O fado é como uma língua-mãe, por isso Carminho “dedica-se de corpo e alma” àquilo que a faz feliz e acaba de lançar o seu terceiro álbum, a que chamou Canto e que conta com a participação de Marisa Monte e uma música de Carlos Paião. A VIP dá-lhe a conhecer um pouco melhor a fadista que tem na mãe, a também fadista Teresa Siqueira, o seu maior ídolo…
VIP – Acaba de lançar o seu novo e terceiro álbum. De onde veio a inspiração para este Canto?
Carminho – Todos os discos são fruto de muita e constante pesquisa, portanto, a inspiração tem a ver com crescimento. Eu cresci, tornei-me mais madura, completa e confiante. Sei melhor o que não quero, portanto, vou-me aproximando cada vez mais do que sou.
Este álbum inclui um dueto com Marisa Monte. Como surgiu esta parceria?
Conheci-a num concerto, fui ter com ela, e ela disse-me que já tinha ouvido as músicas que fiz para o disco Alma com o Chico Buarque, o Milton Nascimento e a Nana Caymmi. Disse-lhe que adorava o trabalho dela e que me identificava muito com a forma de ser dela, como artista, e ela abriu-me as portas de casa. Sentámo-nos no chão, cantámos e conversámos sobre o que é o fado e a música popular brasileira, e o que é ter uma identidade. Percebi que tinha uma identidade não só no fado, mas também na música popular portuguesa. O meu Canto não é só de cantar, é um lugar de portugalidade. É ter uma identidade neste meu País, que amo tanto e que quero representar.
Imagina-se a cantar outros estilos musicais, além do fado?
O fado é como uma língua-mãe. Não sei como é que comecei a falar português e também não sei como é que comecei a cantar fado. Tenho fotografias minhas em pequenina, com dois ou três anos, em que estou a ouvir fado. Não me lembro, mas isso marcou-me, de certeza. Agora, o fado não me prende, o fado liberta-me, leva-me a conhecer tantos sítios, países, lugares, tantas pessoas… e quero continuar a preservar esta identidade portuguesa. Sinto que dar a conhecer a identidade portuguesa aos outros é uma vocação, mas sinto-me sempre livre para fazer experiências.
O que é preciso para ter alma de fadista?
Não faço ideia. É uma linguagem muito enraizada num estilo de vida e, por isso, é importante vivê-lo diariamente. É preciso conhecer os antigos, conhecer quem foram os intérpretes que inspiraram os antigos, quem foram os guitarristas. É preciso ouvir muito fado e isso faz com que, de repente, haja uma paixão muito grande por este estilo musical. Uma pessoa sente que não sabe explicar porquê, mas precisa dele. Eu preciso de cantar e de ouvir fado para ser feliz.
Texto: Ricardina Batista; Fotos: Nuno Moreira Agradecimentos: Hotel Mundial Quais são os seus ídolos?
O nome primeiro é o da minha mãe, que foi a primeira pessoa que ouvi e a que mais ouvi. Depois, é a Beatriz da Conceição, a Amália Rodrigues, o Alfredo Marceneiro, o Fernando Maurício, a Maria José da Guia… Também existem muitos contemporâneos. Há pessoas que me marcam e que me fazem continuar a querer cantar sem parar.
Começou a cantar aos 12 anos, mas só lançou o primeiro álbum aos 22, depois de tirar um curso de marketing. O que a levou a dar este passo?
Quando acabei o curso estava infeliz. Sentia que não tinha nada para dar, que não tinha conteúdo. Foi nessa altura que fez uma viagem pelo Mundo… Exatamente. Fui fazer voluntariado, estive na casa da irmã Madre Teresa de Calcutá com moribundos. Ia lá, simplesmente, para dar um consolo, uma última dignidade antes da morte. E isso ensinou-me que devemos tentar dar sempre o melhor de nós, porque há sempre alguém ao nosso lado a quem podemos fazer o Bem.
Tem muitas canções e poemas na gaveta?
Não tenho muito esse hábito, mas trabalho constantemente na leitura, na procura, no conhecimento de novas fontes de inspiração e isso também é procurar reportório. No primeiro álbum há letras minhas e só neste último é que assino músicas. São três, uma delas em parceria com o produtor Diogo Clemente. Sem dúvida que a procura de reportório foi um trabalho em conjunto com o produtor. Este disco também é fruto da maturidade dele, ao encontrar um som que significa alquilo que eu imagino e penso. Ele é tão criador deste disco como eu.
O Diogo Clemente é seu marido desde 2013. Ele é um dos grandes apoios da sua carreira?
Ele é produtor dos meus três discos, mas não sei o que vai acontecer daqui para a frente. Ele é o meu produtor porque tem muito talento, porque é a pessoa que melhor me conhece como artista, e isso tem vindo a revelar-se de uma grande eficácia na produção dos discos. Até agora, tem feito muito sentido, conseguimos trabalhar de uma forma muito eficaz e temos um gosto parecido. Crescemos os dois no fado, uma vez que ele também tem um pai fadista. Ele compreende muito bem a minha vocação.
Que momentos destaca, desde que começou a cantar?
Destaco a primeira vez que cantei em público no Coliseu dos Recreios, quando tinha 12 anos; o momento em que decidi que isto ia ser a minha vida; a primeira vez que me estreei no CCB, com o primeiro disco; as parcerias que tenho feito; agora, mais recentemente, destaco um concerto que dei no Vienna Concert House, que é uma das salas mais emblemáticas da Europa; também destaco a ida a Ronnie Scott, que é um lugar de jazz muito conceituado em Londres. Pela primeira vez, o fado ou a música portuguesa estiveram no Ronnie Scott e isso orgulhou-me muito. Foi realmente um momento marcante na minha carreira. Mas estes momentos não são só fruto do meu trabalho, são fruto do trabalho de uma equipa.
Texto: Ricardina Batista; Fotos: Nuno Moreira Agradecimentos: Hotel Mundial
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