Filomena Teixeira, mãe de Rui Pedro, protagonizou uma das entrevistas mais emocionantes do Programa da Cristina. Há mais de 20 anos que não tem notícias do filho. Rui Pedro tinha 11 anos, quando, no dia 4 de março, desapareceu.
Numa conversa carregada de dor e emoção, Filomena Teixeira confessou a Cristina Ferreira como é que tem conseguido sobreviver com esta dor.
«É muito difícil. [O sorriso] é uma arma que eu utilizo para me mascarar durante todo o dia. O coração sangra, mas a Filomena tem de apresentar um sorriso. Eu respiro os meus filhos. Não podemos sufocar no sofrimento», começa por dizer.
«Eu acho que sou muito frágil mas apresento uma mulher de força. Tento, chego todos os dias ao espelho e digo assim: ‘É mais um dia’», relata, confiante.
Filomena não perde a esperança e todos os dias acorda com vontade de lutar pelo filho desaparecido. «A vontade é viver para saber dele. Eu tenho de saber dele, tenho de saber o que aconteceu. Esse é o meu objetivo e para a minha filha que é o ser que eu mais adoro neste mundo.»
Ao pescoço, a mãe de Rui Pedro usa um colar especial. «Simboliza a minha filha e o meu filho. Ele está comigo, respira comigo e dá-me conselhos muitas vezes. Ela é a minha força, o que me faz viver, o que impulsa para a frente. Quando eu estou mais em baixo ele tenta logo dizer ‘não pode ser’.»
A irmã mais nova de Rui Pedro «teve de crescer à força», conta Filomena Teixeira
Carina Mendonça, a irmã mais nova de Rui Pedro, tinha oito anos quando o menino desapareceu e tem sido um apoio fulcral para a mãe. «Ela teve de crescer à força. Tinha oito anos. Ela sofreu também e nunca precisou de psicólogos. Foi ela própria que criou uma carapaça. Ela perdeu a mãe e o irmão. Ela, às vezes, pega em pequenas coisas, em pequenas fotografias, tem a imagem do irmão mas não fala dele.»
Filomena gosta de falar sobre o filho. «Eu estou sempre a falar. Eu respiro os meus filhos. Já tive molduras no coração, agora não preciso. Estão lá dentro. [Quando usava] sentia-me melhor, era um aconchego. Junto ao coração, sempre.»
Durante muito tempo após o desaparecimento, usou um símbolo ao peito. «Era um colchete e era a minha maneira de emergir na água, porque às vezes sinto que estou no meio do mar e que me vou afogar e não há ninguém que me salve. E eu consigo ir à parte de cima e já respiro.»
«Agora já não choro»
As lágrimas que deita são mais raras agora. «Não, agora já não choro. Muito raramente. Quando choro é uma dor que me ultrapassa demais e deita-me muito abaixo. Eu acho que já chorei tanto que já não tenho mais lágrimas. Se calhar até choro, mas não quero. Acho que ele não quer que eu chore por ele, ele quer que eu lute por ele.»
Mas a esperança nunca morre. «Acha que ele está vivo?», pergunta-lhe Cristina Ferreira. «O meu coração diz que sim. Tenho tantas dúvidas, mas depois vem-me aquela saudade, aquele querer.»
«Chamem-me louca, mas eu acredito que posso saber do meu filho»
«Eu não fiz luto nem faço luto. Posso ser maluca chamem-me louca, chamem-me maluca, mas eu ainda acredito que posso saber do meu filho. Posso saber o que acontecer, tenho o direito disso. Se há um Deus, esse Deus tem de me dizer o que é que aconteceu ao meu filho naquele dia 4 de março e onde é que ele está», afirma com a voz embargada.
Acompanhada por médicos e psicólogos, Filomena Teixeira conta um episódio que a marcou.
«Uma vez uma médica disse-me que eu pusesse uma pedra no quarto dele e eu disse: ‘O quê? Quer que eu ponha um túmulo no quarto dele? O meu filho não morreu, o meu filho está desaparecido. Não morreu’.»
O desaparecimento «não tem explicação. Ele era feliz, era uma criança feliz, tinha tudo o que ele pedia. Teve sempre tudo. Eu só me lembro dele a rir-se, sempre feliz».
«Sonho com ele crescido. A dar-me beijinhos»
Filomena imagina muitas vezes o reencontro com o filho. «Eu sonho com ele crescido. Sonhei sempre. Ele era o meu sonho, Deus fez-me a vontade. Eu sonhava com ele a abraçar-me por trás, adulto. Abraçar-me por trás e dar-me beijinhos no pescoço. Eu sonhei tanto com isso. Por que é que Deus não me fez a vontade? Ninguém merece.»
A reação das pessoas que rodeavam Filomena na altura nem sempre foi de apoio. «Foram muito más comigo, no início foram. Houve um tempo em que a montanha caiu-me em cima. Havia pessoas a entrar e a sair da minha casa. Aquilo parecia quase o Santuário de Fátima, só queriam ver como é que eu estava. E eu só dava atenção à minha filha.»
Cristina Ferreira recordou o facto de Filomena se arranjar muito sempre que ia a tribunal. «Tenho de ter esta imagem, a minha carapaça passa por isso. Eu não quero ser a coitadinha da Filomena, quero ser a Filomena», justifica.
A única coisa que a mãe de Rui Pedro pede é apoio. «Eu quero que me deem abraços quando eu precisar de abraços. Eu gosto tanto que as pessoas venham ter comigo e sejam boas comigo. Ninguém merece passar pelo que eu passei. Colinho é tão bom», acrescenta.
«Acusaram-me de tudo, de me prostituir»
Filomena confessa que na altura não se apercebeu de todas as acusações das quais foi vítima. «Agora sinto. Acusaram-me de tudo, de me prostituir. Eu passava-me ao lado. Quando me desapareceu o meu filho caiu-me uma montanha em cima, eu estava louca.»
No que toca ao trabalho da Polícia Judiciária há 20 anos, Filomena aponta algumas falhas. «Na Polícia Judiciária eram uns incompetente no início, o caso foi muito mal tratado. Foi o pior pesadelo que eu podia ter. Eu estava sozinha a lutar contra pessoas incompetentes. Ele chegaram-me a dizer que não estavam preparados para este tipo de coisas. Como é que é possível? Enlouqueci várias vezes.»
«Diziam que não podiam andar nos montes porque estava de fatinho»
«Na altura não fizeram nada. Diziam que não podia andar nos montes porque andavam de fatinho e de sapatos e não podiam ir para os montes. Diziam que não gostavam de mim. E eu dizia: ‘Gosto de crianças e procuro o meu filho’», explica.
Filomena chegou a estar sentada nas escadas da Polícia Judiciária à espera de alguma notícia.
«Ia todos os dias à polícia para saber se eles tinham feito alguma coisa. Procurava lá no dossiê deles, aquilo era tudo em papel e depois tinha cassetes. No início tinham computadores e eles não sabiam trabalhar com os computadores, porque os que estavam lá eram velhos e não sabiam trabalhar com os computadores», confessa.
Os esforços familiares foram muitos. O avô de Rui Pedro chegou até a contratar detetives. «Eu ainda me lembro de galgar tudo a pé porque me disseram que ele estava lá. Fui para o estrangeiro. Liguei várias vezes para hospitais», conta a mãe do menino.
Filomena Teixeira viu vídeos de pornografia para ver se encontrava o filho
Durante a conversa emocionante, Filomena falou sobre o momento muito difícil em que viu vídeos de pornografia infantil para tentar encontrar Rui Pedro.
«Cristina vi coisas às 4 da manhã porque às 4 da manhã é que se veem os pedófilos a atuar. Eu vi coisas. Vi crianças a serem violadas e eles a terem prazer com o choro da criança. Gravavam o choro das crianças. Eu estava a ver as imagens para ver se era algum deles que era o meu e chegou a um ponto em que eu não conseguia mais e pronto, caia para o lado, e ficava lá.»
As imagens do sem-abrigo que não era Rui Pedro
Cristina falou sobre as imagens que apareceram, recentemente, de um sem-abrigo parecido com Rui Pedro. Filomena explica que soube logo que não se tratava do filho.
«O meu coração disse logo que não era. O meu filho não era assim. O meu filho tem uns olhos lindos e aquele não tinha. Quando eu o vir o meu coração vai palpitar. Ó Cristina, se eu um dia o vir.»
Com as lágrimas nos olhos, Filomena só tem um desejo. «Espero que ele um dia me bata à porta. Dou-lhe um abraço tão grande. O meu pai morreu sem saber do neto e eu não queria morrer sem saber do meu filho.»
«É à base de comprimidos que descanso um bocadinho»
O sossego para esta mãe que procura o filho há 20 anos só se encontra nos comprimidos. «Nunca [sossego]. É à base dos comprimidos que descanso um bocadinho.»
«Eu tenho pessoas muito boas, muita força, muita coragem. Pessoas que eu não conheço de lado nenhum mandam-me muitas mensagens pelo Facebook», conta.
No final da conversa, Filomena diz com convicção que tem dois filhos, Rui Pedro e Carina.
«Tenho dois filhos que amo e adoro mais que tudo. É por isso que eu sorrio porque tenho dois filhos maravilhosos, os filhos que eu sempre sonhei ter. Infelizmente, o presente não é como eu desejei que fosse mas nada me vai roubar este sorriso. Tenho de enfrentar o dia. O dia é difícil de enfrentar, a luz é difícil de enfrentar porque me vem tudo à memória.»
No final, agradece a entrevista. «Obrigada eu Cristina, por me deixar falar do meu filho.»
Texto: Mariana de Almeida; Fotos: Impala e reprodução Instagram
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