A jornalista da SIC resolveu passar para livro as melhores histórias que tem encontrado na Comunidade Vida e Paz. Mas nem só de solidariedade tem sido feita a sua vida. Tem dupla nacionalidade, jogou basquetebol a nível federado, esteve em direto durante cinco horas a relatar o 11 de setembro e, apesar de estar há muitos anos na SIC, diz que não é refém da imagem e que tem saudades do anonimato. Marta Atalaya, numa entrevista como nunca a viu.
VIP – Quando sentiu verdadeiramente que estava Do Outro Lado da Rua [nome do livro que lançou recentemente]?
Marta Atalaya – Antes já estava ligada a um grupo que visitava pessoas da terceira idade, uma faixa muito esquecida e negligenciada. A Comunidade Vida e Paz surgiu um pouco por acaso. Um dia, estava na redação e recebemos um e-mail a pedir leite e, por ignorância minha, achava que era apenas uma instituição que dava comida aos sem-abrigo. Sugeri à SIC fazer a reportagem e, só no Primeiro Jornal, através do número verde, conseguimos centenas de litros de leite. Lembro-me de chegar a casa com aquela sensação de dever cumprido e pensar: “esta coisa das notícias faz sentido”. Entretanto, interessei-me e apaixonei-me pela causa, porque, mais do que dar comida todas as noites – o que também é importante –, o objetivo era tirar aquelas pessoas da rua. E mergulhei. De 15 em 15 dias faço parte das equipas de rua. Aceitei escrever o livro porque fazia sentido dar a conhecer a Comunidade, e o trabalho era jornalístico, não de ficção. Acho que foi uma boa conjugação.
Começou no jornalismo como redatora de Política/Internacional do Semanário, em 1995. Depois, foi parar à secção de Desporto do Correio da Manhã. Quanto tempo esteve aí?
De 97 a 99. Correu bem, trabalhava mais nas modalidades, tínhamos uma equipa maravilhosa. Depois vai para o Canal de Notícias de Lisboa (CNL), em 2000. Uma colega minha da universidade ligou-me a dizer que ia abrir um canal. Pensei: “Televisão? Gosto é de escrever, estou felicíssima nos jornais”. Baldei-me aos dois primeiros castings, mas, no terceiro, lá fui. Talvez tenha conseguido entrar em televisão por causa dessa descontração, e por achar que não tinha jeito nenhum.
É uma mulher de televisão?
Ai, não. Acima de tudo, sou jornalista. E ainda não perdi a esperança de experimentar a rádio. Quem passa por lá diz que é uma experiência que deixa sempre o bichinho. Aliás, viveria bem sem a televisão, não sou refém da imagem.
E experimentar outro canal?
Sou uma privilegiada, pois, em termos de televisão, trabalho na melhor redação, com os melhores profissionais, onde tenho aprendido muito. Sinto-me confortável, em casa, e estou sempre a crescer. Estou muito feliz e realizada.
Esteve em direto durante cinco horas quando se deu o 11 de setembro. Foram as horas mais alucinantes da sua vida?
Foram, foram. Foi “o” grande desafio da minha vida. A SIC Notícias tinha arrancado há meia dúzia de meses. Para além das informações que caíam a toda a hora, e de que nem nos apercebíamos bem, a maior dificuldade foi controlar as emoções. Mas conseguiu, que eu vi. Consegui, mas ainda hoje não sei bem como. Quando cheguei a casa tive a descompressão total. Aí é que tive a noção real.
Chorou?
Chorei. Vinham-me à cabeça as imagens que tinha estado a relatar em direto, as Torres a desabarem, as pessoas a atirarem-se das janelas… Foi muito, muito difícil.
Deve ter sido difícil acordar no dia seguinte.
Acordei de ressaca.
Como é o seu dia-a-dia na SIC Notícias?
Chego por volta das oito da manhã – duas ou três horas antes de ir para o ar –, leio os jornais, escrevo os textos – não somos papagaios –, tenho meia hora/uma hora para a maquilhagem. Praticamente, faço tudo de seguida. Não tenho tempos mortos, pausas. Não fumo. Não almoço. Depois, saio por volta das 16. Sou uma privilegiada porque consigo estar muito tempo com os meus filhos.
Quais as notícias mais difíceis de dar?
Notícias que envolvam crianças, violência doméstica e tudo o que se relaciona com questões sociais. Tenho de fazer um esforço para me distanciar, não demonstrar o lado mais humano.
Já foi pressionada pelo poder político?
Nunca. Nem antes, nem depois de ir para o ar.
Tem dois filhos, fruto do casamento com José Alberto Carvalho – Duarte, de nove anos, e Maria, de cinco. Eles já estão sensibilizados para a solidariedade?
Já. E acho, cada vez mais, que a mensagem deve passar o mais cedo possível. Obviamente que com cuidado e sem os colocar a ver imagens que podem ferir suscetibilidades. O Duarte tem a perfeita noção do que faço. No outro dia, perguntou-me por que razão damos comida aos sem-abrigo e não damos casa. A Maria tem um episódio curioso. Estávamos no Algarve e, como estava uma pessoa sentada numa cadeira à porta de casa, disse: “Mãe, está ali um sem-abrigo”. É importante que conheçam outra realidade para além da deles e isso deve passar o mais cedo possível. Aliás, devia começar na escola.
Os seus filhos lidam bem com o facto de terem um pai e uma mãe que são figuras públicas?
Não ligam nenhuma. Lidam com muita naturalidade. No início, achavam estranho quando as pessoas nos abordavam e falavam connosco, e perguntavam-nos quem eram. Explicámos-lhes que nós não as conhecemos mas que elas nos conhecem a nós porque entramos em casa delas pela televisão.
Percebem que o pai e a mãe estão em canais concorrentes?
Perfeitamente. Não encaram isso como concorrência. Para eles, a mãe e o pai trabalham em canais diferentes. Funciona bem.
E reagiram bem à separação dos pais?
Muito bem. O medo dos pais é o impacto que isso terá na vida deles, mas depende muito da forma como gerem o processo. Continuam a perceber o essencial: a Marta e o Zé são os pais deles.
Está a envelhecer bem?
A idade é uma coisa maravilhosa. A pessoa que sabe envelhecer está bem com ela própria, está bem na sua pele. Não queria ter 20 anos outra vez. Não trocava. A idade dá-nos maturidade, experiência de vida, saber viver de uma forma mais serena, saber relativizar.
Texto: Humberto Simões; Fotos: Bruno Peres; Produção; Manuel Medeiro;
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