Maria de Medeiros está de volta a Portugal para apresentar, em concerto, Pássaros Eternos, o seu terceiro álbum. O seu lado de cantora foi o mote para uma conversa intimista com a VIP. Ao longo de largos minutos, a também atriz e realizadora falou, não escondendo alguma timidez, da vida ao lado das filhas, Júlia e Leonor, da família, da música e, como não podia deixar de ser, de Pulp Fiction, no ano em que se completam duas décadas do filme que mudou a história de Hollywood.
VIP – Está de volta a Portugal. O regresso é sempre especial?
Maria de Medeiros – Sim! Sobretudo porque este espetáculo, Pássaros Eternos, tem vindo a ser feito há dois anos, um pouco por todo o mundo. O projeto nasceu em Espanha e estivemos várias vezes em Madrid, andámos um pouco por toda a Espanha. Depois, atuei diversas vezes no Brasil, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Também estive no México e na Alemanha. Estava a faltar Portugal… Fazia falta vir a Portugal. Tinha vontade de mostrar este trabalho em Portugal.
Existe uma pressão e emoção adicionais por cantar em Portugal?
Sim, sem dúvida. Existe pressão e emoção (risos). Não estava à espera, mas novembro vai ser cheio de emoções, para mim. Depois dos concertos começa o Lisbon and Estoril Film Festival, do Paulo Branco, onde me será feita uma pequena homenagem, uma pequena retrospetiva do meu trabalho que irá permitir mostrar uma série de filmes, quer seja como atriz ou como realizadora, que nunca se viram em Portugal.
Pássaros Eternos é o terceiro álbum. É verdade ou um cliché dizer que é como um filho?
É verdade. Um filme, ou um disco, é como um filho. Envolvemos tanta energia e tanto carinho… Este é especialmente como um filho porque foi a primeira vez que compus, escrevendo quase todas as canções, tem várias parcerias e é um investimento muito pessoal. Cada música conta um pouco de mim e da minha realidade.
Esse investimento pessoal e a intimidade do álbum vai além das músicas…
Ficou algo muito íntimo. Como tenho uma grande relação pelas artes gráficas, e sou muito apaixonada pela pintura, pedi a vários amigos, pintores e desenhadores de banda desenhada, que estão espalhados pelo mundo, que ilustrassem uma canção. Acederam e resultou neste luxo de ter vários nomes incríveis das artes gráficas.
Existem também ilustrações que são da sua autoria.
Fiz duas ilustrações. Uma delas, a da capa.
Uma das novidades é ter escrito a maioria das músicas. Como correu esta parte?
Pensava que era algo que nunca faria na vida (risos). Até porque tinha muita inibição em relação ao meu pai [António Victorino de Almeida] e à minha irmã mais nova [Inês de Almeida], que é uma excelente compositora, violinista e professora no Conservatório. A música era um domínio deles. Até ficava envergonhada quando eles assistiam a concertos (risos). Mas acabou por surgir tudo de uma forma natural. Fui ganhando confiança com os músicos que trabalham comigo e com quem, na brincadeira, costumo fazer improvisações. Daí começaram a surgir temas.
Receava as reações do seu pai e da sua irmã ao seu disco?
Sim (risos). Dei o disco ao meu pai e pensava que ele nunca o ia ouvir. Telefonou-me e foi simpático, dizendo que tinha gostado e que a música era muito boa. Mas ele é suspeito (risos). Porém, fiquei muito contente por ele ter gostado.
Este já é o seu terceiro álbum. Ainda se refere à carreira musical como inesperada?
É verdade (risos). Agora já faz parte da minha atividade e da organização do meu calendário. A forma como surgiu foi inesperada. Não pensei que fosse algo que viria a fazer.
“A música de Maria de Medeiros é uma carícia, uma brisa eclética e ecos de histórias”. Fala-se também de intensidade e paixão. São críticas à sua música. Revê-se nestas palavras?
Estou a adorar essas críticas que são simpáticas (risos). Sim, há paixão. Mas há paixão em tudo. No cinema e na fotografia. Acho que os artistas trabalham com paixão.
Noutra crítica, destacava-se a sua sensualidade em palco…
Sou uma atriz. Em cima de um palco, volta a atriz. É parecido com fazer teatro. Mas existe uma dimensão espontânea, menos marcada do que no teatro. Os concertos costumam ser muito lúdicos e nunca houve um igual ao outro. Existe um lado cabaret.
Está há muitos anos em Paris. Sente-se mais portuguesa ou francesa?
Sou portuguesa. O facto de ter integrado outras línguas e culturas é também ser português. Sinto-me uma espécie de navegante. Quanto mais ando pelo mundo, mais portuguesa me sinto. Às vezes sinto-me mais portuguesa lá fora do que cá.
Em relação às recusas, é muito forte dizer que recusou ser uma estrela de Hollywood?
Não recusei, de forma nenhuma. Mas nunca tive essa mitologia. Nunca fui uma criança que cresceu com posters a pensar que, um dia, ia estar em Hollywood. Fiquei surpreendida quando me levaram para o cinema e quando me foram propondo papéis. Quando aceitei, foi numa perspetiva de filmes de autor, algo que continuei a fazer. Ainda hoje, continuo a fazer um filme por ano no Canadá. É uma perspetiva de cinema de arte porque nunca tive o sonho hollywoodiano. Sou amiga do Joaquim de Almeida e admiro-o imenso. Ele inscreve-se no cinema hollywoodiano. Sei que está em Hollywood como peixe na água. Eu sinto-me mais à vontade na Europa.
Há quem se refira a si como a diva da arte. Gosta?
Não sei… Acho graça (risos). Até porque, muitas vezes, a imagem que temos é diferente daquela que é transmitida.
Não para quieta. Só consegue viver assim?
Ao ouvir as suas palavras, apareceu-me a imagem do tubarão que não pode parar. Se parar, deixa de respirar e é o seu próprio movimento que faz com que respire. Tenho este lado de tubarão, mas também sou supercaseira. Posso ficar uma semana sem sair de casa, a cuidar das minhas filhas. Também tenho este lado.
Em relação ao futuro, existe a perspetiva de fazer algo ligado ao cinema em Portugal?
Gostava. Existe um projeto que me foi proposto por um jovem realizador português. Achei o guião lindo e espero que se faça. Por outro lado, estou a trabalhar no Brasil, onde, desde o ano passado, estou a fazer uma peça que se chama Aos Nossos Filhos. Tem sido fantástico e agora a peça foi adaptada ao cinema. O meu próximo projeto, enquanto realizadora, é fazer este filme, onde já não vou participar.
Pegando no título do seu álbum, e esquecendo pássaros, o que é eterno na sua vida?
O álbum tem esse nome porque numa das canções – Nasce o dia na cidade – imaginei uma criança numa das nossas cidades, com esta crise económica terrível e com tantos problemas, que, ao ouvir estas coisas desanimadoras, sopra nuvens de vapor no vidro da janela. Essas nuvens assumem formas onde ela vê pássaros completamente efémeros. O que é eterno é essa capacidade de sonhar e de contemplação. É a nossa mais profunda liberdade, que nenhuma crise económica nos pode roubar.
Texto: Bruno Seruca; Fotos: Luís Baltazar;
Produção: Manuel Medeiro; Maquilhagem e cabelos: Sano de Perpessac
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