No dia 20 de setembro fez um ano que o mundo de Paulo Sousa Costa desabou. O pequeno
Paulinho, o filho com quem partilhava os melhores momentos da sua vida, morreu vítima de uma leucemia fulminante, pouco antes de fazer sete anos.
Passado um ano, o produtor de espetáculos continua a tentar “reconstruir-se”, na firme certeza de que nunca mais voltará a ser o mesmo. No entanto, e porque quer que o mundo recorde o menino dos seus olhos, encontrou uma forma de o homenagear e de fazer com que seja recordado na mesa-de-cabeceira de outras crianças, transformando-o no Dragãozinho Azul, um super-herói de caracóis louros que ajuda as outras crianças e transmite bondade ao mundo. Verde de Inveja é o primeiro título de um conjunto de histórias que irão abordar cada um dos sete pecados capitais.
Ciente de que ainda está a lutar pela sua própria sobrevivência, Paulo Sousa Costa tem contado com o apoio incondicional da namorada, Carla Matadinho, para tentar “voltar a ser o Paulo que era”.
VIP – Como surgiu a ideia deste livro infantil?
Paulo Sousa Costa – Quando tudo aconteceu, escrevi uma carta pública ao Paulinho e no seguimento dessa carta o editor da Leya, imagino que porque gostou da forma como escrevi, perguntou-me se não queria escrever um livro sobre tudo isto. Eu respondi-lhe que um dia esse livro havia de ser escrito, mas que não seria agora e que o que me apetecia escrever agora era um livro de literatura infantil. Isto porque nas centenas de mensagens que recebi, muita gente me dizia que eu agora tenho um anjinho no céu, então idealizei um anjinho no céu, meio menino, meio dragão, com o rosto do Paulinho, e com alguns superpoderes.
O processo de escrita foi doloroso, ou ajudou-o no momento que está a viver?
Não é fácil, mas a história do livro é uma história feliz e foi, sobretudo, um processo que eu encontrei para homenagear o meu filho.
Ele gostaria de ler Verde de Inveja, escrito pelo pai?
Sim, também tem a ver com isso. Eu sempre li muito e sempre fomentei muito a leitura com o Paulinho. Ele não se deitava sem uma história e no fundo gosto de pensar que vai haver pais e mães que vão ler estas histórias aos seus filhos.
Está quase a fazer um ano que o Paulinho partiu. A dor ameniza-se com o tempo?
Não. Temos é de aprender a lidar com a dor. Para uns o processo é mais rápido, outros demoram mais. Eu ainda não aprendi.
Tem de haver um trabalho interior, todos os dias?
Sim, claro. Eu tomo o tempo que for preciso. Quando foi preciso tomar alguma atitude em relação a isso nunca fugi, enfrentei sempre as coisas de forma lúcida. Para mim, isso é não desistir, a opção que tomei foi a de não desistir.
Tem-se refugiado no trabalho, ou tem uma outra perspetiva sobre a vida e acha que não faz tanto sentido?
Eu sempre tive essa perspetiva da vida. Trabalho, mas não da mesma maneira. Agora isso de aproveitar a vida, da dedicação aos outros, eu já fazia isso, participava em vários projetos de voluntariado e isso continuo a fazer.
Não fez terapia, durante este tempo, para ter ajuda profissional?
Não. Tentaram que eu fosse por esse caminho, mas eu não queria tomar comprimidos, não queria ir ao psicólogo. Se alguém achar que esse é o melhor caminho para si próprio, só tenho de concordar com a decisão, mas a minha opção foi sempre estar lúcido. Achei que o psicólogo não faria nada por mim e que os comprimidos me iam tirar da realidade, me iam fazer levitar. Não queria. Estou a lutar para voltar a ser o que era, depois o dia que deixasse de tomar os comprimidos, como seria? Preciso de viver isto, para conseguir sobreviver a isto. Darei sempre mais valor a uma conversa com alguém que tenha passado pelo mesmo. Uma coisa é a teoria, outra é a prática e, neste caso, acho que só quem passa pela mesma situação pode ajudar.
Imagino que o Paulinho nunca vai sair da sua vida, por mais tempo que passe…
Claro que não, nem da minha, nem da mãe, nem de todas as pessoas que o conheceram e que gostavam dele. Por isso quis fazer este livro. No fundo, agora o Paulinho é um super-herói. Vale o que vale para as pessoas, mas eu gosto de saber que o meu filho vai continuar a ser falado e neste caso lido nas camas de outras crianças.
Disse que recebeu e continua a receber imensas mensagens. Isso ajuda ou pelo contrário apetece mandar toda a gente embora e ficar sozinho?
Eu pensava que a reação normal seria querer ficar sozinho, mas não. Todos os dias eu lia as mensagens, de amigos e de pessoas que não conhecia e nunca conhecerei e respondi a cada uma delas. Sobretudo as mensagens de pessoas que passaram pelo mesmo que eu ajudaram-me muito, percebi que era uma luta que não era só minha. Eu não quero ser um coitadinho, muitas outras pessoas passam pelo mesmo e de alguma forma sou um privilegiado porque tenho oportunidade de homenagear o meu filho desta forma.
Vai usar a sua exposição mediática para ajudar pessoas que passem por este tipo de situação?
Sim, imagino que um dia hei de ir parar a uma associação das que já existem, ou noutra, porque percebi que as palavras ditas por pais que estão a passar pelo mesmo dão um significado muito maior. Eu fui ao funeral do Angélico, só com o intuito de falar com os pais e de lhes passar a mensagem de que desistir não é opção, porque é natural que quem passe por isso pense nessa saída.
A Carla (Matadinho), tem sido um grande apoio?
A Carla já era um grande apoio e não fazia sentido deixar de o ser. Para o bom e para o mau. Ela amava o Paulinho, o Paulinho adorava a Carla e, portanto, isto tudo é um processo a dois.
Mas para além de uma provação individual, é também uma provação para o casal, toda a dinâmica se altera. Como se reconstrói a relação depois de uma coisa destas acontecer?
Um minuto de cada vez. Não há nenhuma fórmula, aplica-se o bom senso, quando é possível.
Coloca a hipótese de voltar a ser pai no futuro?
O meu principal sonho sempre foi ser pai, queria ter cinco filhos. Depois da separação, claro que abrandei o sonho, porque não ia ter filhos só por ter. Era um projeto de vida, o Paulinho já me pedia um irmão, eu e a Carla já falávamos disso, já tínhamos esse projeto, mas agora ficou suspenso. As coisas mudaram de figura, porque a confiança que eu tinha na paternidade e na vida não é a mesma. Não posso ter um filho só porque aconteceu o que aconteceu, não posso ter um filho só porque o Paulinho me pedia um irmão, não posso ter um filho só porque as pessoas me dizem que tenho de ter um filho.
Tem medo de poder vir a ser um pai demasiado preocupado, de ter medo de voltar a viver isto outra vez?
Pensa-se nisso. Mas lá está, o Paulo de antigamente era destemido. Não era inconsciente, mas era destemido. Daí eu ter posto o Paulinho nos karts quando ele me pediu, eu não vivia com esse receio. Não consigo ter neste momento a relação de paternidade que eu tinha. Se acontecesse amanhã, não sou muito a favor do aborto em situações normais, portanto teria de resolver isso na minha cabeça, mas só o futuro o dirá.
Consegue ter momentos de alguma felicidade, por mais breves que sejam?
A felicidade é um estado que atingimos na vida consoante aquilo que nos rodeia. Uns atingem a felicidade através dos bens materiais, outros pelo lado espiritual, sentimental, porque têm a pessoa de quem gostam ao seu lado. Eu, neste momento, não consigo ser feliz. Quando se passa por isto, esses momentos de felicidade momentânea, um dia de sol ou uma boa notícia, nunca são suficientemente fortes. Não se consegue valorizar esses momentos, passa a existir uma maior indiferença. Não vou rir às gargalhadas, porque agora não consigo arranjar motivos para gargalhadas, mas tudo a seu tempo. Por enquanto, a luta aqui não é pela felicidade, é pela sobrevivência. A procura da felicidade é para quem vive, não para quem sobrevive.
Texto: Elizabete Agostinho; Fotos: Bruno Peres;
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