Dela, diz-se que reinventou a cozinha tradicional portuguesa, ao dar novas roupagens a sabores esquecidos, do tempo das nossas avós. Modesta, diz que se limita a reduzir o sal e as gorduras, presentes em demasia na dieta mediterrânica, e a cozinhar com muito amor. Há mais de três décadas que, juntamente com o marido, José Nobre, dão nome a alguns dos mais afamados restaurantes que Lisboa teve, já expandiu o negócio, deu-se mal com as sociedades, perdeu tudo (“menos a dignidade”, como afirma) e começou de novo. Agora, está apostada em reinventar o tão português bitoque, acrescentando-lhe outros sabores e, até, feito de peixe. Conheça esta mulher de sucesso.
VIP – Qual o segredo por trás do seu êxito?
Justa Nobre – Trabalho. Muito trabalho, persistência, dedicação, muito amor naquilo que se faz e também uma boa equipa, porque sozinhos não vamos a lado nenhum. Nenhuma empresa funciona apenas com uma pessoa a comandar. As empresas só funcionam se as equipas forem boas e estiverem bem oleadas, todos em sintonia.
O que é para si cozinhar?
Cozinhar é a minha maneira de estar, de ser, de viver, de amar. Gosto mesmo é de cozinhar. Ainda um dia destes me perguntaram até quando eu ia cozinhar. Respondi: “Até sempre!”…
Como é que descobriu esta sua paixão?
Sempre me lembro de gostar de cozinhar, desde pequenina. Vinha da escola e a primeira coisa que fazia quando chegava a casa era destapar as panelas para ver o que é que se estava a cozinhar. Com nove anos, já migava caldo verde, já cozinhava um frango… Nas aldeias e, principalmente, nas famílias grandes é fácil nós gostarmos de cozinhar porque tínhamos de ajudar as mães. E demorava-se tempo a cozinhar, cozinhava-se a baixa temperatura, as mães deixavam a panela ao lume, iam à horta, enquanto ficava a cozer feijão ou a estufar uma carne…
Ao fim destes anos, continua a gostar mais de estar atrás do fogão, a manusear tachos e panelas, ou a gerir os seus restaurantes?
Gosto é dos tachos e das panelas. A vertente de empresária, de negócios, das contas, de fornecedores, é com o meu marido. Gosto de lhe dar dinheiro a ganhar; como eu sei que ele tem muito prazer e gosta de fazer aquilo que faz, de recomendar ao cliente os meus pratos, somos dois em um. Completamo-nos.
Diz-se que é responsável por reinventar a boa cozinha portuguesa; concorda com o epíteto?
Sim e tento fazer o meu melhor. A cozinha portuguesa não pode ser descaracterizada. O que é que eu lhe faço? Tiro-lhe alguma gordura, coloco menos sal… Também não vamos deixar de fazer a comida com sal, como é lógico, não estamos habituados a isso, nem sequer preparados; mas perfumo os pratos com mais ervas aromáticas. Não quero descaracterizar a cozinha portuguesa; se algum dia o fizer é sem intenção.
A cozinha lusa precisa de ser reinventada?
Não, isso é um trabalho constante. Não devemos parar porque há sempre coisas a redescobrir e a reinventar. Às vezes, lembro-me de pratos que já não como há 50 anos… É muito importante irmos às nossas memórias, pegarmos em pratos que as nossas avós faziam e reinventá-los, mostrá-los às outras pessoas, porque a nossa cozinha é boa. Mas não precisamos de estar só agarrados ao passado; temos os produtos, podemos criar os nossos pratos e ter uma cozinha portuguesa mais moderna, mais leve, com o sabor dos nossos produtos.
A vida de uma chef de cozinha é um pouco de escravidão, com horários pouco compatíveis com os rituais familiares; sente isso no dia-a-dia? Que espaço sobra para a vida familiar?
Temos uns horários um bocadinho complicados, mas e os médicos não têm? Os jornalistas não têm? Quem trabalha em saúde, transportes, em tantas empresas, não têm? Nós adaptamo-nos… No dia de folga gostamos de ir almoçar ou jantar fora, gostamos de estar com os netos, vamos passear, ao cinema. Naqueles dias em que toda a gente quer ir jantar fora (Páscoa, Natal, Dia dos Namorados…) é que é pior.
Como é a sua família?
Alguém da sua descendência tem propensão para continuar a tradição da cozinha? Temos um filho e três netos (a Mariana, de cinco anos, o Gabriel, de sete, e a Mónica, de dez). São o verde dos nossos olhos, somos completamente “babados” com eles. Somos muito ligados; trabalho muito e gosto de trabalhar, mas não esqueço os afetos, a família, e o meu filho e os meus netos são as pessoas mais importantes da minha vida. Os netos gostam muito de ir lá para casa e desafiar a avó para irem cozinhar, tipo queques, panquecas, que é o que eles gostam de fazer.
Veio para a capital, conheceu o seu marido e abriram o primeiro restaurante, o 33…
A minha aldeia é Vale de Prados, Macedo de Cavaleiros. O José é de Abrantes. Conhecemo-nos e casámos já há 39 anos. Na altura, trabalhava numa tipografia e o Nobre era empregado de escritório e como eu cozinhava bem, e estávamos acabadinhos de casar, desafiaram-nos para tomar conta de um restaurante…
José Nobre – O 33 abriu no dia 14 de agosto de 1978 e quando abrimos a porta estava completamente cheio. O que custou foi o primeiro dia, depois entrámos na rotina. Começámos com pratos muito simples e, a pouco e pouco, melhorámos a ementa. Justa – E foi assim, cresci à minha custa… Deram-me a oportunidade e aproveitei-a. Estivémos oito anos no 33, fomos abrir o Iate Ben a Carcavelos e depois o Constituinte. Após isso, é que abrimos o nosso primeiro Nobre, na Ajuda. O negócio cresceu e abriram mais restaurantes O Nobre…
Justa – Enquanto estivemos sozinhos, estava tudo muito bem; o problema são as sociedades. Já nos demos mal, perdemos tudo, menos a dignidade e começámos do zero novamente. Arriscámos sempre sem dinheiro, apenas com capital da banca ou da família e amigos; o nosso capital são os clientes. E para nós é uma alegria inultrapassável termos aqui clientes desde o 33.
Entretanto, o negócio cresce de vento em popa, com a abertura já há algum tempo do Bitoque no Ponto; esta ideia de colocar a tradição gastronómica de O Nobre em restaurantes de centro comercial está a resultar?
Justa – O Bitoque no Ponto não é um negócio meu, é um conceito que criei para um grupo empresarial. Pediram-me para criar um novo conceito de bitoques, criar as receitas, a imagem e dou assessoria. Está a resultar. Já viu que não se comia um bitoque em condições em centro comercial nenhum? Aqui, a carne é sempre grelhada na hora e criei cinco molhos diferentes, mas ligados à tradição (mostarda, lusitana, alho, café, lima) e temos ainda um bitoque de peito de frango, para pessoas que não comem carnes vermelhas. Há que dar alternativas para o cliente escolher. Temos também um hambúrguer, com os mesmos molhos do bitoque, e abrimos agora a nossa primeira loja de rua, na Parede. Neste último, já criei três bitoques de peixe (salmão, espadarte e atum), com molho à base de camarões.
Na cozinha, quais são as suas leis, o seu segredo para o sucesso?
Justa – Os ingredientes têm de ser frescos e nacionais e devemos ter muito cuidado com eles. Muita frescura… Essencial é que não falte o bom azeite, sempre transmontano. Bom peixe, boa carne, bons produtos portugueses… e depois tratá-los com muito amor.
Como encara o futuro deste país e, principalmente, do seu negócio?
Justa – Isso a Deus pertence… Está tudo de pernas para o ar e acho que vai haver grandes mudanças no mundo. Tem de haver…
Texto: Luís Peniche; Fotos: Luís Baltazar; Produção: Nucha; Cabelos e maquilhagem: Vanda Pimentel com Produtos Kioma e L´Oréal Professionnel
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