Está a ser tratado exatamente como os demais reclusos do Estabelecimento Prisional de Évora, onde se encontra detido há um mês. Não tem tratamento “vip” e recebe visitas apenas nos dias estipulados para esse efeito. Podia tê-las tido no dia de Natal, mas preferiu não ver nenhum familiar ou amigo. Tê-los-á avisado de que não os queria receber e justificado a decisão com o facto de querer poupar os filhos e a mãe à tristeza de o verem na prisão, uma situação que, acredita, poderá manter-se por mais algum tempo e abranger, nomeadamente, a passagem de ano.
O advogado foi a única pessoa que José Sócrates quis ver na véspera de Natal. Após a visita, João Araújo, o causídico que o defende, reagiu à alteração da medida de coação do ex-motorista do seu cliente e afirmou que todos os envolvidos neste caso deviam estar em liberdade. Adiantou ainda que os funcionários do seu escritório receberam dezenas de contactos de cidadãos a manifestarem o desejo de enviar presentes de Natal ao ex-primeiro-ministro e que se recusou a ser intermediário de ofertas de anónimos.
Sócrates terá optado por passar o dia de Natal a fazer ginástica, a meditar e a ler livros de filosofia. Na noite de Consoada, o ex-primeiro-ministro teve direito a bacalhau e a uma fatia de bolo-rei, tal como os demais reclusos.
A vida na cadeia
Quando chegou ao Estabelecimento Prisional de Évora, José Sócrates esteve alguns dias detido numa cela da ala feminina da prisão. Mas, no início deste mês, mudou para a zona masculina e tem como companhia – na cela ao lado – o ex-cabo da GNR António Costa, um serial killer condenado, em 2007, à pena máxima de prisão prevista na lei portuguesa (25 anos), pela morte de três jovens na zona de Santa Comba Dão.
De acordo com o depoimento que um recluso daquele estabelecimento prisional prestou à VIP, Sócrates estará “a tirar um curso de informática, lê muito e está sempre a escrever”. Um guarda prisional garantiu ainda que “o homem tem recebido centenas de cartas desde que foi preso e é, de longe, o recluso que mais correspondência tem”. De acordo com a mesma fonte, o ex-primeiro-ministro “convive normalmente com todos os reclusos e adora comer bolos à noite”. E como vai ser a ementa da passagem de ano? “Irá comer exatamente o mesmo que os restantes reclusos. Em princípio, será peru e uma sobremesa alusiva à época. Nestas alturas, a comida é sempre um pouco melhorada, ou seja, foge aos padrões normais da ementa semanal”.
O antigo governante já passou por algumas situações caricatas desde que está preso. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando alguns familiares lhe levaram uma televisão, mas os guardas prisionais não a deixaram entrar por ser demasiado grande. Acabaria por ser um outro recluso a emprestar-lhe uma mais pequena, bem como um DVD. Porém, Sócrates não sabia ligar nenhum dos aparelhos e só com a ajuda de um ex-polícia, que também ali se encontra detido, é que acabou por conseguir ver televisão. Continua, contudo, sem DVD porque, sem perceber para que serviam, já tinha deitado para o lixo os cabos do aparelho.
Além da leitura, Sócrates também faz musculação sob a orientação de um outro recluso, um polícia condenado por assaltar ourivesarias no Norte do País.
Motorista com mais sorte
Um Natal diferente teve o seu motorista, João Perna, que estava preso preventivamente há um mês no estabelecimento prisional anexo à sede da PJ, em Lisboa, indiciado pelos crimes de branqueamento de capitais, fraude fiscal e posse ilegal de arma.
Técnicos da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais foram, no dia 22, à habitação de João Perna, no Samouco, concelho de Alcochete, para avaliar se a residência tinha as condições necessárias para que o arguido ficasse em prisão domiciliária com pulseira eletrónica. O relatório dos serviços prisionais foi entregue ao juiz Carlos Alexandre, que ordenou a libertação do motorista.
O advogado de José Sócrates tem vindo a negar que o carro do ex-primeiro-ministro tenha ido alguma vez a Paris, conduzido pelo motorista, para lhe ir levar dinheiro. “Não foi, não foi”, repete incessantemente aos jornalistas que o esperam à porta da prisão de Évora. “Reitero que o carro do engenheiro José Sócrates nunca passou de Espanha. É mentira que tenha ido a Paris”, tem salientado João Araújo quando questionado pelos jornalistas. “Tudo o que têm contra ele são aldrabices. Provas? Nenhumas. Factos? Nenhuns”, garante.
Guerra de advogados
João Araújo não gostou de ser questionado acerca das declarações do advogado de João Perna, que terá admitido algumas viagens num segundo interrogatório. “Eu não sou desmentido por advogados; eu não vi nenhum desmentido de nenhum advogado. Vi o que vocês disseram que o advogado de Aveiro disse. A ser verdade, é uma aldrabice”, garantiu o homem responsável pela defesa de José Sócrates. Ricardo Candeias, o advogado do motorista do ex-primeiro-ministro, já veio a público dizer que não desmentiu o colega, mas recusou-se a dizer se, na realidade, o carro de Sócrates nunca passou de Espanha. “O que confirmei, numa entrevista à RTP, foi que o meu cliente tinha saído de Portugal no carro de serviço. Nunca falei em qualquer destino”, referiu.
Pedido de desculpa
Na véspera de Natal, o advogado de Sócrates, aproveitando o espírito natalício, pediu desculpa aos jornalistas. “Tivemos vários encontros. Alguns correram bem, outros não correram tão bem. Quero pedir desculpa a qualquer um de vós que tenha maltratado. É injusto, porque vocês não têm culpa da linha editorial dos eventuais pasquins que servem”, disse João Araújo.
Sobre o seu cliente, o advogado referiu que José Sócrates está bem e que já está à espera de passar algum tempo na prisão. Recorde-se que já passou um mês desde que foi decretada a sua prisão preventiva. “Ele contava mais com isto do que eu. Ele conta sempre mais com estas coisas do que eu. Eu é que sou o otimista”, referiu, deixando no ar a possibilidade de estar a preparar um novo requerimento. “Estou sempre a preparar requerimentos”, disse, acrescentando que considera uma “indecência” o facto de João Perna, José Sócrates e Carlos Santos Silva estarem privados de liberdade. “Todos eles deviam estar em liberdade. A liberdade é uma coisa demasiado séria para se tirar assim”, defende.
Inúmeras visitas
Desde que foi detido, José Sócrates tem recebido inúmeras visitas de figuras proeminentes da sociedade portuguesa. António Guterres foi uma das mais recentes, mas foi a visita de Mário Soares aquela que mais alvoroço gerou publicamente, ao fazer ataques diretos à forma como a Justiça estará a funcionar em Portugal. No último mês, além do ex-Presidente da República, também passaram por Évora outro ex-primeiro-ministro, António Guterres, vários ministros e diversos socialistas. Muitos foram dar um abraço ao amigo José Sócrates, alguns falaram da injustiça da sua prisão preventiva, defendendo o princípio da presunção de inocência, mas poucos se atrevem a usar a palavra “inocente” em sua defesa.
O primeiro a tocar à campainha da cadeia de Évora para visitar o preso preventivo mais mediático do País foi Capoulas Santos. O ex-ministro da Agricultura foi dar um “abraço” de “solidariedade” ao amigo José Sócrates e foi o primeiro a defender, “obviamente”, a inocência do ex-primeiro-ministro. Fernando Gomes, ex-presidente da Câmara do Porto, foi outro dos poucos que o fez e, quando terminou a visita a José Sócrates, não teve medo de sair em defesa do antigo governante, afirmando: “Acredito profundamente na sua inocência”.
Se Capoulas, enquanto amigo, foi a primeira visita que José Sócrates recebeu de um político, Sofia Fava, a ex-mulher, que acompanhou o ex-ministro da Agricultura nesta deslocação à prisão de Évora, foi a primeira visita de um familiar. “Está muito bem. Está com uma postura muito filosófica perante os factos todos”, comentou a engenheira à saída da prisão.
A visita de Mário Soares fez estalar o verniz nos meios judiciais. Nas vésperas do congresso socialista, Soares ligou o PS com o caso. Algo que António Costa não queria que acontecesse. “Todo o PS está contra esta bandalheira. Trata-se de uma prisão preventiva que não faz qualquer sentido. É um abuso”, afirmou o ex-Presidente da República, após a visita a Sócrates. Certo é que, até agora, não houve um único membro da nova direção de António Costa a deslocar-se a Évora. A única presença de um presidente, embora honorário, do partido, foi a de Almeida Santos. “Enquanto não for condenado, acredito na inocência dele”, afirmou o ex-Presidente da Assembleia da República.
Por parte da atual direção do PS, ainda ninguém foi ver o ex-primeiro-ministro e o assunto parece ser tabu. Ao que a VIP apurou, apenas mais três socialistas, próximos de Sócrates, decidiram ir a Évora: Renato Sampaio, Isabel Santos e André Figueiredo. “A melhor mensagem que posso levar desta visita foi encontrá-lo muito bem, bastante sereno e determinado a defender-se”, disse este último à saída do Estabelecimento Prisional de Évora.
Com o passar dos dias, Sócrates recebeu ainda a visita do atual marido de Sofia Fava, Manuel Costa Reis, que lhe foi levar algumas coisas que tinha pedido, e do ex-ministro Jorge Lacão, para além, claro, das constantes visitas do seu advogado.
O ex-primeiro-ministro pode receber visitas às terças, quintas, sábados e domingos, um horário excecional e apenas aplicável à cadeia de Évora, destinada a “presos especiais”, uma vez que nos restantes estabelecimentos prisionais do País apenas são permitidas visitas duas vezes por semana. É o caso, por exemplo, da prisão da Carregueira, perto de Lisboa, onde estão detidos outros reclusos mediáticos, como Carlos Cruz ou João Vale e Azevedo, que também passaram o Natal na cadeia.
Texto: Carlos Tomás, Fotos: Impala
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