Cristina Ferreira recebeu a visita de Isaltino Morais na sua casa televisiva. O Presidente da Câmara de Oeiras, que em 2013 e 2014 esteve preso por corrupção passiva, fraude fiscal, branqueamento de capitais e abuso de poder antes de ser novamente reeleito para o cargo, começou por contar que a cozinha é a sua «terapia».
«Faço com frequência almoços para 700 pessoas. […] aprendi com o meu pai […] Eu cozinho todos os fins de semana. A minha mulher está agora a aprender a cozinhar. O cozinheiro sou eu», explica.
Depois, Isaltino Morais recorda a infância e a guerra colonial, assim como o momento mais triste da sua vida. O político era ainda «muito novo» quando perdeu o pai e a mãe. «Tinha 14 anos do meu pai e 18 da minha mãe. Eu senti fortemente [a morte do pai] porque havia constrangimentos de natureza financeira. Estudava em Bragança, a 107 quilómetros de Mirandela. Para eu estudar, a minha mãe ia vendendo olivais… Mas foi na tropa que senti fortemente a falta dos meus pais… felizmente eu até tinha dinheiro, mas eu não recebia cartas de ninguém, sentia uma solidão. Todos recebiam cartas e eu não recebia», conta.
A guerra e o início na política
Sobre experiência de guerra, em Angola, Isaltino Morais não tem traumas, porque garante ter vivido bons momentos. «Foram dos melhores da minha vida, havia uma proximidade extraordinária, naquela fase em Angola não havia muito perigo…»
A entrevista continuou com Isaltino a falar de como é que a política entrou na sua vida. «O primeiro político que ouvi falar foi do Adriano Moreira, tinha sido ministro do Ultramar e na altura da guerra zangou-se com o Salazar… o meu pai conhecia-o bem […] depois em 71 estava na guerra Colonial e havia a Ala Liberal, foi quando se deu o meu primeiro contacto com a política», revela. «Eu recebia uma revista que era a Seara Nova. Gostava de ler, mas não tinha noção que era uma revista para a época de esquerda. Gostava de ler uns artigos e na Seara Nova vinham alguns textos, designadamente do Sá Carneiro. Houve uma intervenção do Sá Carneiro que nunca mais esqueci. Quando se dá o 25 de Abril eu aderi imediatamente ao PPD», explica.
«Tive mágoas com gente do PSD, com o PSD nunca»
«Hoje sou social-democrata. Mas sou mesmo social-democrata, sou pela distribuição justa da riqueza», garante, dizendo não ter mágoas com o partido de Rui Rio [que não apoiou a sua recandidatura à câmara depois da condenação]. «Não há magoa. Nunca tive. Tive mágoas com gente do PSD, com o PSD nunca. Sou social-democrata, sou pela distribuição da riqueza, por um intervenção social junto das pessoas […] eu não sou de direita, há coisas boas nos partidos de direita e coisas boas nos partidos de esquerda».
Isaltino Morais recorda que durante o Governo de Pedro Passos Coelho não se identificou com as políticas do partido. «Porque se a direita é cortar pensões, baixar salários, cortar na saúde e na educação.. Aí eu não sou de direita. Perguntem a um pobre se o Serviço Nacional de Saúde faz falta ou não? Se as escolas públicas fazem falta ou não? O que eu vi é que era tudo privatizado…» , refere.
«Os cidadãos de Oeiras são inteligentes»
Cristina Ferreira pergunta a Isaltino o que o fez ganhar tantas vezes as eleições e ser eleito «mesmo depois de ser preso e cumprir pena». O Presidente da Câmara de Oeiras não tem dúvidas: os eleitores sabem em quem estão a votar. «É da inteligência dos cidadãos de Oeiras, que são inteligentes, porque votam em quem consideram que lhes resolve mais problemas. Tinha a certeza que ia ser eleito, porque bastava andar na rua…» Segredo? «Primeiro muito trabalho, nada se consegue sem trabalho, muita dedicação, muito vestir a camisola, muita compreensão pelos problemas das pessoas».
A sombra da prisão
Cristina Ferreira frisa, no entanto, que haverá sempre «uma sombra no percurso» do político devido aos 14 meses em que esteve a cumprir pena. Mas Isaltino Morais é rápido a responder que a prisão o tornou num homem mais rico emocionalmente. «Há [sempre uma sombra], está sempre presente até à minha morte, mas o que é importante é que há pessoas que quando tem uma provação na vida entram em depressão, revoltam-se, dizem mal de toda a gente… a mim fez-me bem, todas as provações me fazem bem, enriquecem-nos, seja a prisão, seja uma doença gravíssima, seja a perda de um amigo… tudo o que sejam provações na nossa vida e que nó nos propomos ultrapassar enriquece-nos sempre». Isaltino diz não alimentar a revolta, mas fala em injustiças. «O sistema prisional é massificador, é destruidor das pessoas, não me destruiu porque eu resisti».
A prisão foi particularmente difícil para o filho mais novo de Isaltino, que teve de ir visitar o pai ao estabelecimento prisional. «É preciso ter muita força e fé, vamos buscar forças mais recônditas, eu fazia muita leitura religiosa, porque são essas leituras que nos dão mais força e crença».
A 24 de junho de 2014, Isaltino Morais abandonou o estabelecimento prisional ao fim de 14 meses de reclusão. Mais magro, segurava apenas um saco preto com alguns pertences. Que homem era Isaltino no dia em que voltou à liberdade? «Eu, o autêntico Isaltino. O saco preto na mão era o que traziam todos os presos, estive numa cela com mais quatro presos […] seis meses depois de estar preso quiseram colocar-me numa cela individual, mas não aceitei, porque a prisão não é só privação de liberdade, é privação de muitos outros direitos: de ler, de falar com a família, de ter acesso a advogados… Em Portugal os políticos não querem saber das prisões», lamenta.
Os amigos da prisão
Isaltino conviveu com violadores, pedófilos e condenados por outros crimes. Mas foi na prisão fez amigos, que ainda visita. «Constrói-se relações de amizade e respeitoso, de gratidão. Eu construi relações de amizade e gratidão por uma razão: quem me respeitou mais lá dentro foram os presos. Senti que os presos tinham um respeito enorme por mim, eu senti isso no primeiro dia que fui ao pátio. Fui bem tratado por todos, o que não acontecia com outros reclusos. Eu fazia exercício todos os dias, duas horas», conta. Cá fora quem mais sofria era a família. «Lá dentro sofre-se duplamente, sofre-se por não poder ajudar (os que ficaram cá fora)», explica.
«A minha família reconhece a minha seriedade»
A família nunca sentiu vergonha de Isaltino: «Muito pelo contrário. O meu filho mais novo sentia revolta pela situação toda, mas a minha família sabe quem eu sou, sabe a vida que eu faço… sabem as facilidades que lhe posso dar, sabem a vida que têm e sabem que nunca beneficiaram do facto de eu ser presidente da câmara. Sabendo disso reconhecem a minha seriedade».
E como é que deve ser um presidente da Câmara? «É alguém que se preocupa com as pessoas, que honestamente procura compreender aquilo que é necessário para as pessoas: não é aquilo que elas querem, é o que é necessário. Isto implica sensibilidade, implica querer proteger, já vi políticos que fazem um sacrifício enorme quando dão um abraço… dá para topar, o limpar a cara e tal… eu dou beijos e abraços a toda a gente: homens, mulheres de qualquer idade, doentes, saudáveis, porque sinto que as pessoas querem um abraço. Um presidente de câmara tem de fazer obra e isso é importante. Mas depois há uma dimensão de natureza afetiva, que há quem diga que o nosso Presidente da República explora muito bem. As pessoas precisam de afeto, precisam de abraços… as pessoas de mais idade não têm afeto», frisa.
A entrevista terminou com Isaltino Morais a desejar sucesso para a carreira política de Cristina Ferreira, que recentemente colocou a hipótese de um dia ainda se vir a candidatar a Presidente da República. «Sucesso para si na política», atirou o autarca. «O que foi dizer! Adeus, Adeus», despede-se Cristina Ferreira.
Texto: Ricardina Batista; Fotos: Reprodução redes sociais
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