Joana Amaral Dias
“Podes ser um objeto sexual se fores atriz, mas não podes comportar-te como tal se fores escritora”

Nacional

A ex-deputada Joana Amaral Dias, de 44 anos, abre o livro da sua vida e reforça a sua luta contra o fim dos estereótipos que (ainda) recaem sobre as mulheres

Sáb, 02/11/2019 - 16:24

Descomplexada, rebelde e inconformada. Foi assim que se apresentou Joana Amaral Dias, de 44 anos, durante a entrevista que deu à VIP. Uma verdadeira mulher dos sete ofícios. Joana, que é psicóloga clínica, ativista e política, escritora e ainda comentadora, conjuga toda esta azáfama profissional com o seu lado familiar. É mãe de Vicente, de 24 anos, e Luz, de três, e afirma, em tom de brincadeira, que por esta hora já podia ser “a avó mais sexy de Portugal”. Depois de ter lançado cinco livros, a psicóloga garante que em abril terá uma nova obra, onde vai expor “um segredo da sociedade portuguesa”. 

VIP – Estudou psicologia, mas acabou por se tornar conhecida através da política. Como é que começa essa aventura?
Joana Amaral Dias – Começa com a psicologia porque quando eu chego à faculdade, e entro em psicologia, tinha 19 anos e comecei a fazer logo trabalho voluntário na rua, com malta que estava mesmo à margem do sistema. Sem-abrigo, prostitutas de rua, toxicodependentes de longo curso, ou seja, a trabalhar mesmo com o fim da linha. Isso juntava a psicologia com uma parte de ativismo social, que sempre tive. Entretanto, fundei uma associação que chegou a ser muito grande ali na região Centro. No meio disso tudo, passados dois ou três anos, já eu estava muito ligada aos movimentos sociais, surgiu o Bloco de Esquerda. Depois, a passagem foi muito natural, porque eu já fazia isso. 

No Bloco de Esquerda, conseguiu ainda exercer as funções de deputada na Assembleia da República. Como foi?
Aprendi muito. O trabalho de deputado é um trabalho que tem uma grande base jurídica, que não é a minha, portanto, foi uma espécie de curso intensivo, que foi muito útil para a minha vida enquanto ativista e como cidadã. Gostei muito. Não sei se gostaria de lá voltar só por si.

Ia perguntar-lhe isso. 
Se me pergunta se tenho saudades, não, porque eu gosto muito de descobrir coisas novas e tenho abraçado outros projetos. Mas, realmente, foi muito importante na minha vida, foi uma fase ótima da qual eu guardo excelentes recordações. Recordações boas, mas não nostálgicas. 

Quantos anos esteve, ao todo, no Bloco de Esquerda?
Ativa, ativa, no Bloco, para aí uns seis. Depois desliguei-me do Bloco e acabei por pedir a saída da militância [em 2014], mas, na verdade, há quase dez anos que eu não estava lá. 

As coisas começaram a correr mal dentro do Bloco devido às aproximações ao PS?
Eu nunca tive nenhuma aproximação ao PS, antes pelo contrário. Sempre rejeitei os convites do PS. Mas, em 2006, eu fui mandatária para a juventude da última campanha do Mário Soares e isso não é do PS, as presidenciais são acima, são campanhas unipessoais. 

Mas não caiu bem no seio do partido?
Não caiu nada bem e foi aí que começou a divergência e, retrospetivamente, acho que era aquilo que devia ter sido feito, apoiar uma candidatura única que pudesse aglutinar uma série de forças, nomeadamente de esquerda. 

Que até acabou por acontecer…
Para puxar dos meus galões, acho que o tempo me deu razão. Mas tudo bem, foi o que foi e ainda bem que assim foi, porque eu também não me identifico com o Bloco de Esquerda de hoje em dia. Não me identifico com a estratégia, com muitas das suas ideias… 

O que mudou assim tanto no seio do Bloco?
Mudou tudo. Não me identifico, nomeadamente, com o apoio que o Bloco de Esquerda deu ao governo do PS, este que termina agora. Agora já não vai haver outra vez a geringonça, mas na verdade isso aconteceu. Não concordo, porque acabou por fazer uma política que é contra os interesses das populações e, lá está, dos mais frágeis, que sempre foi aquilo que me interessou. 

Mas com isso, o Bloco não saiu fortalecido das eleições legislativas?
Não, não. Perdeu votos. O Bloco não saiu fortalecido, não perdeu tantos votos como o Partido Comunista, mas perdeu. E, além disso, perdeu um outro capital que era importante, que era a minha base de identificação ao Bloco de Esquerda, perdeu o seu capital de contestatário. Mais rebeldia, isso sempre foi e ainda é aquilo que me interessa. 

A tal rebeldia…
Acho que vou ser rebelde até ser velha caquética. Portanto, como o Bloco perdeu isso… é mais na essência que eu não me identifico com o Bloco.  
Depois do Bloco, esteve no Juntos Podemos, formou o grupo político Agir e, mais tarde, candidatou-se à Câmara de Lisboa pelo partido Nós, Cidadãos, que é um partido mais à direita do que até então…
Hum… É um partido de cidadania. 

Se a Joana não acredita em partidos, acredita em quê?
Não é que não acredite em partidos, atenção. Eu acho que, até agora, não se inventou melhor que a roda e é o que temos, é o que há. Eu não acredito é nestes partidos que têm estado no sistema. Nem eu nem 51 por cento dos portugueses – 51,4 por cento, que é a abstenção. Não me sinto sozinha. É uma desgraça, eu acho que neste momento vivemos na pós-democracia. A democracia acabou a partir do momento em que se passou a fasquia de que metade das pessoas não votam. Acho que até a estas legislativas podíamos dizer que estávamos numa democracia num regime decadente, agora estamos na pós-democracia, é oficial. Não me sinto sozinha neste caminho. 

Que ilações os políticos portugueses devem retirar destas eleições em geral e da taxa de abstenção em específico?
Não vão tirar nenhumas. Esse é que é o problema. Se reparar, no domingo eleitoral, normalmente desatam a chorar a abstenção e depois, na segunda-feira, já se esqueceram e não acontece nada. Nem uma campanha contra a abstenção, não há nenhuma tentativa de diminuir este fosso eleitoral entre os eleitores e os eleitos. Há uma série de fatores que toda a gente sabe que contribuem para a abstenção, como a corrupção, o não cumprimento das promessas políticas, portanto, os políticos não vão fazer nada. 

Arrepende-se do caminho que trilhou, de saltar de partido em partido? Hoje, já poderia ser um dos rostos mais relevantes do Bloco de Esquerda.
Não, prefiro não prescindir de nenhum valor. Durmo muito bem à noite. Sou muito conhecida, não sinto essa necessidade de ter uma rampa de lançamento. Não me arrependo, tem sido um processo de aprendizagem, é o meu caminho. 

Há hoje muitos políticos que usam a política para lançar as suas carreiras?
Bom, sobretudo a nível de negócios. Há muitos políticos que usam essa plataforma que é a vida partidária para depois irem para a esfera empresarial e fazerem grandes negociatas com o Estado. Isso é altamente reprovável. Quando as pessoas vingam pelo seu talento e pelas suas capacidades, nada a objetar. Quando as pessoas vingam pelo tráfico de influências, por listas de contactos, etc., isso é que é um problema na política portuguesa. 

Fazem-se amigos em política?
Eu fiz. Eu tenho muitos amigos e diferentes, mais de direita, mais de esquerda. Depende da capacidade que as pessoas têm de encaixar críticas. 

Li que a Joana era das políticas mais influentes do Twitter em Portugal. Hoje, é cada vez mais influente no Instagram. Como é que é gerir esta nova forma de comunicar?
Dá-me muito trabalho e eu tenho sido pressionada por familiares e colegas a entregar a gestão das minhas redes sociais, que já atingiram um certo volume. Tenho resistido a profissionalizar essa gestão, porque depois perco um certo contacto, e eu adoro o contacto com as pessoas.

São duas Joanas distintas de uma plataforma para a outra. 
Tem que ser. É o que me faz sentido. No Twitter e no Facebook é mais profissional, na parte de psicologia, dos livros, da política, e no Instagram vou pondo coisas pessoais, até porque a própria rede também se presta a isso. Eu, até a um certo limite, não tenho nenhum problema em falar da minha vida privada, nunca tive. Admito e respeito quem tenha, mas eu não tenho problemas em colocar uma fotografia em biquíni na praia. 

Mas isso, por exemplo, gera muitas polémicas, muitos comentários e muitas notícias. Os portugueses não conheciam esse seu lado?
Eu acho que o problema é: as pessoas não têm questão nenhuma… se for uma atriz, se for uma modelo a pôr uma fotografia de biquíni ou com uma roupa mais ousada. Nem pessoas mais ditas da alta cultura, nem pessoas ditas da baixa cultura têm problema com isso, mas se for uma mulher que não é da área do espetáculo, mas é escritora, mas é ativista política, etc., já acham isso um escândalo. Tem a ver com os papéis da mulher, que ainda estão muito estereotipados. Podes ser um objeto sexual se fores atriz, mas não podes comportar-te como um objeto sexual se fores escritora, por exemplo. Acho que tem a ver com esses estereótipos, os quais eu combato. 

Mas não chateia?
Não. Dá-me imensa pica. Lá está, por isso é que eu já não sou do Bloco de Esquerda. Acho imensa piada quando ponho uma fotografia com uma minissaia ou um biquíni, há logo uma escandaleira, e eu pergunto como é que é possível num país europeu no século XXI ser um problema uma gaja de biquíni. O António Costa dá entrevistas sobre a greve dos motoristas, de fato de banho, na praia do Algarve, isso não é um problema. O Marcelo Rebelo de Sousa dá entrevistas nas praias fluviais, a propósito dos incêndios, todo descascado, e também não é um problema. Mas uma gaja estar de biquíni já um problema. Não pode ser. Quanto mais criticarem, mais eu vou fazer. Porque percebo que ainda existe esse preconceito. 

É difícil ser-se mulher na política?
É. É difícil ser-se mulher no geral. 

E uma mulher bonita?
É um pau de dois bicos. A beleza é sempre um pau de dois bicos. Se és bonita é porque és bonita, se és feia é porque és feia, ou nenhuma das coisas. Estás sempre lixada. És preso por ter cão, preso por não ter cão e preso por ter cão preso.

A Joana casou e foi mãe muito nova. Como é que isso mudou a sua vida?
Mudou radicalmente. Eu era muito nova e era a melhor aluna do curso. Para continuar a manter esse nível de performance e ser mãe, tive de passar a ser ultraorganizada, a fazer uma gestão criteriosa do meu tempo, a ter tudo organizado em casa, a não perder tempo com futilidades. Acho que isso foi um bom remate para a formação da minha personalidade. A personalidade acaba de se formar ali, aos 21, 22 anos. Acabei por fazer o resto do meu crescimento com um filho. 

Foi uma escolha?
Foi uma escolha. Eu queria muito ter um bebé e as pessoas diziam-me ‘ai, nunca vais fazer nada na vida’, ‘vais ser um flop’, ‘um bebé no meio da faculdade…’ Mas eu queria e ainda bem que foi, porque foi espetacular. Hoje em dia, tenho um filho que vai fazer 24 anos, maravilhoso, espetacular, um grande companheirão, um miúdo com cabeça, superquerido. Já podia ser avó. Costumo brincar e dizer que podia ser a avó mais sexy de Portugal.

Foi mãe recentemente de Luz. A mãe que era aos 21 anos é diferente da mãe que é hoje?
Não é completamente, mas há coisas que mudaram. Eu, com o Vicente, era mais exigente, era mais rígida. Agora, sou um bocadinho menos rígida. Por outro lado, com o Vicente tinha um bocado mais de paciência para brincadeira e parvoeira, agora tenho um bocadinho menos. 

Como é que o Vicente lida quando a mãe está constantemente a receber piropos?
Agora, lida mais ou menos. Houve ali uma altura que foi difícil para ele. Tivemos cenas muito cómicas. Ele é um miúdo alto e bem-parecido e, às vezes, parece mais velho. Agora, quando eu estava grávida da Luz, tivemos situações em que as pessoas lhe diziam: ‘Então, parabéns ao pai’ e ele ficava vermelho de raiva. Tivemos outras situações cómicas. Lembro-me que, quando ele tinha nove anos, disse-me: ‘Mãe, hoje, quando me vieres buscar à escola, não venhas de minissaia’, porque depois os colegas mais velhos mandavam bocas.

Foi mãe juntamente com o Pedro Pinto. Ele é ciumento?
O Pedro não é ciumento, é por isso que eu fiquei com ele. Costumo brincar e dizer: ‘Finalmente encontrei um homem que não é ciumento.’ Também não podia ser… Uma pessoa tem exposição pública e acontecem estas coisas, fãs, às vezes até stalkers, não é compatível. 

Os homens têm medo de mulheres fortes e assertivas?
Alguns, nem todos. O Pedro, por exemplo, não tem. 

A Joana disse, numa entrevista na RFM, que recebe muitos nudes e mensagens…
E dickpics, sobretudo dickpics. Ainda ontem recebi uma porrada delas, do nada. 

Ameaçou expor isso.
Temos um problema, porque as redes sociais censuram essas fotos se não for em mensagem privada. Em Inglaterra, por exemplo, está a estudar-se a questão da criminalização disso, porque isso é uma forma de assédio. Não podes mandar nudes a outra pessoa, não tens o direito de fazer isso. 

A Joana já fez cinco livros, qualquer dia já dá para fazer outro.
(Risos.) Prometo que o próximo não é sobre dickpics. 

Fez o Maníacos de Qualidade, foi o primeiro, e agora o Psicopatas Portugueses. Há aqui alguma obsessão por loucos?

É a minha área. Sou psicóloga clínica, exerço nessa área. Eu faço muita crónica criminal, muita psicologia forense, e a certa altura dei conta de que não havia nenhum livro escrito por um psicólogo nesta área. Foi assim que surgiu essa ideia. Tem feito supersucesso. 

A Joana é psicóloga, escreve, é política, comenta futebol, política, cinema. O que é que não faz?
Não apanho bebedeiras, não perco tempo com estupidezes…

Mas também promove o Brunch Electronik.
Sim, gosto muito de dançar e gosto de beber uma cerveja. Mas não perco tempo com parvoeiras ou conflitos desnecessários. Não perco tempo com futilidades. Todo o tempo que tenho é para a minha família, trabalho e desporto. E, de vez em quando, vou ao cinema, vou a uma festa…  

Texto: Tiago Miguel Simões; Fotos: José Manuel Marques; Produção: Zita Lopes 
   

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