Era uma menina de sucesso na ficção nacional, mas tornou-se numa mulher infeliz que se perdeu no mundo da droga. "Eu, Sara, Me Confesso" é o livro que conta como Sara Norte se entregou ao vício e ao tráfico até acabar por perder a liberdade.
No seio de uma família instável, a filha dos atores Vítor Norte e Carla Lupi aproximou-se das pessoas erradas e encontrou nas drogas uma forma fácil de acalmar o espírito e ganhar dinheiro, o que lhe destruiu a vida. Numa das muitas viagens a Marrocos para traficar haxixe, a jovem foi apanhada e condenada a 16 meses de prisão, e foi no centro penitenciário de Botafuegos que lhe anunciaram a morte da mãe. Hoje, com 28 anos, a atriz luta para recuperar a estabilidade e não desperdiça as novas oportunidades.
VIP – Já tinha pensado em escrever esta autobiografia antes de ser presa?
Sara Norte – Não, comecei a escrever na prisão porque não tinha com quem falar. As pessoas não falavam a minha língua e isto foi um escape. Poucos dias depois de sair fui a um programa de televisão e, a partir daí, fui contactada por várias editoras que me deram a oportunidade de escrever um livro. Acabei por entrar em acordo com a Leya, porque foi a editora com que me senti mais acompanhada e me fez a melhor oferta.
Como se sente ao vê-lo concluído?
É um pouco estranho olhar para um livro e ver-me na capa. Sinto que me expus muito, mas era necessário para fechar este capítulo. A partir de agora há um capítulo da minha vida, do meu passado, que se fechou.
Mudaria alguma coisa no resultado final?
Não, porque o livro é a minha história de vida. Se mudaria a minha história de vida? Se calhar, sim; se calhar, tinha feito tudo de outra forma, mas, assim, serve para eu aprender. Na vida aprendemos, ou não, com os erros. No meu caso, acho que serviu de lição. Mas, no livro, não mudava nada, porque é a minha história, não há como a mudar.
Escolheu como título "Eu, Sara, Me Confesso". Podemos ler confissões inéditas suas?
São mesmo confissões, coisas que nem a minha família sabia que se tinham passado comigo. Portanto, são mesmo revelações e confissões, mas penso que, nessas confissões, acabo por justificar algumas escolhas.
Alguma vez sentiu que a sua família não a compreendia?
Sim, houve alturas em que não me senti compreendida, mas isso também só aconteceu porque eu me afastei. Se calhar, a culpa não é deles, mas minha, porque andava numa vida que não era compreensível. Quem me amava, ou ama, nunca iria aceitar o meu tipo de vida. Claro que me senti incompreendida, mas agora está tudo resolvido.
O livro contribuiu para isso?
Talvez eles agora consigam perceber certas atitudes, até porque a minha família conhece-me melhor do que ninguém.
Precisou de muito apoio para o escrever?
Mais ou menos. É um processo individualista. O livro é como um diário da minha vida e fiz tudo sozinha. A minha família só teve acesso a ele quando já estava concluído. No entanto, precisei de apoio naquelas vezes em que chegava a casa mais em baixo, porque revivi momentos do passado, mas foi uma fase individualista que me obrigou a aprender a dar forças a mim mesma.
Valeu a pena remexer no passado para escrever a sua história?
Foi doloroso, chorei muito. Ao final do dia sentia-me pesada, mas, ao mesmo tempo, foi bom. Era necessário eu deitar tudo cá para fora. Nunca vou esquecer o meu passado, mas agora vou centrar- me noutras coisas.
É verdade que vai enviar um exemplar do livro às suas colegas de prisão?
Claro que sim. Tanto para elas como para o meu educador e para o meu treinador. Para as pessoas que, lá dentro, foram importantes para mim e contribuíram para eu ser uma Sara diferente.
Essas pessoas sentem orgulho em si?
Penso que as minhas colegas estão muito orgulhosas porque, apesar de terem noção de que eu era uma pessoa com alguma visibilidade em Portugal, acho que não tinham ideia de que era tanta. Para elas, é importante expor o que se passa dentro das prisões. Vão achar engraçado rever a Sara que viveu com elas quase como irmã – porque, lá, éramos como irmãs – e verem que endireitei a minha vida. Sempre que me ligam estão contentes, rimos e brincamos, e o que eu desejo é que elas, quando saírem, também tenham oportunidades.
O que se passa nas prisões?
É um sítio muito complicado. Penso que se percebe bem no livro o que se passa nas prisões. Tudo se consegue superar, o ser humano tem uma grande capacidade de adaptação, mas há situações de injustiça e de racismo.
Quando foi detida, já estava com 14 meses de pena suspensa exatamente pelo mesmo crime e o acordo, para manter a suspensão, era não repetir o delito. No entanto, esta condição não a fez recuar. Porquê? Claro que tive medo e foi uma situação que tive de ponderar, mas foi num momento de desespero, em que eu não tinha nem um euro para comer. Fui pedir a certas pessoas um prato de sopa e não me deram. Senti-me muito desamparada e decidi arriscar. Apesar da minha liberdade estar em jogo, teve que ser, não havia outra hipótese.
A solidão fê-la perder a noção do perigo?
Exatamente, eu estava completamente desesperada e não era eu. A droga mexe com as pessoas e eu não estava em mim. Se fosse hoje, teria agido de outra forma, teria pedido ajuda e sido menos orgulhosa.
Depois de se perder a liberdade, qual é o sentimento que fica?
Agora, tenho a perfeita noção de que a liberdade é uma coisa que o dinheiro não paga. Acho que dou valor a pequenas coisas a que, na altura, não dava, como um banho quente, um garfo, uma faca de metal.
Como foi viver a morte da sua mãe tão longe de casa?
Foi o pior momento que lá vivi. Se bem que acabei por estar um pouco mais protegida, não tive que encarar a situação cá fora. Foi muito doloroso porque não pude estar com a minha família. A minha mãe era aquela pessoa que estava sempre lá para mim, mas eu acredito que, onde quer que ela esteja, estará à minha espera e é a minha estrelinha.
Alguma vez a culpou?
A minha mãe não tem culpa de nada, nunca teve. Nem o meu pai. Eu fiz as minhas escolhas e terei de viver com elas para sempre. Nunca culpei a minha mãe. Pelo contrário, tenho que lhe agradecer ter-me feito a mulher que sou hoje, com os valores que tenho hoje. Muitas vezes, ela dizia-me que não sentia vergonha por eu ter sido presa ou por ter feito strip, mas teria vergonha se tivesse uma filha sem valores, que não fosse humilde. Nesse sentido, penso que a minha mãe estaria muito orgulhosa de mim e nunca a irei culpar de nada.
No livro aborda o episódio em que o seu irmão se viu envolvido em drogas?
Eu fui presa por tráfico internacional, o meu irmão teve problemas com a justiça, mas por um assunto diferente. Ele já cumpriu o que tinha de cumprir, foi uma parvoíce de miúdos. Falo do meu irmão no livro porque ele é fundamental na minha vida. Neste momento, tem a escola, objetivos de vida e um futuro todo pela frente. Penso que aprendeu um pouco com o meu exemplo e que a vida do crime não leva a nada.
O livro divide-se em 15 capítulos. Há algum que tenha um significado mais especial?
O da minha infância. Eu gosto dela e foi bom recordar essa parte. Há coisas que as pessoas não conhecem da minha infância. O capítulo da minha mãe foi o mais difícil de escrever.
No futuro, o que vai representar para si este livro?
Sei que, ao longo da minha vida, haverão pausas em que vou agarrar no livro e lê-lo outra vez. E vou, com certeza, dá-lo aos meus filhos e aos meus netos. Espero que seja um exemplo e este livro serve, essencialmente, para isso.
Como é agora o seu estado de espírito?
Estou contente por estar a refazer a minha vida, já consegui fazer um bocadinho de tudo desde que saí. Estou receosa também, para ver se no futuro vão continuar a dar-me oportunidades no mundo da representação, mas estou com muita força e, mesmo que não sejam dadas, cá estou eu para lutar, quer seja nessa área ou noutra. Sinto-me uma pessoa forte. Estou muito contente.
Constituir família faz parte dos planos?
Pode acontecer, isso não se planeia. Claro que, no futuro, gostaria de ter a minha família e os meus filhos e poder dar-lhes a estabilidade que eu não tive. Neste momento, é cedo, estive muito tempo afastada e tenho que recuperar uma estabilidade profissional. Portanto, quem sabe, num futuro longínquo…
Com um livro escrito e de volta à televisão, sente-se uma mulher realizada?
Neste momento, sou uma mulher realizada e muito feliz em termos profissionais. Vamos lá ver o que se segue.
Texto: Laura Santos; Fotografia: José M. Marques; Produção: Romão Correia; Cabelo e maquilhagem: Ana Coelho com produtos Maybelline e L’Oréal Professionnel
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