A terapia do grito é não só um modelo clínico, como é também educacional e tem encontrado cada vez mais espaço na sociedade. A sua VIP esteve à conversa com a Dra. Margarida Mendes, psicóloga no Hospital dos Lusíadas que nos explicou tudo sobre o tema.
Mas afinal, o que é a terapia primal ou terapia do grito primal?
Tem como suporte o trauma, é uma terapia que considera que a dor emocional tem origem em episódios traumáticos na infância não resolvidos.
Porque é que sentimos vontade de dar um grito?
O grito é algo inato ao ser humano. Vejamos, é a forma como os bebés se expressam e também o modo como as crianças exibem o que sentem.
Gritar é a forma que todos nós temos para expressar as nossas emoções mais secretas, tal como a raiva e o stress. É como afastar algo que nos desgasta a alma. Mas gritar, também pode revelar felicidade e surpresa.
Por outro lado, ajuda a concentração, a dar alento na contrariedade ou até marcar uma posição, tal como mostra o estudo publicado na revista Current Biologv (2015): “ouvir um grito pode ativar os circuitos de medo do cérebro, agindo como um sinal de alerta para quem ouve”.
Assim, conclui este estudo que ao gritar estamos a ativar as amígdalas cerebrais e o sistema límbico, (zonas do cérebro) e a libertar endorfinas para aliviar o stress, tal como o exercício físico.
Como é que o podemos fazer?
Alguns psicólogos acreditam que a terapia do grito primal permite reviver emoções esquecidas. Defendem estes que as pessoas a quem se pode aplicar esta terapia não são doentes. São pessoas infelizes e que essa infelicidade resulta da má relação entre as três partes fundamentais do seu ser: o afeto, o comportamento e a cognição.
A terapia do grito primal é um paradigma mais educacional que clínico. Defende como objectivo último, produzir o desbloqueio emocional a partir da replicar da experiência do ato de nascer. No momento em que se revive a cena mais carregada de emoções reprimidas, a pessoa é incentivada a dar um grito. Esse grito será a expressão mais forte de todas as emoções recalcadas e a melhor forma a jogá-las para fora de si, obtendo a libertação da dor da neurose.
O grito ajuda-nos a lidar com traumas?
Há pessoas que, por terem sido crianças emocionalmente negligenciadas, podem sentir dificuldade no modo de sentir e expressar emoções, pelo que se apresentam passivamente perante todos os factos e sem controlo algum sobre a sua própria vida.
Logo, estimular essas pessoas a gritar, representa uma forma de ajudá-las a sentir e expressar a sua raiva. A ideia não é fazer com que elas saiam por aí a gritar com tudo e outros, mas sim, utilizar o ambiente seguro que é o da terapia, para entender as emoções e percepcionar, no próprio corpo, os sinais das mesmas.
Por outro lado, o grito permite uma verdadeira descarga emocional. De certo modo, a satisfação de o poder fazer tem efeitos positivos na alteração da própria personalidade.
Para quem é mais recomendada esta terapia?
Na verdade, qualquer pessoa poderá experimentar a terapia do grito.
A terapia primal é como fazer uma viagem “reabilitadora” à nossa infância, a qual poderá trazer-nos benefícios no modo de expressar emoções, sejam elas positivas ou negativas e a partir daí, poderemos incluir tal hábito no nosso estilo de vida.
Mas, apesar de ser inato ao próprio Ser, o grito ainda não é bem visto socialmente. Com efeito, é a censura social que determina quais os motivos porque gritar, como gritar e onde gritar. É que nem todos lidam bem perante o grito dos outros!
Quais as técnicas utilizadas nesta terapia?
Mais do que técnicas, o que a terapia primal utiliza é uma série composta por quatro etapas, as quais orientam o processo terapêutico entre o terapeuta e a pessoa, a saber:
Regressão – Nesta etapa, o objetivo é fazer a ligação entre a pessoa e o seu estado emocional e psicofisiológico em que o trauma foi vivenciado, ou seja, a pessoa é levada a identificar as suas emoções.
Libertação – Aqui chegado, é necessário libertar esse sofrimento há muito contido. Esta terapia incentiva a chorar, gritar e liberar todas as sensações e emoções.
Integração – A terceira etapa da terapia é a fase decisiva para a superação do trauma. É o momento para dar sentido ao passado e perdoar, em toda a sua plenitude. Principalmente, dar lugar ao próprio perdão, como mecanismo de libertação, para que se sinta merecedora de um futuro mais feliz.
Resolução – Na etapa final desta viagem psicoemocional, a pessoa deve sentir- se livre da dor emocional, realizada, segura de si e com capacidades suficientes para enfrentar o seu a-a-dia.
Qual a sua eficácia?
Nos dias de hoje, não há qualquer base científica que garanta a validade e eficácia da terapia do grito.
Apesar de ter sido criada em 1960 por Arthur Janov, psicólogo norte- americano, esta terapia é, atualmente, considerada uma pseudociência, pois os seus resultados positivos nem sempre foram comprovados, nem tampouco foi a solução certa para muitos dos casos estudados.
Até porque, o próprio conceito de terapia do grito não é amplamente aceite pela comunidade científica, apesar de ser usado em revistas, em artigos publicados em blogues e em órgãos de comunicação social.
Há psicólogos que continuam a defender que, gritar traz benefícios, mas antes que tal se torne num hábito, é importante que a pessoa entenda as emoções que a levam a querer gritar e que tenha em apreciação o contexto em que se encontra.
Entrevista: Maria Constança Castanheira
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