Joacine Katar Moreira:
«Ainda estou a usufruir do mediatismo da minha gaguez»

Nacional

Joacine Katar Moreira é uma das novas deputas do hemiciclo e, esta quinta-feira, dia 10 de outubro, esteve n’O Programa da Cristina a falar sobre a sua vida e sobre a gaguez que tanto a distingue.

Qui, 10/10/2019 - 16:00

A mais velha de sete irmãos, Joacine Katar Moreira veio para Portugal ainda jovem após ser criada pela avó. A gaguez nunca a impediu de «falar pelos cotovelos» e quase nunca deixou nada por dizer.

Joacine é a deputada gaga de que todos falam. No dia 6 de outubro, foi eleita deputada do Livre nas eleições legislativas e estará a representar o partido na Assembleia de República. Esta quinta-feira, foi convidada de Cristina Ferreira e falou sobre a gaguez e todos os preconceitos que esta perturbação da fluência da fala lhe traz.

«Eu gaguejo, obviamente que sim. Há épocas em que vou gaguejar menos e há épocas em que vou gaguejar imenso. Há alturas em que estou ótima, há alturas em que não. Olho para mim e aceitando-me e, especialmente, não escondendo isso. É algo que, em vez de andarem com imensas teorias, devem olhar e respeitar-me. As pessoas têm de assumir as suas fragilidades», começa por afirmar. 

Mãe de uma menina de três anos, chamada Anaís, Joacine confessa que só na altura da faculdade e no início da carreira é que começou a perceber que a gaguez lhe iria trazer alguns obstáculos. 

«Houve ali uma época em que eu comecei a compreender que iriam usar a minha gaguez para impedir que eu aumentasse, fosse contratada e alcançasse mais. Foi uma época de uma inibição», explica. 

Antes de entrar na idade adulta, apresentava as festas da escola com toda a confiança. Porém, o preconceito da sociedade acabou por lhe bater à porta. «Há uma época em que iniciamos a consciência em que a sociedade é completamente implacável. Não desculpam nada.»

«Há indivíduos das elites a dizer que não estou apta para trabalhar»

A deputada explica que, agora eleita, pessoalmente todos as respeitam e admiram. No entanto, o mundo da Internet pode ser cruel. «Nunca houve ninguém que eu tivesse interpretado que não fosse incentivar e informar que eu sou uma inspiração enorme. Online é outra coisa. Online é só ódio. Há indivíduos inclusive das elites a dizer que não estou apta para trabalhar. Isto é afirmado com uma ligeireza e é algo que é absolutamente sintomático.»

Joacine Katar Moreira já pensou em fazer terapia e tinha noção de que esta perturbação iria dificultar na candidatura.  

«Eu não olho para isto de maneira romantizada. Não é do tipo: ‘Eu gaguejo portanto é ir’. Não. É óbvio que isto iria originar imensas teorias. Afinal, o que é que é a gaguez? Há uma obstrução de dizer que a ‘a mim me afete ouvi-la’. Tudo bem, mas eu assumo as minhas ansiedades e a minha insegurança para efetuar uma candidatura às eleições nacionais. Se eu estou a resolver isto, a senhora ou o senhor têm de resolver a sua parte», afirma, orgulhosa. 

Perante os comentários e os vídeos que a mostram sem gaguejar, Joacine revela que não é algo que escolha fazer ou não fazer. Simplesmente há momentos em que acontece mais do que outros.

«Ainda estou a usufruir do mediatismo da minha gaguez»

«Mas alguém ia dizer a alguém que a pessoa ia fechar os olhos e fazer isto a falar? Como se a gaguez melhorasse a minha existência… Há terapias e ironicamente este mês é o mês internacional da gaguez. É ótimo estar aqui hoje a falar da gaguez», comenta. 

Acima de tudo, a deputada insistiu a passar a mensagem de que a sociedade tem de ser educada para aceitar as diferenças. «É necessário nós educarmos os indivíduos: ninguém é melhor do que ninguém. Ninguém está abaixo ou acima de que ninguém. É a economia e os ordenados que nos estão a identificar.»

Quando chega a hora de passar uma mensagem que considera essencial, a gaguez fica em segundo o plano. É nessa altura que o coração fala mais alto e a perturbação fica em segundo plano. «Eu na Assembleia vou estar assim o dia todo, não gaguejo o dia todo», diz, confiante das suas futuras participações. 

As terapias serão algo a ver no futuro. «É uma época em que ainda estou a usufruir do mediatismo da minha gaguez (risos). E depois logo vejo», responde quando Cristina Ferreira lhe colocou a hipótese. 

A filha de três anos «está habituadíssima» à gaguez da mãe. «A minha filha e as amigas da minha menina olham normalmente. Eu digo ‘façam, levantem, vão’ e elas fazem.»

E está confirmado que a cantar não gagueja. «Eu não vou cantar, às vezes, canto muito bem», conta, de sorriso no rosto. 

A polémica da bandeira da Guiné

No dia da eleições legislativas, uma imagem de Joacine Katar Moreira com uma bandeira da Guiné, país natal da deputada, começou a circular na Internet com um role de comentários negativos. Muitos foram os portugueses que criticaram esta atitude, dizendo que devia estar com uma bandeira de Portugal.

N’O Programa da Cristina, a líder do partido Livre esclareceu: «Eu não usei a bandeira da Guiné, foram apoiantes de origem guineenses que levaram a bandeira do meu país natal. Eu não vejo mal nenhum em estar lá a bandeira do meu país. É o meu cordão umbilical. É onde eu nasci. Eu não existiria se não existisse um país». 

Quando veio da Guiné para Portugal, Joacine ficou no colégio interno Casa Mãe do Gradil, que coincidentemente é perto da casa de Cristina Ferreira e a apresentadora apadrinhou-o.  «Fica a dez quilómetros da minha casa. Sou uma espécie de madrinha», diz a estrela da SIC.

Do colégio foi para a Escola Gago Coutinho, em Alverca. Lá ganhou a alcunha de «tchini», foi delegada de turma e resolvia a vida de todos os que a rodeavam. As duas amigas que ganhou na adolescência também estiveram em estúdio e confirmaram: «A Joacine já se destacava na altura».

«Eu era delegada de turma. E eu é que ia encontrar-me com os professores a justificar as faltas dos colegas», continua. Mulher de armas, Joacine Katar Moreira «trabalhou a vida inteira para estudar». «Eu é que me incuti a responsabilidade de me auxiliar», termina. 

Texto: Mariana de Almeida; Fotos: Reprodução Instagram

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