Dra. Catarina Lucas, psicóloga e Diretora do Centro Catarina Lucas explica:
A saúde mental foi colocada na ordem do dia no período de pandemia e numa fase em que muitas celebridades vieram a público dar a cara por um tema que assola o mundo inteiro, mas que poucos tinham a coragem de olhar e abordar de frente. Decidimos, finalmente olhar em volta e começar a dar atenção aos desafios que enquanto sociedade estamos a vivenciar e que enquanto indivíduos experienciamos. E quando paramos para observar, aquilo que encontramos começa a preocupar-nos. Os anos de negligência face à saúde mental conduziram a um adoecimento da população e das sociedades.
Tornou-se agora inegável que a saúde mental é um pilar fundamental para o bem-estar individual e coletivo. Com as mudanças rápidas que ocorrem constantemente no mundo moderno, a pressão sobre a saúde mental das pessoas tem aumentado, tornando essencial uma reflexão e ação em torno deste tema.
O impacto na produtividade na economia
A saúde mental desempenha um papel fundamental em todas as esferas da vida de indivíduo, influenciando a forma como pensa, sente e age. Uma sociedade que negligencia a saúde mental sofre um impacto direto na produtividade individual e, por extensão, na economia dessa mesma sociedade. É um dado conhecido que os problemas de saúde mental são uma das principais causas de absentismo – faltas ao trabalho e; presentismo – presença física no trabalho, mas com baixo desempenho. Ambos os fenómenos têm um impacto significativo na produtividade e, por consequência, na economia. Alguns estudos têm mostrado que a depressão e a ansiedade custam à economia global largos milhões de dólares por ano em perda de produtividade.
Por seu lado, uma saúde mental positiva estimula a criatividade e a inovação, competências cruciais num ambiente de trabalho competitivo e em constante mudança.
O impacto na relação com os outros
A saúde mental é fundamental para a qualidade das relações interpessoais, que, por sua vez, são a base de qualquer sociedade. O bem-estar mental interfere na forma como as pessoas se conectam, comunicam e “estão”. Quando uma pessoa vivencia uma boa saúde mental tende a ser mais empática e a estar mais disponível para a comunicação, o que facilita a resolução de conflitos e fortalece os laços familiares, amizades e relações profissionais. Na parentalidade, os pais passam a estar mais capazes de proporcionar um ambiente seguro e afetivo aos seus filhos, enquanto que os casais mantêm relacionamentos mais equilibrados e satisfatórios.
O impacto na educação
Quando a saúde mental é valorizada os alunos demonstram maior motivação, concentração e desempenho. Por outro lado, perturbações mentais como ansiedade e depressão podem prejudicar a capacidade de estudar e assimilar informação. Além disso, as dificuldades mentais e emocionais podem manifestar-se em comportamentos disruptivos na sala de aula, como agressividade, isolamento social ou dificuldades de relacionamento com colegas e professores. Por outro lado, o stress constante e a pressão para atender às necessidades dos alunos podem levar ao burnout em professores e educadores, afetando a qualidade do ensino e a capacidade de apoiar os alunos de forma eficaz.
O impacto na Saúde Física
A saúde mental e a saúde física estão intrinsecamente ligadas. O estado mental de um indivíduo pode influenciar tanto a prevenção quanto o desenvolvimento de doenças físicas. O estado emocional é hoje um conhecido fator de influência na gestão de doenças crónicas como doenças cardíacas, diabetes, hipertensão, entre outros. Além disso, os problemas de saúde mental podem aumentar comportamentos de risco, como o abuso de substâncias ou alimentação descuidada, bem como o desleixo no autocuidado e na capacidade de enfrentar problemas físicos que vão surgindo.
Quais as principais doenças mentais que afetam as sociedades modernas?
- Depressão: afeta milhões de pessoas em todo o mundo e pode levar a uma incapacidade significativa. Caracteriza-se por uma sensação persistente de tristeza e perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas.
- Ansiedade: tem-se tornado numa preocupação crescente, já que afeta uma parte significativa da população, nas suas diferentes manifestações e com impacto significativo.
- Burnout: cada vez mais diagnosticado, estando associada ao ambiente de trabalho. Esta condição resulta de um stress crónico no ambiente profissional, levando ao esgotamento físico e emocional e podendo resultar em afastamento do trabalho e dificuldade em retomar as atividades.
- Perturbações Alimentares: doenças como a anorexia, bulimia e perturbação de compulsão alimentar são graves e frequentemente resultam de pressões sociais e pessoais relacionadas à imagem corporal. Estas podem levar a sérias complicações de saúde física e mental, incluindo a morte.
- Perturbações do sono: a insónia e outras perturbações do sono têm vindo a aumentar, estando muitas vezes ligadas ao stress e ao uso excessivo de tecnologia.
Quais os desafios atuais?
Um dos maiores desafios nos tempos modernos é gerir a dicotomia entre um mundo cada vez mais ligado através das novas tecnologias e das redes sociais, mas onde cada pessoa vive cada vez mais isolado, distante, triste e, muitas vezes, sem sentido. As relações e as interações dão sentido à existência humana, todavia, temos assistido a um isolamento cada vez maior, potenciado pela pandemia, onde as pessoas trabalham sozinhas em casa e socializam cada vez menos. Gradualmente e de forma pouco percetível, este isolamento vai potenciado ou agravando condições de doença mental.
Gerir o uso das tecnologias também se tem revelado uma enorme missão, já que o mundo depende dela pelo conforto e prazer que proporcionam, contudo, as muitas horas despendidas em frente aos ecrãs, as novas adições que se têm registado (apostas online, pornografia ou plataformas de encontros), o cyberbullying e os novos padrões impostos pelas redes sociais estão a lançar novos desafios a quem trabalha em saúde mental
A parentalidade, a conjugalidade e as relações familiares são outro enorme desafio na área da saúde mental. A procura por serviços de terapia de casal, terapia e mediação familiar bem como serviços de aconselhamento parental, têm vindo a crescer exponencialmente e deixando a descoberto a dificuldade atual em gerir as relações afetivas e de proximidade. Os relacionamentos amorosos têm-se revelado um enorme desafio com impactos nas crianças e na família alargada. Os conflitos, frustrações e dificuldades daí advindos são um enorme potenciador de problemas de saúde mental.
Que futuro e que estratégias?
Compreender a importância da saúde mental é apenas o primeiro passo. É crucial que se adotem estratégias para promover um ambiente que favoreça o bem-estar mental. É preciso educar e consciencializar, proporcionar apoio social e comunitário, melhorar as políticas públicas e promover o autocuidado.
A saúde mental precisa ser tratada com a mesma importância que a saúde física e à medida que as pressões aumentam fruto dos desafios do mundo moderno, é essencial que a sociedade como um todo trabalhe para criar um ambiente que promova o bem-estar mental. Com a devida atenção, consciencialização e políticas adequadas, é possível reduzir o impacto das doenças mentais e melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas.
Fotos: D.R.
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