Alberto João Jardim
“Estou feliz por estar com vida a assistir ao Carnaval”

Famosos

Um enfarte do miocárdio abala o Presidente do Governo Regional, mas este não se permite a lamúrias
Alberto João Jardim é o perfeito anfitrião na Quinta Vigia, sede do Governo Regional da Madeira, em pleno centro do Funchal.

Dom, 27/03/2011 - 0:00

 Alberto João Jardim é o perfeito anfitrião na Quinta Vigia, sede do Governo Regional da Madeira, em pleno centro do Funchal. Abre portas interiores do palacete, mostra a sala onde se reúne o Governo Regional com a mesa hexagonal no centro ("para eu ver bem as caras deles todos") e afasta a cortina da parede revelando um quadro onde, a marcador verde, escreveu os nomes de todas as freguesias e, em frente de cada uma, a lista dos projectos em curso.

Mostra-se especialmente satisfeito no passeio pela quinta, de onde se avista toda a marginal do Funchal. "Ali vou mandar fazer um parque e vou tirar estas coisas todas daqui e pôr ali mais à frente", explica, apontando com o dedo o que parecem ser montes de entulho na marginal, único sinal visível das inundações que há um ano mataram mais de 40 pessoas e destruíram parte da ilha.

Os turistas que andam livremente pela quinta estão exultantes e não dão descanso às máquinas de fotografar e filmar. Alberto João Jardim sabe que o seu à vontade, a circular sem seguranças no meio dos turistas, é a melhor publicidade que pode ter sobre a tranquilidade da ilha e conta a rir que, um dia, um casal de holandeses abriu a porta que liga o parque ao seu gabinete e entrou por ali dentro sem cerimónias.

Há 32 anos eleito como presidente do Governo da ilha de 200 mil habitantes, reeleito para a direcção do Partido Social Democrata, membro do Conselho de Estado, Alberto João Jardim é uma figura mítica e controversa que, aos 68 anos, mantém a capacidade de surpreender.

VIP – Sofreu um enfarte agudo do miocárdio no dia 8 de Janeiro. Como se sente agora?
Alberto João Jardim – Sinto-me bem e todos os testes apontam para uma recuperação. A medicação que estou a fazer é suficiente, não preciso de mais nenhuma intervenção. Sigo escrupulosamente tudo o que foi prescrito, não estou limitado seja ao que for, mas tenho de saber fazer a gestão dos riscos. Perdi oito quilos…

Sei que durante a operação ouviu os médicos falarem de uma artéria entupida e deu ordem para a desentupirem…
Eu disse: "Não saio daqui sem isto estar tudo desimpedido." A anestesia permitia-me conversar e seguir o processo de cateterização no ecrã, por onde os médicos também se guiavam. Sempre achei que uma pessoa naquelas circunstâncias entrava em pânico, mas eu tinha tanta confiança nos médicos e no hospital que estava calmo. E depois, não sei se é da anestesia, tem-se uma sensação de tranquilidade… O pior é quando se começa a pensar nos riscos que se correram.

Esse susto mudou alguma coisa em si?
Obrigou-me a pensar muitas coisas, obrigou-me a fazer retrospectivas e prospectivas. Sinto que a minha vida é agora mais bem pensada.

A sua longevidade no poder é muitas vezes comparada à de Kadhafi…
Podiam arranjar-me outra comparação melhor! Se eu fosse atrás das comparações que os situacionistas do regime me fazem… Como sabe, eu sou um oposicionista deste regime. Acredito na possibilidade de uma democracia a sério para Portugal e isto não é uma democracia a sério. Rio-me dos mitos que os situacionistas da Esquerda põem a circular, rio-me da covardia da Direita. Eles podem dizer o que quiserem, eu também digo deles o que me apetecer; estamos pagos!

A comparação com Kadhafi desagrada-lhe, já percebi. Sendo o Magrebe a costa mais próxima da Madeira, como é que encara o que está a acontecer nessa região?
O que está a acontecer é uma consequência da política dita pragmática – mas a que eu chamo oportunista – em que o Ocidente perdeu os seus valores tradicionais e alimentou ditaduras sem capacidade de previsão de que essas ditaduras têm sempre um fim trágico. Agora é preciso não haver interferências e estar preparado para todos os cenários possíveis, desde regimes fundamentalistas, passando por regimes autoritários militares, até regimes democráticos.

As inundações na Madeira foram um momento crítico para si.
Foi um dos piores momentos da minha vida. Obrigou-me a mudar muita coisa. Uma das razões pela qual eu me candidatei novamente à presidência do PSD foi por perceber que deixar a política numa altura destas podia ser interpretado como uma deserção face às dificuldades. Depois do que sucedeu aqui: das inundações, dos incêndios nas serras e da crise internacional que afectou o turismo, até umas cinzas de vulcão apareceram que baralharam completamente os planos de desenvolvimento… tudo correu mal. E eu acho que, numa altura destas, não podemos virar as costas às dificuldades. O país bateu no fundo e está num impasse; esta classe política não tem soluções; o povo não é soberano porque perdeu a capacidade de referendar a sua Constituição. Só a classe política o pode fazer, mas são precisos dois terços que não existem e, portanto, estamos como os cristãos no tempo de Roma, a serem devorados pelas feras, mas a cantar, porque aceitavam o martírio.

Na tragédia da Madeira houve pessoas, políticos que o surpreenderam?
O País surpreendeu-me. O País inteiro deu uma lição de solidariedade, desde os agentes da República até ao cidadão mais humilde e fez-me ter esperança porque quando há solidariedade isso significa que há uma vontade que pode ser desenvolvida.

Pedro Santana Lopes pondera criar um novo partido. O que acha disso?
O Pedro Santana Lopes tem o feitio que tem e eu sou muito amigo dele e respeito-o. Ele tem razão numa coisa: para além desta Direita e desta Esquerda situacionista e deste regime político há uma outra Direita e outra Esquerda que é contra o regime político e que quer um outro modelo de democracia. O povo foi enganado quando lhe disseram que o único modelo de democracia é o da Constituição de 1976. Basta andar pelo Mundo fora para ver que há outros modelos de democracia. Há uma Direita e uma Esquerda em Portugal censuradas por quase todos os meios de comunicação social, que não têm nada a ver com o regime e que mais cedo ou mais tarde vai surgir. É preciso que as primeiras grandes vagas sejam de descontentamento popular, mas na terceira ou quarta vaga têm de aparecer com soluções novas para o País.

Portanto, admite que este novo partido possa ser interessante.
Acho que este não é o momento. Mas se o regime político actual não encontrar soluções vai ser devorado pela sua própria inércia e, tal como sucedeu na quinta República francesa, vão surgir novos partidos a liderar os acontecimentos.

Sei que gosta de arte. Continua a ser coleccionador de quadros?
Gosto, gosto muito dos pintores portugueses do século XIX, como Columbano e Bordalo, mas não consigo coleccionar esses, tenho de me contentar com outros mais "pequenos". Agora nem isso, porque moro numa casa pequena e não cabem lá mais quadros e não gosto de ter coisa bonitas para estarem encaixotadas. Isso é uma ofensa à beleza.

Fala muitas vezes na reforma. O que é que se imagina a fazer?
Nessas coisas não se fazem grandes planos. Carpe diem, vive o teu dia-a-dia. Essas coisas não se imaginam, não se planeiam. São as circunstâncias que vão desenhar a nossa opção e a reforma tem de ser uma situação em que nos sentimos completamente livres para o que nos apetecer fazer.

A Madeira que deixa aos seus netos é a Madeira com que sonhou?
Esta ainda não é a Madeira com que sonhei. Infra-estruturalmente, a Madeira vai ficar com tudo o que qualquer comunidade precisa para se desenvolver. Infra-estruturas culturais, de educação, de mobilidade, sociais, tudo. Nos próximos anos não é preciso fazer mais obras, apenas manutenção. Aquilo que nos falta tem a ver com o conteúdo da autonomia: a Madeira ainda está numa situação colonial. A Carta das Nações Unidas é muito clara: estamos perante uma situação colonial quando um território impõe a outro, que está geograficamente separado, um estatuto político que este não aceita. É o nosso caso. Que a Madeira passe a ser uma região autónoma num país democrático decente e não este regime colonial que nos impõem, é o meu sonho.

Tem esperança de ainda conseguir assistir a essa mudança?
Tenho esperança de que muita coisa mude ainda em Portugal. Eu tenho uma grande admiração pelo Ghandi e acho que a resistência passiva é fundamental. Não é pela violência nem pelo teatralismo que se resolvem os problemas. É capaz de serem precisas duas ou três gerações para os políticos de Lisboa compreenderem as coisas. Por outro lado, nem me admira que não compreendam: a classe política de Lisboa é tão medíocre… ela própria não encontra soluções a nível nacional, como é que ela vai encontrar soluções para uma realidade que conhece menos, que é a realidade das autonomias? Não pode!

Conhecemos as ambições do político, mas quais são as do homem fora da política?
Para mim, costumo dizer: "Seja o que Deus quiser." Porque sou crente. Em relação à família, desejo que eles continuem a ter o bom juízo que tiveram até agora e que saibam educar os meus netos.

Teve pena de não desfilar este ano no Carnaval?
Tive uma certa pena, mas não vejo as coisas pela negativa. Estou feliz por ter desfilado muitas vezes e por estar com vida a assistir. Vamos ver o aspecto positivo disto e deixar-nos de lamúrias.

Texto: Cristina Ferreira de Almeida; Fotos: Paula Alveno  

Siga a Revista VIP no Instagram