Nuno Azinheira (N.A.) – Hoje faz uma semana que te despediste do teu pai, no dia 14 de fevereiro.
José Gabriel Quaresma (J.G.Q.) – No dia do amor.
N.A. – Dois dias depois de o teu pai partir, liguei-te para saber como estavas. E tu disseste-me: “Estou feliz”. Como é possível?
J.G.Q. – [pausa] É possível, porque nós definimos uma estratégia, que, por muito frio que pareça, foi: quando o momento estivesse para chegar, e nós já o estávamos a preparar há uns meses, cada um fazia a sua parte. Eles agarravam-se uns aos outros e apoiavam-se, e eu tratava de tudo o resto. E tudo terminou exatamente como nós planeámos. Terminou na gala da TVI, o último tributo. Hoje, na altura em que estamos a falar, estou muito, muito mais feliz.
N.A. – Porquê?
J.G.Q. – Porque ontem fomos buscar as cinzas do meu pai. Sempre tive uma ideia tétrica das cinzas. E, quando me deram o jarro, voltei a abraçar, literalmente, o meu pai. Foi tão bom, tão bom, tão bom [pausa]. Depois, chegámos a casa e a minha mãe mexeu nas cinzas. Pensava que as cinzas eram pretas, mas são brancas. E o meu irmão disse que cheiravam ao meu pai. A minha mãe, quando meteu as mãos na cinza para lhe tocar, o meu irmão disse-me que ela estava feliz. Ele voltou a casa.
N.A. – Como é que nos preparamos para a morte dos que amamos?
J.G.Q. – Há quatro meses, quando o meu pai entrou no hospital com zero pulsação, um médico, de 31 anos, com apenas um ano de carreira, conseguiu estabilizá-lo. Porque o mieloma é uma doença covarde. Foi o sangue que deu cabo de tudo, porque os órgãos funcionavam todos. Esse médico viu o meu pai ali e a minha mãe ao lado, preocupada. E foi ter com ela e perguntou-lhe: “A senhora está bem?”. E ela: “Não. O meu marido está a morrer. Não estou muito bem”. E, a partir daquele momento, ele nunca mais a largou. E, a partir do momento em que nunca mais largou a minha mãe, nunca mais me largou a mim e ao meu pai. Então, há três meses, quando teve uma conversa comigo e com a minha mãe, que durou quatro horas, a explicar em rigor como é que o meu pai ia fazer a viagem, como é que tudo se ia processar, tudo se processou exatamente assim.
N.A. – Estavas a trabalhar quando a hora chegou.
J.G.Q. – [pausa] Estava a entrevistar o major-general Agostinho Costa, na CNN Portugal, quando recebo uma mensagem da minha mãe a dizer: “O pai está em dificuldades”. O Luís Salvador [realizador do jornal] perguntou-me ao auricular se queria ir embora. Disse que não. Quando terminei, vim para casa e estive a conversar com a minha mãe e o meu irmão. O meu pai estava prostrado. E, passado um bocado, sentei-me ao pé dele e comecei a meter-me com ele. A minha mãe veio medir-lhe a tensão, e ele começou a brincar com ela do nada. E eu perguntei-lhe: “Como é que há meia hora estavas prostrado, e agora estás assim?”. Ele levantou-se, como se não fosse nada com ele, e disse: “É a alegria”. E voltou a deitar-se. Vim para casa e, menos de uma hora depois, liga-me o meu irmão a chorar, e a dizer: “Mano, anda. Chegou a hora. Tivemos de dar o comprimido ao pai”.
Leia a entrevista completa na edição da Nova Gente que já está nas bancas.
Texto: Nuno Azinheira; Fotos: D.R.
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