Marco Paulo
Intimidade, amores e relação com o afilhado são assuntos proibidos na série

Nacional

Marco Paulo fez tabu da maior parte dos assuntos relacionados com a sua vida. O realizador diz que teve que aceitar “as regras do jogo”

Sex, 06/01/2023 - 10:30

A minissérie que retrata a vida de Marco Paulo foi exibida no dia 1 de Janeiro na SIC e tem dado muito que falar… mas não pelos melhores motivos. Um das críticas que tem ganhado maior destaque é a de a vida amorosa do cantor, de 77 anos, ter sido completamente ocultada. Manuel Pureza, realizador da série biográfica, explica o motivo. E revela, ainda, que outras tantas histórias e facetas da vida do artista ficaram de fora. Mas não por vontade sua: ‘esbarrou’ sempre na fonte, o próprio Marco Paulo.

“Há sempre uma nuvem que paira sobre as grandes figuras que não falam da sua intimidade — e sobre a qual estão no direito total de não falar —, mas essa nuvem parte daquela máxima de que quem conta um conto, acrescenta um ponto”, começa por explicar em entrevista à NIT. “Por mais suspeitas que as pessoas tenham, ele não fala sobre isso. Eu não falei com ele sobre isso. Também me parece que mais ninguém chegou a essa questão porque não é confortável, sobretudo para uma pessoa que faz questão de não falar”, diz Manuel Pureza, que realizou também a série Pôr do Sol, na RTP.

Relação com afilhado também foi assunto tabu

“Há coisas sobre as quais ele não fala. Tirando pessoas que tenham algumas provas, são tudo conjeturas. Não fala da sua intimidade, das suas relações pessoais, da sua relação familiar com o afilhado”, justifica. “Tentamos sempre pisar terreno sólido, sabermos que as coisas que íamos contar se tinham passado dessa forma, ou que pelo menos tínhamos algumas partes que nos comprovavam que isso tinha acontecido, além do próprio”, afirma.

Para Manuel Pureza, para fazer um filme biográfico “era fundamental” falar sobre isso, mas Marco Paulo não o permitiu. “Para todas as outras coisas ele abre a porta, para essa não abre. E isso está na cabeça das pessoas que veem a série e que são da minha geração, que não se fala desse tema”, conta, acrescentando que retratar facetas e episódios da vida do cantor sem as suas próprias revelações seria “entrar em terreno muito pantanoso”.

“Nunca nos foi permitido trabalhar sobre isso”

Mas os amores e paixões do artista não foram as únicas omissões na minissérie. “A história a que nós chegámos, sobretudo a Vera [Sacramento], a Susana [Tavares] e a Sara [Rodi], as argumentistas, é a história possível tendo em conta todas as condicionantes que foram impostas na sua própria redação”, revela, indicando que Marco Paulo controlou toda a narrativa. “É uma figura que conta a sua história, nos moldes em que não é fantasioso, mas que respeita aqueles arquétipos da história de encantar: o menino pobre que não tinha nada, que tinha uma voz de anjo e que chegou ao sonho”, refere. “Isto está tudo muito bem, mas e o contraditório? Quantos dias é que o Marco Paulo teve dúvidas sobre se cantava bem? Nós não sabemos isso, nunca soubemos, nunca nos foi permitido trabalhar sobre isso”, assume.

A minissérie retrata o percurso de vida do cantor: da infância no Alentejo ao descobrir da sua voz, da resistência do pai em permitir que seguisse o seu talento, à descoberta pelos produtores musicais e ao sucesso comercial. É, também, retratada a sua luta contra o cancro e a fé inabalável que o move. “O conflito [da personagem] nunca é interior. Mas volto a dizer: isto foi o melhor argumento a que conseguimos chegar (…) É difícil dares uma dimensão dramatúrgica a uma história em que parece que, de facto, ele não tem dúvidas, não tem hesitações”, afirma.

Manuel Pureza revela as tentativas frustradas, por parte da equipa de argumentistas, de encontrar mais abordagens à história. “Ele não deixa — e isso é muito característico nele — que haja rigor, no sentido de se saber o que é que aconteceu exatamente. Qual foi o dia em que ele chegou a casa e quis desistir. Isso não acontece, não existe na cabeça dele”, diz, acrescentando: “O Marco Paulo absorve por completo a hipótese de tu falares desses pontos. As regras do jogo são essas. Não é uma coisa má. É o que é.”

“Mesmo que fosse o Tom Cruise banhado a ouro, o Marco Paulo ia achar que não era parecido com ele”

O ator escolhido para dar vida a Marco Paulo na idade adulta foi Fernando Luís. Uma decisão que parece não ter sido do agradado do artista: “Do ponto de vista da representação ele esteve, claro, muito bem, mas fisicamente não me revi nada nele”, disse ao Correio da Manhã. E ainda assinalou que gostaria de ter “visto mais cenas de estrada e de concertos”. Manuel Pureza justifica a escolha, ainda na entrevista à NIT, dizendo que Fernando Luís é “um dos melhores atores da nossa praça”.

“Sim, não é muito parecido com o Marco Paulo, mas qual é a figura de 50, 60 anos que tenha reconhecimento do público e que seja parecido?”, questiona. “Além do mais, falamos do Marco Paulo, que é uma pessoa que gosta muito da sua própria figura. Costumo dizer que mesmo que [o ator] fosse o Tom Cruise banhado a ouro, o Marco Paulo ia achar que não era parecido com ele (risos). É uma especificidade de quem é. Digo isto com o máximo dos carinhos”, atira.

“Ele nunca — e isso é uma característica dele como é de muitas estrelas — pode ficar mal na fotografia. Isso faz parte de uma coisa que ele protegeu ao longo de 77 anos, que é a figura do cantor popular que é amado por milhões e milhões”, refere.

“Para o Marco Paulo, a única pessoa bonita que existe no mundo é ele próprio”

Na opinião do realizador, este tipo de filmes biográficos, feitos em jeito de homenagem a um artista vivo, nem sempre é “pacífico” para a pessoa retratada. “É um risco enorme porque há um confronto com uma representação de nós próprios. Imagino que não seja pacífico, sobretudo para o Marco Paulo. Presumo que tenha havido ali zonas que provavelmente não tenha gostado, porque não estamos habituados a ser representados por outra pessoa”, refere. “Ainda por cima o Marco Paulo é uma pessoa que gosta imenso de si próprio. Para o Marco Paulo, a única pessoa bonita que existe no mundo é ele próprio”, diz.

À questão se ficamos a conhecer Marco Paulo ao ver a minissérie, Manuel Pureza afirma: “Conhecemos Marco Paulo no limite daquilo que o Marco Paulo deixa que se conheça sobre ele.”

Texto: Inês Neves; Fotos: D.R.

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