Madjer Saraiva dedicou os últimos 21 anos ao futebol praia. Chegou ao topo da carreira, tendo conquistado inúmeros prémios. Na memória ficará para sempre o momento em que foi duas vezes Campeão do Mundo por Portugal. A carreira desportiva está a chegar ao fim. 2019 vai ser o ano da grande despedida. Em jeito de balanço, Madjer recorda à VIP os momentos mais felizes mas também os mais difíceis.
A família de Madjer cresceu em 2018. Eva, fruto do casamento do futebolista com a bailarina e coreografa Lynn Saraiva, nasceu há quatro meses e juntou-se a Bernardo, de 15 anos, e Kiara, de seis, frutos de relacionamentos anteriores do futebolista.
VIP – O Madjer já tem uma carreira longa e com várias peripécias. Recorde como tudo começou?
Madjer Saraiva – A minha carreira começou no futebol 11 como o sonho de qualquer criança, foi no Estoril Praia. O meu sonho era ser profissional de futebol 11, mas entretanto, aos 17 anos, tive um acidente de mota, estive dois anos parado. Depois, quando voltei ao futebol 11 tinha perdido completamente a noção da parte técnica e tática. E, então, tive um convite do Carlos Xavier – que foi meu colega mais tarde na Seleção – para experimentar futebol praia. Confesso que nem sabia que se jogava futebol praia a nível organizado e com equipas. A minha resposta foi logo ‘não’, porque já tinha tudo organizado na minha vida, tinha voltado a estudar e a trabalhar… passado uma semana ele voltou a insistir e eu disse ‘está bem, vou experimentar’. E são 21 anos de carreira ligado ao futebol de praia.
Quando teve o acidente de mota já era um nome promissor no futebol. Como é que um jovem de 17 anos encara este revés?
MS – Foi um dos momentos mais complicados da minha vida e da minha carreira porque houve ali um período em que estava na recuperação que pensei em desistir, tanto que fiz a tal reorganização profissional. E se não fosse o convite do Carlos Xavier talvez não tivesse envergado por uma carreira de futebol. Poderia estar ligado ao futebol mas como treinador ou diretor desportivo. Foi sem dúvida o momento em que eu ponderei, um dos mais difíceis.
Ao longo destes anos tem conquistado inúmeros sucessos, já foi considerado o melhor por várias vezes. O que se sente quando se vence por Portugal?
MS- É sempre um orgulho enorme, não só quando se vence mas quando se representa o nosso País e vestimos aquela camisola. Costumo passar isto principalmente aos atletas mais novos. E dou o meu exemplo: ainda hoje quando represento a bandeira nacional tenho arrepios, no Hino o meu batimento cardíaco aumenta. Quando estamos no patamar mais alto de uma representação, a representação nacional, entregamo-nos de corpo e alma. Depois quando trazemos conquistas para Portugal, o sentimento é de dever cumprido por todos os que fazem parte do nosso trabalho diariamente. É um orgulho imenso. Somos um País pequeno, mas recheado de talento em várias áreas.
Usa o seu exemplo e esses conselhos para o seu filho Bernardo, que também já joga futebol?
MS – Uso o exemplo para os meus filhos, até porque o meu exemplo vem de berço. É o exemplo da minha mãe que foi uma guerreira e continua a ser. Educou cinco filhos e na nossa educação temos como base lutarmos por aquilo que queremos. Também com o surgimento do desporto na minha vida levantam-se outros valores, que são a partilha, a luta, a entrega. Aproveito o meu exemplo para educar os meus filhos da melhor forma possível.
O Bernardo joga futebol de 11 ou futebol de praia?
MS – Joga futebol normal, quer jogar futebol de praia. Infelizmente o futebol de praia ainda não está muito desenvolvido a nível de formação em Portugal. Apesar de termos uma orla costeira fantástica, o clima ainda não permite as crianças estarem a competir o ano todo como no futebol 11. Agora aos poucos já começa a haver umas escolinhas e umas organizações principalmente na altura da primavera e no verão. Isso é uma luta constante de quem anda já há muitos anos no futebol de praia, que é tentar colocar isto noutro patamar.
Sente algum tipo de desvantagem ou falta de apoio em relação ao recebido pela Seleção Nacional do Cristiano Ronaldo?
MS – Não. Em todos os desportos há espaço para toda a gente, nós também conquistámos o nosso espaço. Temos de ver que somos uma modalidade recente. O futebol praia surgiu em Portugal em 1996. O futebol 11 já existe há muitos mais anos. Tem existido uma conquista gradual, mais lenta do que queríamos. Muita gente lutou para haver um aceleramento, mas de qualquer forma conquistámos a nossa visibilidade e espero que – eu só jogo mais um ano que é o Campeonato do Mundo de 2019 – espero que as gerações futuras deem continuidade a este trabalho de tanta gente.
Já se sente angustiado por saber que vai deixar o areal?
MS – Não, ainda não me caiu a ficha. Tenho vindo ao longo da minha carreira a preparar-me para o pós carreira desportiva. Tenho tido a oportunidade de preparar o meu futuro e o futuro da minha família, com imensos cursos que já tirei, como o de instrutor FIFA, com os contactos que fiz no estrangeiro. Ainda agora estive a dar formação em Cabo Verde. O meu futuro está preparado em prol daquilo que eu amo fazer que é o futebol praia. Não estou angustiado porque acho que ainda estou muito focado nos objetivos até 2019. Alguns ex-colegas que já terminaram relatam que só passado uns tempos é que sentem isso.
Quais são os seus planos para depois de 2019?
MS – Tenho uma forte ligação ao Sporting, onde atualmente estou como diretor desportivo. Sou eu que organizo a vertente toda do futebol de praia do Sporting. Tenho uma ligação à FIFA, enquanto instrutor e instrutor FIFA já desde 2005. Tenho os meus projetos de escola academia Sporting já em andamento e depois, para além disso, tenho muitos países já a me requisitarem enquanto treinador. Graças a Deus deixei muitas portas abertas em muitos países nesse sentido.
O que acha da designação ‘o rei das areias’?
MS – É muito forte. Quando oiço esses elogios olho para trás e relembro todo o sacrifício que foi feito e eu gosto sempre de englobar toda a gente, estou numa modalidade coletiva. Nós só conseguimos excelência se trabalharmos com os melhores e eu graças a Deus tenho a felicidade de ter trabalhado com os melhores, que eu considero que são os reis da areia. Conseguiram que a modalidade tivesse vários pontos altos ao longo de vários anos.
Depois do acidente que o fez mudar na vertente dentro do futebol, que outros momentos difíceis atravessou?
MS – Desportivamente foram alguns, principalmente quando temos lesões. Uma das mais difíceis foi em 2013 em que tive uma hérnia já com um défice no membro inferior esquerdo. Das coisas que mais me custou ouvir do médico foi quando me disse ‘sou completamente honesto, temos aqui 60/70 por cento de percentagem de não voltar a jogar e 30/40 por centro para voltar.’ Lembro-me perfeitamente que começaram-me a cair-me as lágrimas no consultório. Mas rapidamente fez-se um clique: ‘ vou-me agarrar a estes 40%’ . Fui operado, a operação correu lindamente, a recuperação melhor ainda e quando me davam um período de seis a oito meses até recuperar a 100 por cento, eu ao fim de dois meses já estava na final do Campeonato da Europa. Parece que me tiraram o tapete e pensei ‘ agora o que vai ser da minha vida?’. Em 2013 não estava preparado para não dar continuidade à minha carreira, foi dos momentos mais difíceis.
E o momento mais feliz?
MS – Tive vários momentos felizes, mas eu gosto de enumerar sempre dois: ter sido duas vezes campeão do mundo. É o auge da carreira de qualquer atleta. Fomos em 2001 quando eu tinha chegado a modalidade em 1997. Era impensável sermos campeões do mundo no Brasil, que é a terra do futebol de praia. Depois em casa, em 2015, quando em Espinho ganhamos o Campeonato do Mundo perante o nosso público, foi das melhores sensações que tive na minha vida.
Chorou de emoção?
MS – Em 2001 não, na altura parecia que estava a viver um sonho. Em 2015, houve um misto de choro e de riso. Ainda hoje falo com os meus colegas que foram campeões do mundo e ainda nos parece que não é real. Foi tão magnifico.
2018 foi um grande ano a nível pessoal, porque foi pai pela terceira vez com a chegada da Eva
MS – Só quem é pai sabe o quanto é um motivo de felicidade o nascimento de um filho, neste caso de mais uma princesa. É um momento fantástico e mais ainda quando eu não tive, até por motivos profissionais, o acompanhamento que eu queria ter dado aos mais velhos . Tudo o que faço e continuo a fazer é em prol da minha família. Eles sabem disso. As ausências que tenho é para lhes dar qualidade de vida. Agora será uma experiência um pouco diferente pelo acompanhamento mais presencial . Enquanto pai sinto-me feliz pela educação que eles têm , feliz pelas condições criadas para eles, mas triste por ter falhado várias etapas. Agora estou a viver uma nova experiência.
Como é o Madjer como pai?
MS – A mãe diz que eu sou pai galinha. Sou aquele pai que estou sempre preocupado com eles , mas a todos os níveis, desde a escola à educação. Até andamos atrás deles por causa das arrumações porque foi uma coisa que também a minha mãe me transmitiu. Quero que eles sintam que tenho uma preocupação extrema com eles.
Também joga futebol com a Kiara?
A Kiara não é muito de futebol, somos mais das pinturas, cantar, dançar e fazer teatro. Entro nas brincadeiras deles. O Bernardo sente-se bem é quando o pai vai ver um jogo, quando lhe dá na cabeça, porque sou exigente com ele. Temos de nos reeducar para termos as brincadeiras que eles têm hoje em dia e para que eles percebam que estamos a interagir com eles.
Os seus filhos já lhe ensinaram algo?
MS – Bastante. Para já ensinaram-me que é amor sem igual, eu às vezes explico a amigos meus que não são pais e eles não entendem. Só quem é pai e mãe percebe, é das melhores coisas do mundo. Um amor que às vezes é descontrolado por ser tão diferente daqueles amores que nós vivemos ao longo das nossas vidas. Depois, conseguiram dar-me mais alicerces naquilo que é a responsabilidade. Todos os dias estamos a aprender coisas novas.
2019 vai ser um grande ano, porque vai marcar o fim da sua carreira desportiva. Quais são os seus desejos e votos de ano novo?
MS – Os meus desejos têm principalmente a ver com saúde. Que toda a gente tenha saúde, que a minha família tenha saúde, não sou de bens materiais. Acho que os bens materiais sem saúde nada valem. Já tive ensinamentos desses em países onde fui com realidades em que se faz uma baliza apenas com um pedaço de madeira.
O que fazem na noite de Natal?
MS – O nosso Natal é com a família toda reunida, gostamos de dar atenção aos pormenores. Para além disso, sempre tivemos a tradição de ser minha mãe a fazer de Pai Natal, bater os tachos e nós escondermo-nos. O Bernardo e a Kiara já não acreditam no Pai Natal. Mas a tradição continua, neste caso vai ser o Bernardo a mascarar-se. Cada um tem uma especialidade na cozinha, dividimos as tarefas, acaba por ser uma prova de especialidades.
Tem alguma peripécia que tenha vivido nesta época?
MS – Tenho uma engraçada: há uns anos era um dos meus cunhados a tratar do peru. O peru era tão grande, gigante mesmo, que ele andou a ligar para toda a gente para ver quem é que tinha um forno que coubesse. Acabou por ser feito em pedaços em várias casas.
Lynn, como está a correr a experiencia da maternidade?
Lynn Saraiva – Está a ser maravilhoso, também ajuda o facto de ser uma bebé muito boa. Felizmente tive uma recuperação muito boa, tive um parto normal ótimo. Tive o pai presente que foi ótimo também. Faz toda a diferença ter apoio nestes momentos.
Sentiu alguma dificuldade?
LS – Para as mulheres é sempre complicado porque para além de todas as mudanças que existem na nossa vida, também sentimos mudanças a nível físico. Psicologicamente também é muito cansativo porque acabámos de sair de um parto e começam logo as nossas responsabilidades. Mas não é nada que não se ultrapasse desde que tenhamos uma pessoa ao lado que também nos ajude, que nos dê mimos, atenção e apoio. É muito importante sentir que temos alguém ao nosso lado que nos dá apoio, não só com a bebé, mas também para connosco para nos fazer sentir que estamos ali e que existimos e que não gira tudo à volta do bebé.
O Madjer definiu-se como um pai galinha
LS – Sem dúvida, eu tive uma gravidez maravilhosa graças a ele. E o pós-parto também tem sido uma recuperação ótima porque ele é o meu apoio.
Estão casados há dois anos, que planos fazem em conjunto?
LS – Passam pela família sobretudo. Nunca planeamos as coisas, deixamos que elas aconteçam.
É bailarina e coreografa. Tem projetos para regressar?
LS – Felizmente durante a gravidez consegui trabalhar até ao fim, estive a coreografar um musical da Federação que correu super bem. Agora tive de fazer uma pausa. Infelizmente nesta área não dá para fazer grandes planos, as coisas vão acontecendo momentaneamente. E quando aparece nós agarramos. Portanto estou a aguardar com calma, a desfrutar essa fase para voltar ao ativo quando me sentir pronta e surgirem as propostas.
Texto: Ricardina Batista; Fotografia: José Manuel Marques; Produção: Zita Lopes e Elisabete Guerreiro; Cabelo e Maquilhagem: Marta Cruz
Agradecimentos: Lisbon Country Villa, C&A, De Borla, El Corte Inglès, Ikea, Kiabi, Seaside, Springfield
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