Carina Rodrigues
Abre o coração para falar da morte dos filhos: “Escondi todas as minhas dores”

Nacional

Carina Rodrigues, irmã de Fanny, perdeu os gémeos há três meses e revela agora, num relato impressionante, como uma infeção urinária levou a morte dos bebés.

Qua, 03/08/2022 - 13:45

Carina Rodrigues, irmã de Fanny, perdeu os filhos gémeos há três meses, frutos da relação com Giovanni Miranda. Foi com a voz embargada e de lágrimas nos olhos que a jovem de 20 anos esteve no Dois às 10, esta manhã de 3 de agosto, para contar como tudo aconteceu e como uma infeção urinária despoletou este desfecho. Delman e Enzell nasceram aos seis meses e viverem 18 minutos cada um.

Carina Rodrigues começou por contar que quando soube que estava grávida contou de imediato ao namorado e à mãe que achava que o teste era positivo para a covid 19. A gravidez corria normalmente, apesar de haver sempre alguns altos e baixos.

“O primeiro susto foi que um podia ter trissomia 21, mas depois percebemos que não. No inicio do mês de maio, fiz uma ecografia. Eu tinha muitas dores nas costas, muito inchaço nas pernas, mas como estava a começar o calor, achei que era retenção de líquidos. Mas apercebemo-nos que o Delman estava a fazer pressão no meu rim direito e que isso cria mais probabilidades para infeções urinárias. Logo aí comecei a tomar medicamentos para a infeção urinária para prevenir, apesar de ainda não ter sido detetada, e no dia 3 de maio foi detetada a tal bactéria no meu chichi que acaba por matar os meus filhos”, começa por contar a irmã de Fanny.

“Os médicos decidiram que eu tinha de ficar em casa por causa da posição do trabalho, estou eu a fazer a minha vida, quando na quinta-feira não tinha sinais de nada a não ser o que depois me apercebi do que era. À tarde, tive uns corrimentos maiores do que o normal, liguei para o médico e disseram-me que era da gravidez, que como estava a tomar os antibióticos o corpo limpa. ‘Ok, então é normal’, pensei. Os meus filhos continuavam a mexer, até ao último momento estavam comigo. Na sexta-feira de manhã, faço a minha vida normal, tomo o pequeno-almoço, as minhas vitaminas, senti-os a mexer, e quando me deito na sala, eram 10.30 comecei a sentir uma pressão abaixo da barriga como uma dor de período. E percebi que algo não estava bem. Sempre me explicaram que as contrações começam com essas dores de período. E às 10.53 ligo para as urgências”, conta a irmã de Fanny.

Ao telefone dizem a Carina Rodrigues que “as contrações têm de ser controladas, que uma gravidez de gémeos por norma nunca vai até ao fim”. E no espaço de 5 minutos eu senti que algo não estava bem e disse que não podia esperar até à tarde. Ela disse para eu ir às urgências e nisso ligo à minha madrinha para ir comigo porque achava que os meus filhos não estavam bem. Começo a sentir que o corpo descontrolou, eu senti que algo não estava bem, não percebi que os ia perder, e desço as escadas com muita dificuldade, tive de ir no carro deitada, os enfermeiros vieram-me buscar e eu pedi para me esquecerem, eles é que são o futuro eu já não sou nada. Eles só me disseram que iam tratar de nós todos da melhor forma”, conta Carina Rodrigues.

A jovem pediu para que não lhe escondessem nada e para serem os mais sinceros e realistas. “A médica que me estava a examinar não me conseguia olhar nos olhos e falava mais com a minha madrinha do que comigo. Isso começou-me a irritar. Ela disse que eu estava com 9 dedos de dilatação e que estava em trabalho de parto e que o meu primeiro filho estava a nascer. Eu sabia que nascer com seis meses era muito cedo”, partilha a irmã de Fanny.

“Ainda é muito difícil lembrar-me de tudo. Mas eu berrei e disse não podia ser porque eles não iam aguentar. Eu sei que naquele momento vou perder os meus filhos. A minha madrinha estava desesperada, a ligar para os meus pais que estavam em Portugal”, conta a jovem cantora e irmã de Fanny.

Carina explica que o pai dos bebés estava a trabalhar e que assim que soube foi a correr para o hospital. “O pai estava a trabalhar e é estranho porque quando ligam ao pai para dizer que os filhos vão nascer é para trazer a mala… eu não tive coragem de ligar, foi a minha madrinha, o Giovanni vem logo a correr e quando ele entra eu estava deitada com as mãos na barriga a pedir um milagre. Eu só disse ‘mor’.. Veio para o meu lado e estivemos ali à espera que nos viessem buscar. Fomos para a sala de parto e nisso ficamos ali”, partilha, explicando que até aqui nem os pais nem Fanny sabiam do que verdadeiramente se estava a passar.

“Aparece uma equipa cheia de médicos em que um avança para mim e diz, nós podemos tentar salvar o segundo bebé. Disseram que eu era a quarta pessoa a quem iam fazer esta técnica, uma conseguiram salvar o filho, outra perdeu o bebé e a outra senhora o bebé nasceu com complicações. Tinha 15 minutos para tomar a decisão, se tiravam os dois ou se tentamos salvar o segundo”, conta Carina, sublinhando que disse logo que queria tentar.

“Eu decidi que queria salvá-lo. A equipa médica prepara-nos que o bebé vai ser pequenino, que os pulmões não são suficientemente maturos ainda. Prepararam-me para tudo. Entrei no bloco, comecei a cantar a música para eles, eu sempre falei para eles. Quando a enfermeira vem com um embrulho pequenino, eu começo a chorar e não é de tristeza, é mesmo de felicidade. ‘Vou conhecer o meu filho’. Eu arranco tudo das mãos… e quando o meu filho estica assim a mãozinha era como se ele estivesse a dizer ‘olá mamã’, era o primeiro, o Enzell, eu falei com ele, cantei para ele. Eu só dizia que ele tinha de ir quando ele quisesse, que toda a gente o amava muito, mas que ele ia ter uma vida melhor lá em cima. eu disse: ‘sabes meu filho é preciso ter muita coragem para se ficar aqui, mas mais coragem se precisa para se ficar lá em cima a olhar por nós’.”

Carina Rodrigues: Irmã de Fanny teve com os filhos 18 minutos

Carina Rodrigues conta como foram os minutos seguintes, com um bebé ao seu lado e o outro ainda na barriga. “Eu fiquei a ver o meu filho a reagir, a tentar respirar como bem me avisaram, peço para chamarem o Giovanni, e foi como se eu estivesse a perder as minhas forças porque vê-lo a querer respirar e a não conseguir era para mim o pior sentimento que se podia ter. E quando eu olho à volta estava a equipa a acariciar o meu filho e eu gritei a dizer que ele é lindo e que parecia um ratinho que tinha assim um nariz todo pequenino. Ele esteve comigo 18 minutos. Nasceu às seis e morreu às seis e dezanove. Ficou comigo até ao fim. Despedi-me dele, eu fiz tudo o que eu queria. Agora percebo que devia ter dado ordem mais cedo para adormecer o meu filho. Eu não queria que aquele momento acabasse. E quando nós ficamos só os três, nós não chorávamos, ficamos a olhar para ele”, partilha.

O outro bebé ficou na barriga mais um dia. “O Delman nasceu um dia depois, a 15 de maio. Apesar de estar rodeada da equipa médica, da minha família, a minha madrinha, sogra e namorado nunca saíram da minha beira, o sábado foi muito difícil. Eu escondi todas as minhas dores. Só se começaram a aperceber no fim em que eu tinha uma contratação de três em três minutos, eu batia com a cabeça na cama para ver se o meu cérebro sentia a dor noutro sítio. Quando eles vêm fazer a última ecografia, e isso magoa muito, ele já tinha ocupado o espaço de um bebé normal, estava todo esticadinho, o pior era eu, a casa não estava segura, o ambiente não estava firme”, recorda a irmã de Fanny, para depois acrescentar:

“Quando o médico me pergunta se eu estou bem eu respondo que sim. Quando o Giovanni aparece percebe logo que não estou bem. Estou com 42 graus de febre, estou desidratada, eu enervo-me, ele enerva-se porque eu não queria que ele dissesse a ninguém. Ele vai chamar a enfermeira e diz que eu estou a fingir e que estava com dores. Elas fazem as análises que têm a fazer e a seguir vem o medico. Eu percebi logo. Disse ‘Não vou, não quero’. Senti-me culpada porque por causa de uma bactéria que eu não sei de onde veio o meu útero não estava a aguentar e isso é complicado sentir que uma parte de mim está a falhar. Estavam a pedir para eu matar o meu filho. Pedi à minha madrinha, ao Giovanni e à minha sogra para não dizerem nada a ninguém, para não avisarem que eu ia perder o meu segundo filho.”

Carina Rodrigues já não tinha mais forças e por isso adormeceram-na. “Quando acordei já tinha acontecido, estive com ele. Os 18 minutos que ele viveu foi com o pai, o mesmo tempo que o irmão. Era maior com o irmão. A paz só a sentia quando os tinha comigo, colados ao meu peito”, partilha, revelando de seguida o momento em que contou aos pais. Carina não revelou o momento em que contou a Fanny.

“Quando eu perdi a paz foi no domingo quando o meu pai chega ao hospital. Eu sabia que ele não ia querer ver os meus filhos naquele estado. E quando ele chega eu disse (…) e quando eu vi o meu pai a chorar eu percebi, eles morreram, já não estão comigo. E aí é difícil, as questões vêm todas às cabeças”, conta.

Carina Rodrigues revelou ainda por que decidiu dar este entrevista e contar todo o sofrimento que passou. “Eu quando aceitei este convite foi também para alertar que uma infeção urinária não é só uma infeção urinária, ir várias vezes à casa de banho, foi o que me tirou os meus filhos”, termina.

Texto: Ana Lúcia Sousa

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