionalidades nem fronteiras. Não tem nada a ver com não ter emprego.

 

Não acha que a nossa cultura tradicional, como o culto do Espírito Santo, nos Açores – de onde é natural – devia ser mais valorizada e podia até atrair turistas?

Absolutamente. Isso vai de encontro àquilo que é o maior fascínio da gestão cultural e que é a sobreposição das várias frentes que coabitam para construir o universo que é a cultura. Há realmente um mundo muito vasto da maior importância e que deve ser inventariado, fixado e publicado e isso faz parte das atribuições do ministério da Cultura. O culto do Espírito Santo nos Açores é, desse ponto de vista, um exemplo riquíssimo que abarca festas religiosas, música, gastronomia, lendas e é um exemplo único no mundo.

 

Por que razão não temos uma indústria de cinema português?

Há três ou quatro áreas que são muito importantes, em que trabalhei arduamente, e uma delas é a Lei do Cinema. Esta lei vai triplicar o financiamento e vai abrir muito mais possibilidades aos jovens realizadores. Vai regularizar o sector do audiovisual e trazer um grande impulso àquilo que tenho chamado a grande linguagem artística do século XXI.

 

Continua a tocar piano?

Refugio-me ali de manhã, depois de ler os jornais. Não lhe dedico quase tempo nenhum, mas voltarei a ele porque é aquilo que eu sou enquanto artista.

 

E o outro refúgio, claro, é a família…

Sim, claro. Sempre que estamos juntos tento que seja tempo de qualidade. A minha filha já é adulta, mas para o meu marido é difícil. Se tivesse filhos pequenos, seria muito complicado. É muito difícil, pede-se demasiado às mulheres com carreira. Há sempre perdas para o lado familiar.

 

Texto: Nuno Calado Costa; Fotos: Paulo Lopes; Produção: Romão Correia; Maquilhagem e Cabelos: Vanda Pimentel e Ana Coelho

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