Marina Mota
“Cruzam-se comigo e passado algum tempo chamam-me mãe”, conta MARINA MOTA

Famosos

A actriz fala sobre os filhos de coração que surgiram na sua vida
Com 48 anos, Marina Mota conta com quase quatro décadas de carreira. Um facto ao alcance de poucos, mas que não é suficiente para ter programas em televisão. Numa entrevista marcada pela emoção, Marina Mota fala sobre a ausência do pequeno ecrã, da filha Érica e dos “filhos de coração” com quem partilha a vida.

Dom, 27/03/2011 - 0:00

 Com 48 anos, Marina Mota conta com quase quatro décadas de carreira. Um facto ao alcance de poucos, mas que não é suficiente para ter programas em televisão. Numa entrevista marcada pela emoção, Marina Mota fala sobre a ausência do pequeno ecrã, da filha Érica e dos "filhos de coração" com quem partilha a vida.

VIP – Que balanço faz dos quase 40 anos de carreira?
Marina Mota – Faço um balanço positivo. Chegar a algum lado de modo efémero neste país, até nem é difícil. A dificuldade está em manter determinado estatuto e trabalhar activamente. Ao fim de 40 anos continuo a trabalhar, o que é um privilégio.

Consegue eleger um momento alto?
Ligo muito a pormenores e tenho histórias maravilhosas ao longo da carreira. Mas aquilo que mais me impressiona são frases que, por vezes, acho excessivas do ponto de vista da admiração que as pessoas nutrem por mim. Às vezes olho-me ao espelho e não consigo entender as razões desse apreço. Isso é uma dádiva e agradeço todos os dias.

Porque não está na televisão?
Perguntem aos directores das estações. Não sou a pessoa indicada para responder.

Mas pensa nos motivos dessa ausência?
Já não paro para pensar. Sou uma pessoa humilde, mas há uma expressão popular que diz “modéstia em demasia é estupidez” e não sou estúpida. No fundo, posso achar ligeiramente estranho, porque posso dar-me ao luxo de dizer que talvez tenha sido a única produtora de televisão (e não estou a falar de mim enquanto actriz) que nunca apresentou um flop. Tenho o privilégio de dizer que todos os projectos que apresentei, mesmo não sendo protagonista, estiveram sempre nos primeiros lugares do top de audiências. Provavelmente foi por isso (risos).

Recorda-se de algum episódio que a pudesse ter prejudicado?
Não. A única coisa que me pode ter prejudicado, e irá continuar a prejudicar se for algo que prejudica, é a minha frontalidade. Independentemente de falar com pessoas de poder defendo afincadamente os meus ideais e dou a minha opinião.

É um contra-senso não ter programas, mas ser convidada para participar em quase todos os programas da televisão…
Pois. Mais uma vez, remeto a resposta para alguém de direito. Estou disponível e aceito participar desde que o projecto seja aliciante. Ao fim de 40 anos não há necessidade de provar nada. Sabem que existo e que tipo de trabalho posso desempenhar.

Nessas participações nunca teve nenhuma conversa com directores?
Não me cruzo com directores nas gravações. Surgem conversas sobre possibilidades de trabalhos de
continuidade. Porque não são levados a cabo? Mais uma vez não sei.

A ausência provoca-lhe algum tipo de sentimento, como revolta ou mágoa?
Não. Fui uma privilegiada porque trabalhei anos com regularidade em televisão. Sou uma privilegiada porque todos os programas que fiz em televisão são recordados pelas pessoas. Sou uma privilegiada porque embora tenha feito imensos personagens que as pessoas gostaram de ver, o meu nome continua a ser Marina Mota. Nunca me chamaram outra coisas, conseguem fazer a distinção entre a actriz e a personagem que veste, ao contrário de alguns colegas. Portanto, frustrada porquê? Estar afastada da televisão só provoca menos visibilidade. Não provoca menos trabalho ou trabalhos menos importantes. Deixei de fazer televisão com regularidade em 2003. Desde então, além das presenças pontuais em quase todos os programas das grelhas televisivas das diversas estações, fiz uma incursão pelas novelas, fiz duas revistas no Parque Mayer de que muito me orgulho, fiz um espectáculo itinerante e actualmente estou com uma comédia de itinerância que está em cena desde Setembro do ano passado. Não tenho razões para estar triste ou frustrada, pelo contrário.

Os actores costumam dizer que os trabalhos em televisão são a principal fonte de rendimento que lhes dá equilíbrio financeiro. É fácil viver sem a televisão?
Vim de uma família muito humilde. Tanto como num restaurante de luxo como numa tasca, o que me importa é estar bem. A vida é um bocadinho madrasta nisso porque passamos a vida inteira a tentar conseguir coisas e outra a tentar mantê-las. Não sou uma pessoa de ostentação, mas de gostos simples. Gosto de estar muito bem, mas isso não significa estar sempre hospedada em hotéis de cinco estrelas e viajar em executiva. Não se ganha a mesma coisa fora da televisão, mas até hoje tenho conseguido administrar a minha carreira e a parte financeira. Continua tudo a correr dentro da serenidade, sem grandes dramas.

Na comédia Três em Lua-de-Mel trabalha com o seu ex-marido, Carlos Cunha.
Trabalhar com o Carlos Cunha é recorrente. Somos dois actores com uma grande cumplicidade. É algo que resulta, mas mesmo quando estávamos casados não era proposta nossa trabalharmos juntos, pelo contrário, porque gostávamos de separar as coisas. Mas as pessoas gostam de nos ver juntos e não havia razão para negar esse prazer ao público. Neste género de trabalhos será sempre um dos meus actores de eleição.

Outra das actrizes é a sua filha Érica.
A Érica foi uma surpresa para mim enquanto mãe, directora de actores e encenadora. Nasceu neste meio, cresceu em vários teatros e nunca sentiu nenhuma apetência para este género de trabalhos. No espectáculo passado ela quis fazer parte da equipa técnica e posteriormente foi convidada para fazer dobragens. Acho que ficou para ali um "bichinho". Fez um ensaio de leitura e achei que tinha capacidade para desempenhar o personagem que faz na peça.

É muito exigente com ela?
Sou muito exigente com todos.

Mas é fácil separar a mãe da encenadora e directora de actores?
É muito fácil. Aos 24 anos alguém achou que eu tinha capacidade para ser directora de cena, mesmo com elencos com gente de muito prestígio e foi sempre muito fácil para mim gerir isso. Acho que o rigor e a disciplina, e acima de tudo a imparcialidade, são fundamentais para existir um bom ambiente de trabalho. Por isso, sou exigente com todos.

Quando vê a sua filha a representar é como se recuasse ao início da sua carreira?
Não. Os portugueses fazem muitas comparações e sempre fui contra isso. Quando me estreei diziam que era a nova Ivone Silva. Depois, o Vasco Morgado dizia que era parecida com a mãe dele, Laura Alves. Não queria ser a segunda, mas a primeira Marina Mota. Cada pessoa é uma individualidade, apesar de poderem existir algumas semelhanças. Não tenho que identificar a Érica comigo, é uma actriz a crescer.

Gostava que seguisse esta área?
Ela é que tem de gostar. Quero que os meus filhos estejam felizes. A Érica, seja qual for a sua escolha, terá sempre o meu apoio.

Que futuro prevê para a Érica?
Esta profissão não é, nunca foi e nunca será a minha estrutura base. Ou seja, não é para a minha profissão que vivo. Respeito-a muito, mas não adormeço nem acordo a pensar no teatro e na profissão. Graças a Deus tenho uma profissão que respeito muito e que gosto de servir e não de me servir dela. É um trabalho completamente inseguro e nunca sabemos o que vai acontecer amanhã. Já me habituei a não fazer projectos a longo prazo e o conselho que dou é que saibam administrar a vida com uma visão muito fria da situação porque nascem actores todos os dias num país que não tem mercado para os receber. Temos de ter consciência disso e pensar que se acontecem fases de esquecimento aos outros também poderá acontecer a nós. Temos de saber lutar contra isso e de preferência ter outros materiais “de guerra” para continuar a trabalhar.

Ser mãe aos 20 anos condicionou a sua vida e carreira?
Em nada. A vida é maravilhosa e temos que saber gerir tudo, desde o tempo de trabalhar ao tempo de ser mãe. Trabalhei até aos nove meses de gestação e a gravidez não é uma doença, mas um estado maravilhoso. Quando a Érica nasceu tive o apoio da minha mãe. Foi fácil e foi bom porque agora tenho uma filha com uma idade muito próxima e sou avó sem o espírito de avó.

É a mãe que sempre sonhou?
Não há cursos para ser mãe ou pai. O meu objectivo sempre foi o de ser equilibrada. Costumo dizer que a Érica abdicou muito mais da sua vida pelos filhos do que eu por ela. Ser mãe não implica anularmo-nos, não há essa necessidade. Nunca me vi como uma dona de casa a tomar conta dos filhos e continuo a não me ver assim. A Érica esteve quase cinco anos em casa como mãe. Sou mãe de uma forma equilibrada, não sou mãe-galinha. Acho que se voltasse a ser mãe teria a mesma atitude.

Só tem uma filha biológica, mas tem filhos de coração…
Deve ser karma, tal como o teatro e a minha profissão. Não escolhi cantar e quem conhece a minha profissão desde o início sabe que nunca sonhei ser cantora nem fadista, o que gosto de dizer que sou. Também não sonhei ser actriz e fui mãe com muito carinho sem ser projectado. Em relação aos filhos de coração, também não os escolhi. As pessoas cruzam-se comigo, ficam na minha vida e passado algum tempo chamam-me mãe sem eu saber porquê. Nunca adoptei nenhuma criança. As crianças, mais os adolescentes, surgem na minha vida e vão ficando, vou sendo mãe e eles meus filhos.

São crianças problemáticas a quem deu a mão ou que se cruzaram consigo por qualquer motivo?
Os dois casos. Tenho filhas que têm pais maravilhosos e não sei porque vivem comigo e me chamam mãe. E tenho uma filha que vem de uma família problemática, daqueles casos onde a Segurança Social interfere…

O que sente por ter a capacidade de mudar a vida de alguém?
É a nossa função. Quando tinha 20 anos achava que sim, mas sei que não posso mudar o mundo. Não faz nenhum sentido estar muito bem se ao meu lado estiver alguém muito mal. Há pessoas que conseguem ser felizes assim, eu não. Não sou indiferente e espero que a vida não me torne indiferente.

Porque não teve mais filhos biológicos?
Não sei. Os filhos biológicos são projectados e nunca quis ter nada na minha vida. Nunca tive ambições desmedidas em nada. A Érica aconteceu numa relação fantástica. A responsabilidade de pôr uma criança no mundo é diferente de acolher uma que já cá está porque essa já nasceu e alguém não pensou. Uma criança é uma continuidade nossa, mas é também um acto de amor. Os filhos são maravilhosos, mas não são um projecto… e não aconteceu ter mais.

Como é que a Érica lida com os irmãos?
Lindamente. É um coração maravilhoso.

Sai à mãe?
Não sei (risos). É fantástica e tem uma capacidade de se dar maravilhosa. É um orgulho enorme vê-la assim.

Sente falta de tudo o que envolve um casamento e uma relação amorosa?
O casamento é um papel. Sinto falta porque sou uma mulher de afectos, de toques, abraços, beijos, de namorar e de me sentir apaixonada. Isto não está longe do meu horizonte e continuo a querer muito encontrar uma pessoa com quem partilhe a minha vida porque isso é o mais maravilhoso do mundo.

Não era capaz de viver sem afectos, mas dispensa bens materiais…
Isso não me diz nada. Tão depressa vou para o campismo como fico hospedada num hotel muito bom, mas não é isso que me move. Adoro comprar roupa no chinês e não gosto de ostentar etiquetas. A ostentação para mim não existe. Tenho uma casa maravilhosa que lutei muito para a construir, mas não é a minha bandeira.

Aparenta ser uma mulher muito forte.
Considero-me uma mulher forte porque não baixo os braços e porque continuo a lutar para trabalhar. Invento trabalho para fazer, o meu mercado de trabalho. Sou forte porque mesmo em caso de fragilidade de saúde não me deixo ir abaixo. É claro que tenho fragilidades. Gosto de carinho e que se preocupem comigo.

Tem medo do avançar da idade?
Não tenho medo e gostava de andar cá mais dois séculos (risos). Sei que tenho de morrer, tal como toda a gente. Lido bem com isso, mas tento sempre sentir-me bem, sendo que o aspecto interior é o mais importante. Com isto não quero dizer que não corrija algo que a idade me traga.

Tem o reconhecimento que merece?
Este país dá muito valor às pessoas depois delas morrerem. Quando se está muito doente é fácil ser capa de revista. Se fosse ambiciosa, diria que não tenho. Não sendo, as manifestações de carinho que tenho chegam e sobram para ser feliz.

Texto: Bruno Seruca; Fotos: Bruno Peres; Produção: Manuela Costa; Maquilhagem e cabelos: Ana Coelho, com produtos Maybelline e L´Oréal Professionnel;  

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