Eunice Muñoz morreu esta sexta-feira, 15 de abril. A consagrada atriz, de 93 anos, que sempre se considerou “uma mulher como as outras, mãe de seis filhos, com netos e bisnetos”, dedicou 80 anos da sua vida ao teatro e à televisão.
Nascida na Amareleja, Beja, a 30 de julho de 1928, Eunice Muñoz completou oito décadas de carreira em novembro de 2021 e assinalou este aniversário com um ciclo de representações da sua última peça, “A Margem do Tempo”, onde contracenou com a neta, Lídia Muñoz.
Mas o ‘bichinho’ pela representação já vinha de família. Eunice Muñoz é descendente de uma família de três gerações de atores e saltimbancos – os Muñoz e os Cardinalli. Aos cinco anos, a atriz já fazia parte dos espetáculos de teatro ambulante da família, a Troupe Carmo. Em várias entrevistas que deu ao longo da sua vida, a artista confessou que era uma criança tímida, que inventava dores de barriga para não ter de atuar para o público.
Foi em 1941, aos 13 anos, que se estreou no Teatro Nacional D.Maria II, na peça “Vendaval”, e roubou todas as atenções do público. Um ano mais tarde, a atriz entrou para o Conservatório. Aos 17 anos completou o curso de Teatro com uma média de 18 valores.
Eunice Muñoz brilhou em centenas de peças, entre elas “A Portuguesa”, (1944), “João Ratão” (1944), “Chuva de filhos” (1945), “Outono em Flor” (1949), “Disco Voador (1950), “O Padre Piedade” (1950), “Joana D’Arc” (1956), “Noite de Reis” (1957), “O Cão do Jardineiro” (1961), “Os Direitos da Mulher” (1962), “Fedra” (1967), “Oração” (1969), “As Criadas” (1972), “Hamlet” (1980), “Passa Por Mim no Rossio” (1992), “A Casa do Lago”, “A Dúvida” (2007), “O comboio da Madrugada” (2011), “O cerco a Leningrado” (2012) e “A Margem do Tempo” (2021).
A pausa na carreira e os trabalhos nas lojas de rua
No entanto, entre os 23 e os 27 anos, Eunice Muñoz decidiu afastar-se dos palcos para se dedicar à família. ”Cansei-me. Tinha 23 anos, mas já tinha muitos anos de teatro”, confidenciou, numa entrevista que concedeu à TVI. A atriz trabalhou numa loja de cortiça no Príncipe Real e o público ia vê-la por não a encontrarem em palco. Mais tarde, trabalhou numa loja de cabos elétricos, na Amadora.
Em 1955 regressou aos palcos, mas em 1972 volta a retirar-se para fazer pequenos trabalhos em televisão. Em 1976, Eunice regressa à representação e concilia a carreira de teatro com os trabalhos em televisão durante vários anos.
Eunice Muñoz integrou o elenco de duas séries de comédia da autoria de Nicolau Breyner – “Nicolau no país das maravilhas” e “Nico d’Obra”. Em 1993, protagonizou a novela “A Banqueira do Povo” e, depois, seguiram-se papéis em “Todo o Tempo do Mundo”, “Porto dos Milagres”, “Olhos de Água”, “Sonhos Traídos”, “Olhos nos Olhos”, “Mar de Paixão”, “A Impostora”, “Coração malandro”, “Mistura fina”, “Dei-te quase tudo”, “Ilha dos amores”, “Destinos cruzados” e “A Teia”, todas elas na TVI. Sua última participação em novelas foi neste ano, em “Festa é Festa”, em que fez uma participação especial ao lado de Maria do Céu Guerra.
A atriz participou ainda na série “Equador”, da RTP1. Também fez algumas participações em cinema, como “Manhã Submersa” (1980), “A Fachada” (1986), “Repórter X “ (1987) “Matar Saudades” (1988), “Tempos Difíceis”, (1988), “Entre os Dedos” (2008).
O cancro na tiroide e a morte da filha
Em 2013, Eunice Muñoz viu-se obrigada a afastar-se dos palcos e da televisão. A atriz foi diagnosticada com um cancro na tiroide que lhe estava a roubar a voz e teve de ser submetida a uma operação.
A consagrada atriz estava a gravar a novela “Destinos Cruzados”, da TVI, e teve de deixar o projeto por não conseguir conciliar o ritmo das gravações com as sessões de quimioterapia que tinha de fazer. Pouco tempo depois, Eunice venceu a luta contra a doença.
A operação à tiroide deixou-a afónica e Eunice Muñoz decidiu viajar para França para se submeter a uma cirurgia especializada às cordas vocais. A intervenção correu bem e deu-lhe uma nova voz, mais rouca, mas percetível.
Sete anos mais tarde, em 2020, Eunice Muñoz chora a morte de uma das suas filhas, Maria Muñoz, vítima de um cancro.
“O desgosto de perder um filho… É muito estranho porque não tenho idade para perder um filho, devo ser eu a ir-me embora. É muito esquisito, ela tinha 50 e tal anos e ainda tinha uma vida. E é tudo muito doloroso”, confidenciou na altura a atriz, em conversa com Cristina Ferreira.
Os amores da vida de Eunice
Eunice Muñoz viveu grandes amores também na sua vida pessoal. Com apenas 19 anos, a artista casou-se com o arquiteto Rui Ângelo de Oliveira do Couto, de quem teve uma filha. Dez anos mais tarde, Eunice casou-se pela segunda vez, com o engenheiro Ernesto Borges. Deste casamento, surgem quatro filhos. Em 1966, a atriz trocou alianças pela terceira e última vez com o poeta António Barahona da Fonseca, com quem teve uma filha.
“Sempre amei os meus maridos, sempre amei muito os meus filhos e sempre amei o teatro”, afirmou Eunice Muñoz, numa entrevista recente à TVI.
Além dos seis filhos, a atriz tem oito netos e também já é bisavó.
O estado de saúde da atriz
Com 93 anos, Eunice Muñoz já apresentava um estado de saúde muito debilitado. No início deste ano, a atriz ficou internada depois de fazer alguns exames de rotina que apontaram situações de saúde que precisavam de ser vigiadas.
Eunice Muñoz teve alta após ficar um mês em observação. A artista morreu quase dois meses depois do internamento que alarmou o País, vítima de uma paragem cardiorrespiratória. Segundo avançou a TVI, ainda houve uma tentativa de reanimação, mas sem sucesso.
A consagrada atriz tinha 93 anos e encontrava-se no Hospital de Santa Cruz, em Lisboa. Antes de morrer, Eunice expressou a sua vontade de ser cremada e de as suas cinzas serem atiradas para um poço que existe junto da casa onde nasceu, na Amareleja, e onde passou muitos momentos felizes da sua infância.
“Gosto muito de viver. Encaro a morte como algo inevitável. Mas peço a Deus que não venha com sofrimento. Só espero que a morte me chegue serena”, confidenciou numa entrevista que deu em 2019, ao Notícias Magazine.
Marcelo Rebelo de Sousa decreta dia de luto nacional
O Governo vai decretar luto nacional no dia das cerimónias fúnebres de Eunice Muñoz, que morreu nesta sexta-feira, 15 de abril. A atriz tinha 93 anos e encontrava-se no Hospital de Santa Cruz, em Lisboa. A informação foi avançada por fonte do Ministério da Cultura à Lusa.
Pedro Adão e Silva foi uma das figuras a lamentar a morte da artista. “Neste momento, devemos-lhe o mesmo aplauso que sempre lhe oferecemos, um aplauso de certa forma eterno”, declarou o ministro àquela agência de notícias, considerando um “privilégio para Portugal e para os portugueses” ter uma atriz como Eunice Muñoz. “Tinha um talento quase natural e um dom único para a representação e, por isso mesmo, para nós todos, a vida da Eunice Muñoz confunde-se com os palcos e com o teatro, é uma espécie de relação íntima que todos fomos desenvolvendo com a mulher doce e afável”.
Texto: Mafalda Mourão; Fotos: Redes Sociais e Arquivo Impala
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