O Dr. Fernando Mesquita, Psicólogo Clínico/Sexólogo explica os caminhos não lineares da identidade de género e ‘desmistifica’ os conceitos que se confundem e fundem muitas vezes.
O debate em torno do conceito de “género” tem conquistado cada vez mais destaque, captando a atenção de vários setores da sociedade. No entanto, muitas pessoas desconhecem o significado deste termo e como se diferencia do conceito de sexo. Sabendo que a raiz do preconceito e da discriminação muitas vezes reside na falta de informação ou no medo do desconhecido, é importante esclarecer o que é a Identidade de Género e por que nem sempre segue um caminho linear.
Tudo começa antes da própria conceção
As expectativas em relação ao género começam a ser moldadas no momento da conceção. Perante a confirmação de uma gravidez, os futuros pais especulam se terão um “menino” ou uma “menina” e preparam-se de acordo com as suas expectativas. Compram roupas predominantemente azuis e brinquedos de carros e bonecos de super-heróis, para os “rapazes”. Se forem “raparigas” compram roupas cor-de-rosa e bonecas e roupinhas como brinquedos. No nascimento, de acordo com os genitais, é “oficializado” um género
Com base nos órgãos genitais é atribuído um género à criança acabada de nascer – “Homem” se tiver um pénis; “Mulher” se tiver uma vulva. No entanto, existem diversas variações cromossómicas, hormonais ou anatómicas que podem dificultar esta atribuição ou torná-la incorreta, como no caso das pessoas intersexuais. Porém, não devemos confundir Identidade de Género e Intersexualidade, pois são conceitos distintos embora não sejam mutuamente exclusivos.
Após a “oficialização” do género da criança, os pais atribuem-lhe um nome, como José, Pedro, Paulo ou Carlos, se tiver um pénis, ou Maria, Ana, Paula, Rita, se tiver vulva. Para além do nome, estas crianças tendem a ser “moldadas” de acordo com o seu género na convivência com os pais, educadores e pessoas próximas, através de brincadeiras, conversas e formas de educação. Em contrapartida, “espera-se” que desempenhem um papel correspondente ao seu género ao longo do seu desenvolvimento.
A sociedade espera determinado papel face ao género da pessoa
Aos homens é atribuído um papel mais racional, independente, agressivo e dominante, bem como o uso de certo tipo de roupas e interesses, como gostar de carros e futebol. Às mulheres é atribuído um papel mais sensível, emocional e empático, assim como determinadas roupas, maquilhagem e gostos, como as artes e desejo de serem mães. As pessoas que não se identificam com esta diferenciação cristalizada de género associada ao sexo atribuído à nascença são consideradas não-binárias e incluem uma variedade de identidades de género, como agénero, género fluido, entre outras.
Se este tema ainda lhe parece estranho, recorde-se que determinadas profissões já estiveram mais associadas a certos géneros. Por exemplo, a construção civil e as forças armadas ou de segurança estavam associadas a homens, enquanto a enfermagem e a educação de infância estavam associadas às mulheres. Felizmente, hoje vemos uma menor diferenciação profissional com base no género, embora ainda se verifiquem desigualdades na sua remuneração.
Identidade de Género é diferente de Orientação Sexual
Outra confusão frequente em termos de conceitos está entre a Identidade de Género e a Orientação Sexual. Muitas pessoas confundem estes conceitos, mas uma pessoa não-binária pode sentir atração sexual por pessoas do mesmo sexo, do sexo oposto ou por outras pessoas não binárias. Ou seja, uma coisa é o género com que uma pessoa se identifica (Identidade de Género), outra é o tipo de pessoas por quem sente atração erótica, emocional e/ou sexual (Orientação Sexual).
Alguns desafios que as pessoas não binárias têm de enfrentar
Embora o comming out de alguém com Identidade de Género não binária possa ser vivido como uma sensação libertadora e de empoderamento, muitas vezes é um verdadeiro desafio, devido ao estigma social e à discriminação que podem gerar problemas de ansiedade e depressão. A tudo isto acresce o medo de rejeição por parte de amigos e familiares. É um preço elevado para quem deseja apenas uma maior conexão consigo mesmas e com os outros!
Para promover uma sociedade mais justa e inclusiva, é fundamental educar e sensibilizar as pessoas sobre a diversidade de Identidade de Género e a importância do respeito e aceitação.
Concluindo
Devemos usar o termo “sexo” quando nos queremos referir a características biológicas, anatómicas e fisionómicas da própria pessoa. O termo “género” é muito mais vasto, pois engloba uma série de identidades, papeis sociais e expressões culturais associadas ao masculino e ao feminino hierarquizados numa determinada época e sociedade. Para facilitar a compreensão de alguns dos conceitos associados a esta temática, Coleman et al. (2012) apresentaram uma lista de conceitos e definições relacionados com o género e o sexo, que nos ajudam a ter uma maior noção das respetivas diferenças.
SEXO – definido pelas características cromossómicas, hormonais e anatómicas que levam à atribuição de sexo masculino ou feminino a um determinado individuo.
GÉNERO – conjunto de características e condutas que, numa determinada sociedade, são atribuídas de modo distinto a homens e a mulheres.
IDENTIDADE DE GÉNERO – perceção intrínseca de uma pessoa ser homem, mulher ou ter alguma identidade alternativa ou combinação de várias (transgénero, queer, etc.). A identidade de género de uma pessoa pode ou não corresponder ao sexo atribuído à nascença.
EXPRESSÃO DE GÉNERO – qualquer forma de expressão pela qual cada pessoa manifesta a sua pertença de género, através da aparência física, dos comportamentos de interação com os outros e da linguagem.
PAPEL DE GÉNERO – comportamentos, papéis, atividades e outros atributos que são socialmente construídos numa determinada sociedade, entendidos como femininos e masculinos.
DISFORIA DE GÉNERO – refere-se ao sofrimento que pode acompanhar a incongruência entre género expresso e o género atribuído à nascença.
NÃO CONFORMIDADE DE GÉNERO/VARIABILIDADE DE GÉNERO – não enquadramento face às normas culturais atribuídas a um determinado género, naquilo que diz respeito à identidade, aos papeis ou à expressão pessoal de género.
TRANSEXUAL – pessoa que deseja mudar ou já mudou as suas características sexuais primárias e/ou secundárias através de intervenções médicas (terapia hormonal e/ou cirurgia) de feminização ou masculinização.
TRANSGÉNERO – adjetivo aplicado a um grupo diversificado de indivíduos que transitam ou transcendem as categorias de género culturalmente definidas. A identidade de género das pessoas transgénero difere em vários graus do género atribuído à nascença.
Fotos: Freepik
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