No livro A Minha Prisão, Isaltino Morais relata o que viveu durante 429 dias atrás das grades e os erros jurídicos de que diz ter sido alvo. Na Fábrica da Pólvora de Barcarena, uma obra sua durante a liderança na Câmara Municipal de Oeiras, o ex-autarca fala do que mudou em si, da família, de uma viagem muito especial a Fátima e da única rotina que herdou da Carregueira e que não pretende largar.
VIP – Cometeu o crime de fraude fiscal?
Isaltino Morais – Não cometi crime nenhum. Neste livro, apresento documentos que mostram que fui condenado com o próprio tribunal a reconhecer que não havia nenhuma prova, mas que, segundo o acórdão, provavelmente teria subtraído mais de 15 mil euros ao Fisco. Isto depois de um procurador-geral adjunto do Ministério Público dizer que não deveria ser avançada qualquer acusação sem que previamente a administração tributária se pronunciasse, e depois de as próprias peritas tributárias nomeadas pelo tribunal dizerem que não havia qualquer crime fiscal (quando muito, poderá haver uma contraordenação). Apesar de tudo isto, fui condenado por fraude fiscal. Está tudo no livro e as pessoas que tirem as suas conclusões. Numa altura em que havia um perceção muito grande da corrupção, foi metida na ideia das pessoas que os políticos estavam no topo desse crime e que não iam para a cadeia. Surgiu o meu caso e tinha de haver prisão. Fui a lenha para o altar do sacrifício.
Refere que é o único português sem cadastro a ser condenado a prisão efetiva de dois anos por crimes fiscais.
Sou o primeiro em muita coisa. Uma delas é isso que referiu. E sou o primeiro em 200 anos, desde a Revolução Liberal de 1820, a ser objeto de uma sentença com efeitos retroativos, na medida em que o caso já tinha prescrito quando fui para a prisão. Mais uma vez, os titulares dos órgãos de soberania, cobardemente, não se pronunciaram.
Vai agir judicialmente contra o Estado?
Não. O que espero é que as pessoas leiam o livro e tirem as suas conclusões.
Se estivesse frente a frente com os juízes e magistrados que acusa na sua obra, o que lhes dizia?
Absolutamente nada. Aliás, não critico o sistema judicial de uma forma geral, tanto que elogio neste livro alguns juízes e magistrados que se mostraram sérios, corajosos e competentes… e que são muitos. Por isso, nesta obra fiz acusações concretas, com nomes. Porque o que é perplexante é ter havido todas estas más decisões e nada aconteceu. Um tribunal de primeira instância não respeitou uma decisão superior e nada aconteceu.
Está convicto de que foi preso injustamente. Como é possível não sentir revolta?
Porque sou uma pessoa positiva e porque acho que os sentimentos negativos só nos prejudicam. A minha honra ninguém me tira e por isso não sinto revolta. Posso é sentir-me frustrado enquanto cidadão por ver o meu país funcionar nestes moldes. Mas na vida tenho sempre tido uma atitude tolerante. Fui perseguido desta maneira e houve medo em não me condenarem, houve o oportunismo de mostrar que o sistema funcionava e tudo isso justificou o meu sofrimento.
Se o importante era mostrar os erros jurídicos do seu caso, porque é que juntou neste livro o lado mais humano do que passou atrás das grades?
Quis mostrar como funciona o sistema prisional. Quem esteve preso fui eu. Fui algemado, estive numa cela com mais cinco companheiros, privado da liberdade e de outros direitos. É suposto que a prisão seja um local onde as pessoas vão ser ajudadas à reinserção, que aprendam a respeitar as leis. Logo, entende-se que a prisão seja um modelo do cumprimento da lei. A verdade é que o Estado ali não existe. Há uma greve e quem fica a mandar são os guardas. É mais fácil pôr os presos em armazéns sem incomodar ninguém, do que gastar dinheiro num psicólogo ou num psiquiatra para recuperar, por exemplo, um pedófilo, que admitem que é um doente.
Diz que o melhor da prisão são os presos. Olha de outra forma para a marginalidade?
Para a marginalidade olho da mesma maneira. Olho é de outro modo para as políticas de reinserção social. O recluso já não é visto com caridade cristã, com humanismo, mas sim de forma punitiva, “estás condenado e tens de sofrer na prisão”. Não há uma visão reintegradora. O exemplo mais visível são os juízes de execução de penas, que analisam a situação de cada recluso em três minutos e, sem fundamentos, tomam decisões. Há uma mentira muito grande nas prisões.
O que mudava já nas cadeias?
Têm guardas a mais e psicólogos, psiquiatras e educadores a menos. Esta foi a perceção que tive. Os guardas prisionais deveriam ter formação específica nas áreas da psicologia e das relações humanas, e separava os reclusos pelo tipo de crimes. Por outro lado, não faz sentido que a comida da prisão seja feita por empresas de catering, deveriam aproveitar as profissões dos presos.
Não se arrepende de nada do que escreveu neste livro?
É verdade que me desnudei, mas não me arrependo de uma linha. Tenho até receio que não tenha tido o talento para transcrever a crueza daquilo que passei.
Leia a entrevista completa na edição número 934 da VIP.
Texto: Ana Gomes Oliveira; Fotos: Zito Colaço e Impala; Agradecimentos: Câmara Municipal de Oeiras e Fábrica da Pólvora
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