O médico, doutorado em Ciências da Educação, considera que o alarme criado em torno da epidemia do Ébola é um “embuste”. Na sua crónica publicada no início de setembro no jornal Público, Manuel Pinto Coelho sustentava que, “ao contrário da ideia com que se fica pela leitura da imprensa, não existe qualquer razão para recear que o vírus Ébola se possa transformar numa pandemia à escala mundial”, acrescentando que “tem tanto de extraordinária como de caricata a histeria que vai por esse mundo por causa da ‘catástrofe’ provocada pelo vírus”, principalmente propagada pela comunicação social.
Perante os últimos desenvolvimentos conhecidos sobre a disseminação desta doença – que a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima poder vir a atingir um pico de entre cinco a dez mil novos casos por semana, já no início do próximo mês de dezembro –, a VIP quis saber se o médico continuava a manter o mesmo ponto de vista, nomeadamente em relação ao desenvolvimento e eficácia de uma vacina para a doença.
VIP – Há ou não razões para se temer uma pandemia de Ébola?
Manuel Pinto Coelho – Não há qualquer razão para recear uma pandemia. A forma de transmissão do vírus (contato direto com fluidos orgânicos, e não por via aérea), inviabiliza-a totalmente.
Mas aquando da sua crónica publicada no Público, o número de mortos à escala mundial seria de 788, enquanto agora, um mês e meio depois, serão quase cinco mil os mortos, num total de mais de oito mil infetados, segundo a OMS. E a mesma OMS estima que, no início de dezembro, surjam cinco a dez mil novos casos por semana. Continua a não haver razões para receios?
Razões para receio, sim; razões para pânico, não. É de louvar a atitude da nossa Direção-geral de Saúde e do seu diretor, Francisco George, com uma atitude absolutamente correta e equilibrada a este respeito. Embora os números vindos a público – um pouco menos de cinco mil mortos em oito mil infetados –, não possam deixar de preocupar, são, apesar de tudo, bem inferiores aos 1,2 milhões de mortes por ano, em África, provocados pela Sida; aos 800 mil africanos que morrem todos os anos vitimados pelo paludismo; aos cerca de 500 milhões anuais de vítimas de dengue, dos quais uma percentagem apreciável acaba por morrer e aos 15 milhões de vidas perdidas todos os anos, também em África, à razão de 45 mil por dia, a maioria devido a má nutrição, de carência em água potável e de infeções várias perfeitamente tratáveis… O número de novos infetados pelo vírus Ébola talvez encontre explicação nas medidas totalmente contraproducentes utilizadas para obstaculizar a propagação do flagelo.
Por que razão afirma isso?
Cidades inteiras em quarentena para evitar a propagação do Ébola? Segundo um estudo realizado por investigadores de Harvard, publicado na revista médica Plos One, esta medida está em vias de criar uma catástrofe com uma alta exponencial de casos detetados (Temporal Variations in the Effective Reproduction Number of the 2014 West África Ebola Outbreak). Confinados aos seus abrigos por responsabilidade da repressão governamental – ainda há dias o governo da Serra Leoa anunciou que tinha posto em quarentena os seus seis milhões de habitantes – mal alimentados e vítimas de uma higiene cada vez mais degradada, milhares de pessoas estão a contrair o vírus por culpa das medidas absurdas tomadas sob pressão da “comunidade internacional”.
Teme que, mais uma vez, à semelhança do que se passou com a gripe das aves, o fenómeno Ébola sirva apenas para alimentar ainda mais os bolsos sem fundo de multinacionais farmacêuticas, como já afirmou?
Mantenho em absoluto o que disse. Conhecendo- se o vírus Ébola e todo o seu cortejo de vítimas entre as populações africanas, já há cerca de 50 anos, então não é de estranhar que só agora as multinacionais farmacêuticas tenham acordado para o fenómeno? A edição do Diário de Notícias de 4 de Outubro passado levanta a ponta do véu.
De que forma?
Sob o título “Farmacêuticas em alta”, lembra o jornal que “as ações da Tekmira Pharmaceuticals subiram 30%”, “a Serepta Therapeutics subiu 8,3% para 22,85 dólares, enquanto a Bio-Cryst Pharmaceuticals aumentou 15% para 11,25”, “a GlaxoSmithKline e a NewLink estão a trabalhar para aumentar a sua capacidade para produzir vacinas contra o Ébola”.Porquê só agora, pergunto? A resposta parece óbvia: claramente porque agora cheira a dinheiro – se os africanos, abandonados à sua sorte, não têm podido pagar as vacinas e os medicamentos de que carecem, o mesmo não se poderá dizer das populações ocidentais…
Em caso de efetivo surto de Ébola no nosso País, considera que temos mecanismos humanos e técnicos aptos para lidar com o problema?
Sim, as entidades oficiais portuguesas têm estado à altura e seguramente continuarão a estar.
E na eventualidade de um surto repentino de Ébola, teremos tempo para reagir, nomeadamente aumentando o número de unidades hospitalares de referência?
Em caso totalmente improvável, pelas razões acima descritas, de surto, saberemos com tranquilidade e com o tradicional voluntarismo e competência, adaptar-nos às circunstâncias e fazer o que tiver de ser feito.
Texto: Luís Peniche; Fotos: Impala
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