Simone De Oliveira
“A cultura sempre esteve numa fase complicada em Portugal”

Felizmente, a música tem destes acasos: o grupo portuense As Três Marias lançou o seu segundo álbum, Bipolar, há cerca de um ano e, para os espetáculos, encheram-se de coragem e convidaram Simone de Oliveira a cantar uma versão de No Teu Poema, de José Luís Tinoco e popularizada por Carlos do Carmo, em 1976, no Festival da Canção. A parceria correu tão bem que Simone gravou o tema com As Três Marias e o álbum acabaria por ser relançado recentemente com esta faixa bónus.

A química entre Simone e as “Marias” (Cristina Bacelar, voz, guitarra, letras e composição; Fátima Santos, acordeão; e Ianina Khmelik, violino) funcionou tão bem que a cantora tem sido convidada regular nos espetáculos do grupo.

Reunimos as quatro no magnífico Teatro da Trindade, para uma conversa bem-disposta.

As Três Marias vêm de áreas diferentes, mas com um denominador comum, a música; como é que se conheceram e juntaram neste projeto?
Fátima Santos – O início só podia ser à maneira d’As Três Marias. Foi em 2008. Conhecia a Cristina dos Frei Fado d’El Rei e ela conhecia-me doutro projeto, A Musa ao Espelho, em que eu tocava com a Ianina e, num dia de Carnaval, a Cristina convidou-me para tomar um café, falou do projeto e… tudo começou a rolar.
Cristina Bacelar – Só nos podíamos ter encontrado num dia de Carnaval, porque As Três Marias vivem muito da cumplicidade e de muito humor, boa disposição.

Independentemente dos vossos percursos musicais, este projeto deve dar-lhes um imenso gozo, tanto a compor, como em palco…
FS – Sim e neste disco está muito de nós. Gravámos o Bipolar em ensemble e quisemos também trazer para o disco um bocadinho daquilo que acontece nos concertos, ao nível da intimidade musical que existe entre nós. Ao vivo, há sempre o lado sério enquanto executantes e como encaramos a nossa música e o que pretendemos com ela, mas através da Cristina, que é a frente do projeto, também há algum humor e boa disposição.

O tango é, sem dúvida, um território onde se sentem bastante à vontade…
FS – Uma das vantagens de As Três Marias é assumirmos as influências que cada uma de nós tem e o próprio percurso artístico enquanto instrumentistas.
Ianina Khmelik – Mesmo vindo da parte clássica, já toquei com várias bandas de rock. Gosto muito de fazer arranjos do Jimi Hendrix, por exemplo. No espetáculo, fazemos um arranjo de um dos temas dele, do Fire, antes do VideoMaria, que é dos GNR, e isto dá outra cor… A Cristina traz a guitarra flamenca, que tem também muita influência no tango, no fado, fado canção…
CB – O fado aparece mais como conceito, embora nós tenhamos um tema neste Bipolar, o TangoMaria, em que a minha voz se pode aproximar do fado, mas existe sobretudo pelo significado da própria palavra fado (como destino) e o destino também é um bocado aquilo que nós vivemos e que transmitimos para este trabalho.

Como surgiu a cumplicidade com a Simone de Oliveira?
CB – Foi um convite que lhe lançámos. Gostamos dela, por tudo o que representa para a música portuguesa. Ela não conhecia o projeto, mas gostou e a partir daí fizemos um espetáculo conjunto que correu muito bem e decidimos registar o momento. Tem a ver também com o facto de este álbum ser um disco de cumplicidades e de partilha e com a Simone aconteceu isso. Esta faixa acaba por ser uma forma de mostrarmos às novas gerações que, se calhar, nunca iriam ouvir o No Teu Poema ou outras músicas que fazem parte desse espólio da música ligeira portuguesa. Esta é uma oportunidade de mostrar aos mais novos o que se fazia naquela altura, em que se ligava muito bem a palavra dita e a música.

E o futuro, o que vai trazer às Três Marias?
FS – Já temos concertos marcados e estamos a trabalhar no próximo disco.
CB – A piada está nos cruzamentos que fazemos, entre a música clássica, o rock e outras sonoridades. O próximo disco vai trazer grandes novidades…

Simone, como se sentiu agora a cantar o No Teu Poema, com um arranjo tão diferente?
Simone – Quando se faz com paixão e amor e quando os músicos são bons, é um problema de inspiração e do momento, entre a alma e o coração, não tem nada de difícil explicação.

Como é que a Simone vê o que se está a passar atualmente com a nossa cultura, consequência óbvia desta crise que se arrasta?
Acho que enquanto não houver memória não há país. A cultura esteve sempre numa fase complicada em Portugal, desde que me lembro de mim. Enquanto não houver um ministro da Cultura que perceba que a cultura do nosso país também tem um lado popular e simples, que é o meu, não vamos a lado nenhum… Há a cultura erudita, mas eles também tiveram o Carlos Paredes, que tocava guitarra como ninguém, e deixaram morrer aí num canto, sem lhe fazerem nada… Valeu a pena? Sim, só por termos tido o Carlos Paredes, mas se perguntar quem ele foi, a maior parte das pessoas não sabe. Continuamos à espera que alguém se lembre dos fadistas, dos acordeonistas, dos bailarinos de cabaret, das bailarinas de revista, que ainda os há, de uma cultura simples e popular, mas que está cá e que existe e que tem de ser respeitada. Da música mais ligeira, temos uma ótima música de folclore, cheia de prémios… Mas onde está a famosa lei dos 80% de música portuguesa?

Texto: Luís Peniche; Fotos: Bruno Peres

Leia a entrevista na íntegra na edição n.º 936 da sua revista VIP, nas bancas

Siga a Revista VIP no Instagram