Pedro Chagas Freitas continua a desabafar sobre os dias passados no hospital pela doença do filho Benjamim. Após abrir o coração a Fernando Rocha, que o surpreendeu com a disponibilidade para ser doador de fígado do pequeno, fala agora sobre o facto de o pequeno não querer voltar a casa.
“— Benjamim, gostavas de ir para casa?
— Não. Em casa não tenho os meus amigos daqui”, começou por revelar o diálogo.
Os hospitais não são para crianças. Não devia haver nenhuma internada, nenhuma merece passar por esta experiência, que mexe com tudo, que refunda todos os dias quem somos. Mas este hospital, nos últimos dias, tem sido um arraial de pândega, um ninho de forrobodó. Vivemos num hospital de brincar, por mais que estejamos aqui pelo motivo mais sério de todos. Encontraste dois ou três amigos. Digo “encontraste” porque é assim mesmo com aquilo que nos faz felizes: é uma descoberta. É como se a vida, com essas pessoas, fosse mais fácil. É. Encontraste dois ou três amigos que partilham esta realidade contigo. Têm os mesmos tubinhos, ou quase; tomam os mesmos medicamentos, ou quase; têm todos um fígado novo desenhado em cicatriz na pele. Não é isso o que os define, como não é isso o que te define. O que nos define não são as cicatrizes, nunca são; às vezes as cicatrizes só servem para termos uma grande história para contar. Tu e os teus amigos têm. Vão ter também algumas pequenas histórias, tão bonitas, tão emocionantes, como a grande. Vão contar a história do grupo de meninos da “Rua dos Transplantados” que, de cicatriz na barriga, com cateteres e drenos espetados na carne, conseguiram descobrir o caminho para a alegria, entre adultos assustados (os pais que seguram nesses tubinhos todos), de coração apertado, mas felizes, dentro do que a felicidade aqui pode ser.
— Vais sair do Hospital? Não sabes o que vais perder.
Dizes a cada enfermeiro, a cada assistente, a cada médico, que sai do turno e não vai ter a oportunidade de apreciar as danças, os jogos, as brincadeiras que depois do jantar, e antes de saborearem o Epá ou o Calipo, tu e o teu gangue de boas pessoas, de pessoas lindas, de pessoas que nos mostram que ser feliz às vezes é mesmo uma opção, vão espalhar por aqui. Os meninos à volta da fogueira aprendiam coisas de sonho e de verdade; os meninos à volta da doença são eles mesmos o sonho, e sobretudo a verdade.
Texto: Maria Constança Castanheira; Fotos: Redes Sociais
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