O nome François Graftieaux, provavelmente, diz-lhe pouco. No entanto, nos últimos 15 anos, é um nome que a rainha Isabel II parece ter querido evitar. Em Inglaterra (e em muitos outros países), as notícias que relatam a história deste homem, de 73 anos, que afirma ser neto ilegítimo do rei Eduardo VIII de Inglaterra, multiplicam-se a um ritmo cada vez maior. François será um dos segredos mais bem guardados nos cofres de Buckingham. Por isso, ao percebermos que, agora que se reformou, este empresário do ramo hoteleiro vivia em Portugal, mais concretamente num condomínio de luxo em Lagos, adicionámo-lo no Facebook. O pedido foi aceite e, consequentemente, após investigarmos o seu passado (e de ele investigar o nosso), combinámos um encontro.
Fizemo-nos à estrada e encontrámo-nos num mundo de coincidências. Começando logo pelo facto de, no dia em que esta entrevista se realizou, se terem assinalado 15 anos desde que Graftieaux escreveu a sua primeira carta para Buckingham expondo todos os pormenores que encontrou no livro de memórias do duque do Windsor e no diário da sua avó, Marie-Leonie Graftieaux, dando conta de que, caso ele não fosse bastardo e o seu alegado avô não tivesse abdicado para se casar com Wallis Simpson, estaria mais em linha para se sentar no trono britânico do que a própria rainha Isabel II. François não quer dinheiro, títulos, nem qualquer tipo de regalias, apenas quer dormir descansado, a saber quem são os seus antepassados, algo que até hoje não conseguiu.
VIP – Como é que tudo isto começou? Como era a sua vida antes desta descoberta?
François Graftieaux – Primeiro, enquanto criança, eu sabia que o meu avô era incógnito, e quando fazia perguntas aos meus pais, recebia sempre respostas vagas, de que a minha avó não se pôde casar, mas nessa altura, e mesmo em adolescente, eu não pensava muito nisso. Sabe quando os pais dizem algo e não tem de se preocupar com isso? Era isso. Depois, nos anos 70, eu namorei com uma rapariga, em Paris, que conhecia várias pessoas da elite política, e quando nos conhecemos, ela disse-me: “Tu pareces o duque de Windsor.” Mas, nessa altura, eu não sabia quem ele era e não tinha grande interesse em saber quem tinha sido o meu avô. Entrou-me por um ouvido e saiu-me pelo outro. Nos anos seguintes, embora eu tivesse uma vida profissional e pessoal de sucesso, nunca me senti confortável. Algo estava mal.
Nessa altura vivia em Paris?
Nessa altura vivia na Suíça, eu vivi em muitos países. E fui fazer psicanálise e percebi que, provavelmente, seria importante para mim descobrir mais sobre os meus antepassados, para saber o porquê de tanto mistério. Eu pensei: se a identidade do meu avô tinha sido escondida, talvez fosse porque se tratava de um assassino, ou algo do género. Pensei em diferentes possibilidades. E foi aí que, de repente, me lembrei do que a minha ex-namorada me tinha dito, que eu era parecido com alguém muito conhecido, mas tinha- me esquecido completamente de quem era. Mandei-lhe um email e ela respondeu-me logo a dizer: “Eu ando há 30 anos a dizer-te que tu pareces o duque de Windsor e, com o passar do tempo, estás cada vez mais parecido com ele.” Eu pensei: “Quem é o duque de Windsor?” Então fui ao Google, e a primeira vez que vi uma foto dele parecia uma fotocópia autêntica do meu pai.
Até essa altura nunca tinha visto ou procurado uma imagem do duque de Windsor?
Não. Eu já tinha ouvido o nome, mas não sabia quem ele era, não sabia que era o tio da rainha Isabel II. Não sabia a história dele com Wallis Simpson. Mas, nessa altura, pensei que não podia ser. Como é que a minha avó, que era uma parisiense de classe média, costureira, podia ter conhecido o duque? Não podia ser verdade. Então comecei a investigar e descobri que ele tinha estado em Paris de 1913 a 1915, o que coincide com a altura em que a minha avó engravidou.
«Só tive três ou quatro amigos que continuaram a amparar-me»
Foi a sua primeira descoberta?
Sim, e depois percebi que o vestido de noiva da Wallis Simpson havia sido desenhado por Madeleine Vionnet, que era uma conhecida designer francesa, e eu sabia que a minha avó tinha trabalhado para ela. Com todas estas coincidências, comecei a debruçar-me mais sobre isto.
A sua mãe nunca lhe falou do assunto?
Não, ela nunca me quis ajudar. E, no fundo, eu acredito que ela nunca soube nada. E a sua irmã? Ao início, ela não acreditava em mim. É de doidos, mesmo amigos chegados e familiares não quiseram ter mais nada a ver comigo. Só tive três ou quatro amigos chegados que continuaram a amparar-me durante esse período.
Perdeu amizades por causa desta luta?
Sim, muitas. Mas também não me apetecia comunicar com ninguém, porque o maior problema que eu tinha era convencer-me a mim próprio. Eu não conseguia acreditar, inicialmente. Tive de esperar até a minha mãe morrer, em 2013, para ter acesso aos arquivos da família. E foi aí que descobri o diário da minha avó, no qual ela descrevia a sua vida entre 1910 e 1920. Nessa altura, eu tinha lido também um livro que tinha sido escrito pelo duque de Windsor, The Story of a King. Nesse livro, ele conta o que fez enquanto esteve em Paris, e quando li o diário da minha avó, percebi que eles frequentavam os mesmos locais e se davam com as mesmas pessoas. Para mim, esta foi a base da história. Anos antes, vi também, na contracapa de uma revista Vogue, um relógio da Van Cleef & Arpels. Eu sabia que a minha mãe tinha aquele relógio, mas quando o vi na revista, percebi que tinha sido desenhado pelo duque de Windsor. Isso não podia ser só uma coincidência.
Qual foi o passo seguinte?
Depois, contratei algumas pessoas para me ajudarem a investigar a biografia do duque e o diário da minha avó, e decidi escrever um livro. Foi feito com outros dois autores franceses, mas não houve grande reação na Imprensa francesa, porque estavam com muito receio em pegar no assunto. Saíram alguns artigos em Inglaterra, mas parou. Depois, tentei encontrar editoras inglesas para que publicassem uma transcrição do livro, mas não consegui encontrar nenhuma. Ninguém queria publicar a história. Mais tarde, tive a visita de um genealogista inglês, que era especialista na família real e que, aparentemente, sabia da minha existência. E trouxe-me uma cópia de um registo de uma companhia de navegação, no qual estava claramente mencionado que o meu pai, em 1935, tinha ele 19 anos, viajou de Marselha para Londres, em primeira classe, e ficou no Grosvenor House Hotel e, pesquisando nos arquivos, o meu avô, na altura príncipe de Gales, tinha um antigo acordo com esse hotel. Claro que não tenho provas, mas deduzi, através destas descobertas, que o meu pai e o duque se conheceram e que ele deve ter-lhe pedido para não contar a ninguém, para o resto da vida dele, quem era o seu pai.
Considera esse relógio uma grande prova?
Sim, é uma prova, ainda que qualquer pessoa possa comprar esse relógio. Mesmo agora, se for até à Van Cleef & Arpels…
«Tentou cometer suicídio»
Pode falar-me da sua avó? Ela mudou o seu nome e passou de uma classe trabalhadora para uma classe superior, com uma maison de couture.
Sim, mas ela era uma mulher muito bonita, ela era modelo e também uma costureira excelente. Mas como ela nunca foi para o ensino secundário, começou a trabalhar quando tinha 12 anos e, de repente, depois do nascimento do meu pai, teve dinheiro suficiente para abrir uma das mais famosas maisons de couture em Paris… E quando tu percebes um bocadinho de negócios e de como é difícil arranjar financiamento para abrir uma empresa, não há dúvidas de que esse dinheiro teve de vir de algum lado.
Já disse que, quando descobriu que estava grávida, ela tentou pôr fim à vida.
Ela tentou cometer suicídio. Eu soube disso porque ela me contou. O que eu ouvi dos meus pais é que, considerando o período, o início do século passado, ela era considerada extremamente corajosa por ter um filho sem ser casada.
Não tem nenhuma prova concreta de que o rei Eduardo VIII e a sua avó se tenham conhecido?
Não.
Mas tem uma teoria de que ela e o duque de Windsor se conheceram no Luna Park Hotel. Como é que concluiu isso?
A razão por que escrevi isso dessa forma é porque, no livro The King Story e no diário da minha avó, ambos mencionaram o Luna Park. E, nessa altura, era provavelmente o único sítio onde pessoas
de classes sociais diferentes poderiam conviver. O duque escreve que esteve lá muitas vezes com os filhos dos marqueses de Breteuil. É outra coincidência que se torna prova, ainda que não haja nenhuma prova como uma fotografia deles juntos naquele local.
«Escrevi ao príncipe Carlos, à princesa Ana e ao príncipe André»
Quando escreveu o seu primeiro livro, já tinha escrito para Buckingham?
Sim, sim, várias vezes. A primeira coisa que eu fiz, quando pensei que tinha coincidências ou provas suficientes, foi escrever um ficheiro e uma carta para o embaixador britânico na Suíça a perguntar-lhe o que deveria fazer com esse documento. Ele respondeu, muito simpaticamente, que o iria reencaminhar para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, e depois o ficheiro foi transferido para o Palácio
de Buckingham e depois voltou para o Ministério dos Negócios Estrangeiros e depois para o embaixador, que me escreveu uma carta a dizer que Buckingham não trata deste tipo de assuntos. Foi feito de
uma forma muito elegante e educada.
Claro que não fiquei contente com a resposta. Escrevi uma carta diretamente à rainha, porque pensei que possivelmente ela não tinha recebido o ficheiro. Mas não tive resposta. Depois escrevi ao príncipe Carlos, à princesa Ana, ao príncipe André e ao príncipe Eduardo. Enviei-lhes todos os documentos, as fotos, o certificado de nascimento do meu pai, tudo. Tudo o que recebi foi uma muito bem-educada resposta do secretário privado do príncipe Carlos, que dava conta de que tinham recebido os meus ficheiros, mas que não podiam fazer nada com eles. Mas, antes de escrever o livro, em 2013, escrevi outra carta à rainha Isabel II, a dizer que, considerando o facto de nunca ter tido uma resposta satisfatória, iria publicar a história através de um livro e, possivelmente, de um filme. Mas ela não respondeu.
Estava a tentar dar-lhe uma hipótese de agir?
Foi mais por uma questão de respeito. Quando publicas uma coisa como esta, que a afeta diretamente, pensei que seria melhor avisá-la.
Esperou mesmo que Isabel II lhe respondesse?
Claro. É irritante ser ignorado. Porque, nessa altura, eu já estava convencido de que eles sabiam de mim. Que eles sempre souberam. Caso contrário, os serviços secretos não estariam a fazer o seu trabalho. Eles sabiam. Senti-me um bocado humilhado, mas depois pensei: é um problema de Estado. Se calhar é a única forma com que eles podem lidar com este assunto. Especialmente, considerando a posição política do meu avô durante as duas guerras, e mesmo depois. E porque, se apenas considerarmos o sangue e a forma como a monarquia funcionou ao longo dos anos, eu estou em linha, ainda mais do que Isabel II.
Mas quando o rei Eduardo VIII abdicou do trono para se casar com Wallis Simpson, abdicou também para os seus descendentes, ainda que, à data, não lhe fossem conhecidos nenhuns.
Provavelmente, ele já sabia que tinha na altura. E há outra razão: eu sei que sou ilegítimo e também sei que na altura em que o Reino Unido assinou a convenção europeia sobre crianças nascidas fora do casamento, foi feita uma reserva para os herdeiros do trono. O que significa que esta convenção é aplicada a todas as crianças no Mundo, menos a mim. Mas eu disse, e penso que escrevi isso logo na primeira carta que enviei à rainha, para lhe mostrar que não tinha qualquer pretensão de títulos, ou dinheiro, ou alguma coisa. Eu não preciso de dinheiro. Tudo o que quero é a verdade acerca dos
meus antepassados.
Qual é o seu maior objetivo com tudo isto?
O meu maior objetivo é – e eu nunca desistirei dele – ser reconhecido oficialmente como o neto ilegítimo, e eu insisto em ilegítimo, de Eduardo VIII. Quero manter essa identidade, e nem preciso de um nome novo, títulos, dinheiro, nada. É mesmo uma questão de sentir-me equilibrado com a minha identidade. Senti que não tinha a identidade certa durante a vida toda.
«Não é preciso amostras de ADN, a parecença física é mais do que suficiente»
Disse que nunca desistirá desta luta. Até onde planeia ir? Vai mesmo processar Buckingham para poder testar o seu ADN?
Se não existir nenhuma reação por parte deles… Se essa for a minha última oportunidade para obter o que pretendo, posso pensar nisso. Claro que odiaria fazê-lo. Quem é que gostaria de processar alguém
da sua própria família? Eu tenho um respeito imenso pela rainha e pela família real. Seria a última ação que eu consideraria, mas se for a única… talvez tenha de a considerar. Porque não?
O que pretende com esse processo? Testar o seu ADN?
Não há necessidade de amostras de ADN, a parecença física é mais do que suficiente e, além disso, o meu ADN foi analisado e eu tenho 63% de indicadores anglo-saxónicos, 23% alemão e 15% francês. Isso diz tudo. De onde viriam os indicadores anglo-saxónicos?
Para si é claro como água. Não tem dúvidas?
Nenhumas. Mas tenho de confessar que levou-me muito tempo para aceitar e me convencer.
Leia a entrevista na íntegra na Revista VIP, em banca esta semana!
Texto: Tiago Miguel Simões; Fotos: Tito Calado
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