Marta Faial
“Sou mulherzinha desde muito cedo”

Famosos

Com dez anos de carreira, foi considerada a melhor atriz em Angola

Qua, 22/04/2015 - 23:00

Aos 29 anos, atingiu o momento mais alto da carreira. A sua prestação em Jikulumessu, a novela angolana que vai passar em horário nobre na RTP, valeu-lhe o título de melhor atriz. Marta Faial fala à VIP sobre a sua vida em Angola, a reação dos angolanos aos papéis sobre homossexuais e o sucesso que tem tido. 
Com 16 anos, já se aventurava noutras áreas: distribuiu panfletos nas ruas, foi barmaid, empregada de mesa e trabalhou num bengaleiro. Conheça a história de vida da menina que amadureceu muito cedo e que comia três pratos de Cerelac para engordar.
 
VIP – Uma semana depois de chegar a Portugal, já tem saudades de Angola?
Marta Faial – Tenho saudades desde que saí de lá. É realmente um sítio onde me sinto muito bem, onde fui muito bem recebida, onde me sinto em família. Tenho família em Angola, faz parte das minhas raízes, mas ainda não tinha ido a Angola especificamente. Tinha andado “ali à volta”: os meus avós são cabo-verdianos, o meu namorado é moçambicano, fui também à África do Sul, mas a Angola nunca tinha ido. Identifico-me muito com a maneira de ser deles e foram tempos muito felizes. Tenho realmente muitas saudades. Um rapaz escreveu um artigo sobre ser emigrante e viver fora do país e a coisa em comum é que os emigrantes nunca estão bem onde estão. Portanto, estou aqui e tenho saudades de lá, e estou lá e tenho saudades de cá. Acaba por ser um bocado ingrato. 
 
Mas não consegue um equilíbrio?
Consigo. Graças a Deus, os meus colegas vêm cá e eu também hei de ir lá mais vezes. Nós somos bichos de hábitos. Obviamente, com o passar do tempo aqui, acabo por me habituar. Mas Angola é um sítio que marca muito. 
 
Como era a sua vida em Angola?
Ultimamente, foi de trabalho, trabalho, trabalho. A personagem tinha muita intensidade, era forte, uma vilã, o que exigia muito de mim. Quando não estava a trabalhar, descansava. Fugia sempre um bocadinho para uma praia mais calma, ou ficava no hotel a descansar.
Foi a melhor atriz de 2014, em Angola. Tem mais reconhecimento em Angola do que em Portugal?
Sem dúvida alguma. Já tinha algum reconhecimento em Angola devido à novela Morangos com Açúcar, que teve muito impacto lá, apesar de as pessoas em Portugal não se aperceberem disso. Já passou três ou quatro vezes em vários canais. A minha série, a terceira temporada, passou o ano passado. É uma série com muita intensidade e da qual gostam muito. Em 2012, também fiz a Windeck, que foi uma novela que também teve muito impacto, por ter sido nomeada para os Emmys e ter uma personagem que tocava num assunto tabu, pois eu fazia parte de um casal de lésbicas. E foi bem aceite, mesmo sabendo que é um tema complicado em Angola. Agora, esta personagem foi ainda muito mais bem aceite porque é má, passa por cima de tudo para atingir o que quer, mas tem um sentido de humor e uma perspicácia a que as pessoas acham muita piada. Identificam-se porque, na realidade, ela é má, mas diz a verdade.
 
Ter sucesso em Angola e menos reconhecimento em Portugal deixa-lhe amargo de boca?
Não, de todo. Fico feliz por ser reconhecida pelo meu trabalho onde quer que seja. Tenho pessoas que seguem o meu trabalho cá, outras lá, e até noutras partes do Mundo. Graças a Deus, tanto a Jikulumessu como a Windeck têm sido vendidas para todo o Mundo. Tenho mensagens de todo o lado. Neste momento, a Windeck está a passar na TV Brasil, o canal público brasileiro, que nunca passou uma novela. Tem uma média de três milhões de telespectadores. Obviamente, também gostava de ter este impacto em Portugal, mas não me sinto triste, até porque também me identifico com Angola. E o que me interessa mesmo é que gostem do meu trabalho. 
 
Quando recebeu o prémio de melhor atriz, agradeceu à família, aos amigos, aos colegas e disse: “Obrigado por acreditarem em mim, mesmo quando eu, por vezes, duvidei.” Porque é que lhe surgiam essas dúvidas?
Em 2015 faz dez anos que a minha carreira começou, em Morangos com Açúcar. A nossa profissão tem altos e baixos. Ao longo dos anos, fazemos formações, curtas-metragens, teatro, e quando nos dão papéis que são muito fortes, o primeiro impacto é: “Espera aí, serei capaz de dar a vida que querem a esta personagem? Serei capaz de criar este boneco?” Os atores são mesmo assim: têm dúvidas a torto e a direito. Há alturas em que se pensa duas vezes se se será capaz, embora o pensar não queira dizer que não se esteja disposta aceitar esse desafio. As dúvidas surgem, mas a vontade de as ultrapassar é ainda maior. 
 
E ultrapassou…
(risos) Ultrapassei, graças a Deus. 
Falou de um papel em Windeck, em que representava uma lésbica, mas Jikulumessu também ficou muito marcada por um beijo entre dois homens. Qual o impacto que teve na sociedade angolana?
Foi muito forte. É um tema de que não se fala muito e as pessoas não estavam muito preparadas. As novelas, e tudo o que é ficção, têm também o trabalho de formar, puxar pelo pensamento, criar discussões sobre assuntos que são tabu. Portanto, permitem a reeducação de um povo, de uma cultura, sobre temas que antes não lhes faziam sentido. E se isto não lhes fazia sentido, pode continuar a não fazer, mas já não é tão estranho. Portanto, estamos a lidar com todo um grupo de pessoas que tem uma opção sexual diferente, que agora têm mais possibilidades de ser entendidas. Antes não se falava e agora, já por duas vezes, falou-se. Começam a entender que amar é amar, independentemente da cor ou do sexo. É muito importante este trabalho. É claro que custa quando choca, mas o facto de ter chocado e a novela ter sido tirada da emissão só lhe trouxe mais público quando voltou a estar no ar. Mais gente viu a novela, mais gente apoiou e mais gente está a respeitar a opção dos outros.
 
Em termos de mentalidade, a sociedade portuguesa aceita melhor esses temas?
Sinceramente, não sei. É diferente em termos de ligação familiar. Em Angola, está muito incutida aquela coisa do homem com mulher, casar, ter filhos. A partir dos 30, se não és casado e não tens filhos, devias ter. Existe um percurso que, embora esteja muito estipulado, lá vai sendo alterado. E aqui não. Também já houve cenas com beijos homossexuais em Portugal e não houve grandes problemas. Mas há sempre pessoas que reagem mal. Tudo é ultrapassado. 
Começou em Morangos com Açúcar, fez musicais, participou em Rebelde Way, estudou em Nova Iorque, fez publicidade e moda. Admitiu que 2014 foi o ano em que se sentiu mais realizada e feliz. Isto quer dizer que a representação é o sítio onde se sente mais à vontade e onde quer fazer carreira?
Sem dúvida alguma. Em dez anos de altos e baixos, é preciso passar por todas as situações para chegar onde cheguei. Sinto que este percurso foi importante para chegar a este momento do meu trabalho. Ou seja, se tivesse tido mais trabalho aqui, se calhar não tinha ido para Nova Iorque. Se não tivesse ido para Nova Iorque, não teria tido aquela formação. Se não tivesse aquela formação, não era a atriz que sou hoje. 
 
Tenta sempre tirar um lado positivo de todas as experiências…
Sim, porque, de facto, não há assim tantas coisas negativas. Há fases boas e menos boas. Não há traumas ou dramas. É importante fazer aquilo de que gostamos e isto é o que eu gosto. Se sou muito boa ou não, quero trabalhar para o descobrir. 
 
Fora da representação fez de tudo um pouco: distribuiu panfletos na rua, trabalhou num bengaleiro, serviu às mesas, foi barmaid. Foi sempre muito independente…
(risos) Ui, fiz muitas mais coisas. Sempre fui muito independente. Comecei a trabalhar por volta dos 16 anos porque queria a minha independência financeira e não queria sobrecarregar os meus pais. Aliás, nos Estados Unidos, voltei a trabalhar em restaurantes enquanto estava a estudar. Nova Iorque não é uma cidade barata e as pessoas não vivem do ar. Estive em Nova Iorque já depois de fazer Morangos com Açúcar e Rebelde Way e voltei a trabalhar num bar para pagar o meu curso. E fi-lo assim, às custas do meu trabalho. E tenho muito orgulho nisso porque cada profissão que fiz também me deu mais ferramentas para o meu trabalho. Se algum dia tiver de fazer de barmaid, já sei como é que se pega nas garrafas. Um ator vive de observação e, por isso, tudo o que fazemos é importante.
 
Sente que cresceu rápido demais?
Não sei se foi rápido demais, mas sim, admito que sou mulherzinha desde muito cedo. Mas não deixo de ser muito miúda noutras coisas. Mas sim, tornei-me adulta muito cedo.
 
A sua mãe, Ana Marta, foi uma modelo famosa. Isso prejudicou-a ou beneficiou-a?
O facto de a minha mãe ter sido uma manequim que teve muito impacto em Portugal e em Angola influenciou, no sentido em que tive acesso muito cedo a um mundo – os bastidores da moda – e isso também foi importante. O que me apaixonou e me fez vir para esta profissão foi também isso, os bastidores, o antes e o depois. Uma menina que tem um ar frágil e que, de repente, é uma mulherona na passerelle, de repente é mais velha. E tudo se muda com make-up, com guarda-roupa. 
 
Leia a entrevista completa na edição número 927 da VIP 
 
Texto: Humberto Simões; Fotos: Bruno Peres; Produção: Manuel Medeiro; Maquilhagem e cabelos: Vanda Pimentel com produtos Maybelline e L’Oréal Professionnel

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