Com mais de quatro décadas de carreira na representação, Lídia Franco é um nome incontornável quando se fala de alguns dos maiores êxitos da televisão portuguesa. Para diversas gerações, ficou para sempre ligada à personagem de Condensa da França, na série de comédia O Tal Canal, de Herman José, grande amigo e comediante com o qual não descarta a possibilidade de voltar a trabalhar. Todavia, a carreira desta “mulher à frente do seu tempo”, que começou como bailarina e ainda se atreveu noutras profissões antes de abraçar a representação, é muito mais vasta e uma breve análise do seu currículo revela-nos uma atriz completa, com diversos filmes e telenovelas de sucesso, mas, acima de tudo, uma lista extensa de magníficos papéis em cima dos palcos, de Norte a Sul do País.
Aos 71 anos, acabados de fazer, lançou a sua biografia, Histórias de Vida, vai participar numa longa-metragem e o seu nome é falado para a próxima telenovela da TVI. Mas aquilo por que a atriz mais anseia é um bom texto para levar à cena. Isso e tempo para estar com a sua maior paixão, o neto Alfredo, prestes a fazer dois anos.
VIP – Em pleno 2015, é fácil ser ator no nosso país e com esta crise?
Lídia Franco – A profissão de ator em Portugal sempre foi como é agora. A nossa é uma profissão intermitente e ainda bem que assim é, porque precisamos de algumas pausas. Para já, porque a imagem não deve cansar. Daí que, nos países onde há ficção mais a sério, os atores são pagos inclusivamente para não aparecerem sempre, justamente para não cansarem a imagem. Além disso, também precisamos desses interregnos para, entre outras coisas, viver, visto que o nosso material de trabalho é muito o fruto da nossa vivência e para continuar a estudar, porque temos de estar sempre, como qualquer outro artista, a praticar, não só através do trabalho que vamos efetuando, como em aulas. Se o bailarino tem de ter aulas diariamente para a sua técnica, o ator também, porque tem de exercitar o corpo, de onde parte a voz, de onde partem as emoções e, portanto, é necessário haver esses períodos, digamos, de pousio. Em Portugal, como sempre, é tudo um bocadinho mais diferente do que noutros sítios. E porquê? Porque realmente temos uma produção limitada… Eu, por exemplo, acabei no verão as gravações da última novela em que participei, que é onde os atores portugueses podem ir buscar um pouco de fundo de maneio para as suas vidas. Tenho aproveitado o tempo que não tive enquanto fiz a novela para arrumar a minha vida, que ficou um bocadinho desarrumada durante quase um ano, para estudar, ter aulas, lecionar…
Inclusivamente para sair da personagem…
Isso não é bem assim, daí justamente o ator precisar de ter técnica… Se entrássemos nas personagens dessa maneira, endoidecíamos!
Mas imagino que a personagem Teresa Amorim que fez em Rosa Fogo, onde interpretava uma doente com Alzheimer, tenha sido desgastante…
Felizmente, foi uma personagem complicada, mas isso é o que um ator mais quer, personagens complexas, porque aí tem mais pano para mangas em relação ao seu trabalho. Mas, como a minha personagem não aparecia muito, não me cansei nada de a fazer, antes pelo contrário: tive um prazer enorme, justamente por ser uma personagem mais complexa. E daí ter tido que aprofundar mais sobre a doença. Estive com a Associação Portuguesa de Alzheimer e com os doentes e os cuidadores… É fundamental, num caso desses, e precisava mesmo de fazer isso, para tentar ser o mais verdadeira possível na minha personagem.
Surgem-lhe propostas interessantes de trabalho, papéis com profundidade?
Normalmente sou eu que procuro textos para tentar fazer em teatro. Neste momento, ando nessa minha pesquisa, a dar aulas, colaborei numa curta-metragem de uma jovem realizadora luso-francesa, chamada Joana Sarrazy, e fui convidada para entrar numa longa-metragem portuguesa, que será a segunda de um jovem realizador, Luís Rodrigues, intitulada Duda. Faço o papel de avó, porque a ficção, para ser ficção, tem de ter avós, pais, filhos e netos, e se fizéssemos todas essas gerações com atores da mesma idade, não seria credível. Isto é uma lança em África, porque, infelizmente, quase não temos cinema português…
Drama ou comédia, o que prefere?
As duas coisas. Mas no teatro, ultimamente, só me têm calhado tragédias! A verdade é que, para fazer uma boa tragédia, é preciso ter muito sentido de humor e vice-versa. Já dizia o mestre Almeida Negreiros: “Não há nada mais sério que o humor!” Eu prefiro as duas coisas, mas intercaladas. É muito mais difícil encontrar um bom texto de comédia; esse é o meu sonho agora…
Ainda recentemente, na festa dos Óscares, Patricia Arquette se manifestava contra a discriminação feminina em Hollywood; cá também se nota essa discriminação?
Em Hollywood e no mundo! Sim, mas toda a gente sabe que há discriminação no nosso meio. Cá é mais entre manequins e atores. Os manequins é que ganham muito mais… Se isso é um bocado estranho? Depende, porque se um manequim tiver talento e quiser estudar pode vir a ser um grande ator, como alguns… Todavia, qualquer pessoa, manequim ou não, que nasça com talento, se não estudar, se não trabalhar, se não tiver constantemente as tais aulas de que estávamos a falar, se não se tentar instruir, não evolui na profissão.
Começou como bailarina, na Companhia Portuguesa de Bailado, e tornou-se atriz mais tarde, com alguns outros empregos pelo meio, fora da área. De toda a sua carreira, do que guarda mais saudades?
Eu não sou muito de guardar saudades. Interesso-me mais pelo momento que estamos a viver agora e, assim, projetamo-nos para o futuro. O futuro é o nosso alimento. Sendo o teatro a arte do ator, houve certas peças de teatro maravilhosas que eu nunca na vida esquecerei e esta última, com a qual andei cinco anos a percorrer o País (até à Assembleia de República eu fui fazer esse monólogo, Óscar e a Senhora Cor de Rosa, do Erik-Emmanuel Schmitt, que eu própria traduzi juntamente com a Ivone Moura), é uma delas. É um texto tão maravilhoso! Estreei-a no Teatro Nacional, em 2008, esteve em cena dois meses e meio com a sala sempre esgotada e percorri praticamente todo o País com esse monólogo. É um trabalho muito violento, mas nunca o esquecerei na vida… E, claro, tenho saudades de trabalhar com o Herman! Tenho esperança que ele volte um dia a fazer uma boa série de humor… e de certeza que me vai chamar.
A última novela que interpretou foi O Beijo do Escorpião, em que a sua personagem, Madalena de Albuquerque, era para ter morrido no início da trama, chegou a ser gravado o funeral, e, depois, acabou por ser uma das personagens mais marcantes ao longo de toda a história. O que é que aconteceu para se dar esse volte-face?
Até acabei dona do banco e tudo! E como a ficção ultrapassa muitas vezes a realidade, na nossa novela o banqueiro que era o meu marido, o Nicolau Breyner, foi mesmo preso. É uma das coisas boas da novela, o acompanhar a sociedade. E a novela, sendo uma obra aberta, pôde acompanhar a realidade que o País estava a atravessar nesse momento. E foi fundamental o José Eduardo Moniz para mudar o rumo da história, porque foi ele que deu a volta e melhorou ainda mais a novela.
Leia a entrevista completa na edição número 923 da VIP.
Texto: Luís Peniche; Fotos: Luís Baltazar; Produção: Nucha; Cabelos e maquilhagem: Vanda Pimentel, com Produtos Maybelline e L’Oréal Professional
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