O ataque terrorista ao semanário satírico francês Charlie Hebdo, que resultou na morte de dez jornalistas da publicação, levou várias figuras públicas a abordar o tema nas redes sociais. Foi o que fez Gustavo Santos, que partilhou a sua opinião sobre o assunto na sua página de Facebook. “Liberdade de expressão é uma coisa, desrespeito gratuito e egóico pelas mais altas crenças dos outros, sejam elas quais forem, é outra. Infelizmente, um e outro ponto colidiram hoje. Que uns sejam apanhados e severamente julgados pelo que fizeram e que outros, os que tiveram sorte e ficaram, assim como tantos outros que fazem carreiras a ridicularizar a verdade de quem não conhecem de lado nenhum, aprendam alguma coisa com isto! Opinar sim, questionar também, agora gozar sistematicamente com convicções alheias é que me parece despropositado. Além disso, sempre que desrespeitamos alguém desta forma, estamos a trazer uma potencial ameaça para a nossa vida!”, foi aquilo que o apresentador escreveu e que acabou por gerar uma onda gigante de indignação à sua volta. Para colocar um ponto final no assunto, o também escritor faz uma leitura da polémica que levou a que fosse ameaçado.
VIP – Estava à espera desta reação?
Gustavo Santos – Totalmente inesperado. Quando partilhei a minha opinião, sabendo que era imparcial e não individualizava nem ofendia nada nem ninguém, nunca imaginei que aquelas palavras tivessem esta repercussão. Naturalmente, condenei e condeno de forma veemente a frieza e a desumanidade do ataque, no entanto acredito que fazer “humor” com radicais, estando sob forte ameaça, não é a mesma coisa que fazê-lo com pessoas decentes e conscientes como nós. É importante combater o terrorismo, claro e sempre, mas com as medidas certas para que não sejam ceifadas mais vidas às mãos destes bárbaros.
Que motivos encontra para uma reação tão forte, intensa e negativa às suas palavras?
As pessoas, fruto da política que temos no nosso país e das suas próprias escolhas, andam revoltadas. Atrás de um ecrã, o insulto é facilitado, gratuito, a humilhação é impune, vale tudo. Aconteceu comigo e acontece diariamente com outras figuras públicas. Ninguém no seu perfeito juízo decide atacar, ofender e ameaçar quem não conhece de lado nenhum só porque não se concorda com uma opinião.
Podia ter apagado o post e provavelmente resolveria o problema de imediato. Tal como podia apagar os comentários, mas não o fez. Porquê?
Nunca me passou pela cabeça apagar o post. Sou um homem de convicções, responsável por todos os meus atos e pouco dado a intimidações alheias. Apagá-lo seria assumir que tinha errado ou demonstrar que tinha medo. Nem uma coisa nem outra.
Considera que o ataque que lhe tem sido feito acaba por ser um contrassenso das pessoas que defendem a liberdade de expressão?
A liberdade de expressão, assim como a igualdade e a fraternidade, é um dos pilares da democracia. Muitas pessoas deram a vida por esta conquista, como tal, e em homenagem às convicções que a ergueram, defendo-a a toda a prova, mas com o respeito que me merece. Aquilo que se notou é a total hipocrisia de pessoas que defendem a liberdade de uns e que atacam insultuosamente a liberdade de outros. Por outro lado, e este sim, é verdadeiramente um problema, ainda há muitas pessoas no nosso país que não pensam por si. Tenho a absoluta convicção de que uma fatia enorme das pessoas que me atacaram não leram o post na íntegra ou nem sequer tentaram interpretar os fundamentos que estavam por detrás daquelas linhas. Simplesmente foram na onda.
Qual é o principal erro de análise das pessoas que ficaram revoltadas com aquilo que escreveu?
Não tem de haver um erro de análise. Não me considero o dono da verdade. Apenas acredito que, independentemente das nossas opiniões, deve haver respeito quando as expomos e muito mais quando nos dirigimos aos outros.
Quando foi ao Você na TV falar sobre esta polémica, revelou que tinha sido ameaçado. Está a referir-se aos comentários que foram deixados na sua página de Facebook ou as ameaças foram mais reais do que isso?
As “ameaças” não passaram de palavras inflamadas no Facebook e no meu blogue [www.GustavoSantos.pt].
Estas ameaças vão mudar algo na sua postura ou nas suas rotinas diárias? Tem medo de algo?
Rigorosamente nada. Todos os dias luto pelos meus ideais sem ofender, provocar nem humilhar ninguém. Medo não, mas assusta-me uma coisa: assusta-me, e como defendia Martin Luther King, o silêncio dos sensatos. A quantidade de anónimos e figuras públicas que entraram em contacto comigo, corroborando a minha opinião e afirmando que jamais a seriam capazes de partilhar foi tão abissal quanto assustadora. Se metade das pessoas que não foram capazes de o fazer com medo de represálias se tivesse afirmado, provavelmente aquilo que eu disse não teria o impacto que teve.
É fácil fazer com que as opiniões negativas sobre si, pelo menos aquelas a que teve acesso na sua
página de Facebook, não fiquem na sua cabeça? Que não influenciem a sua forma de estar e encarar a vida?
Boa pergunta. Primeiro é preciso afirmar que tenho a cabeça muito bem treinada. Depois, existem três aspetos que facilitam tudo. Primeiro, não me deslumbro com elogios nem me sinto pessoalmente atingido com ataques. Segundo, por momento algum, me coloquei no olho do furacão, ou seja, não andei a ler o que escreviam a meu respeito e tudo o que sei foi-me contado. Terceiro, quando há compaixão não há lugar para o ódio. A minha forma de estar na vida, assim como o meu papel na sociedade, estão muito bem definidos. Quando um homem sabe o que quer, é difícil travá-lo.
O humor tem limites ou nem sequer considera humor a linha editorial do jornal Charlie Hebdo?
Respeito profundamente, mas não me identifico com a linha editorial do Charlie Hebdo. É difícil, bem sei, pois cada um tem os seus próprios limites, no entanto, acredito que o humor, assim como todas as formas de expressão, deve ter os limites do bom senso.
Qual a lição que retira deste episódio para o qual se viu arrastado por partilhar uma opinião?
A liberdade de expressão está ligada às máquinas e ainda acarreta os seus perigos. Há muito por fazer. Continuarei sempre a dar o meu melhor, com o respeito e a dignidade que todos merecem.
Texto: Bruno Seruca; Fotos: Impala
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