Anselmo Ralph prepara-se para dar quatro concertos em Portugal. Numa antecipação dos espetáculos, o artista angolano esteve à conversa com a VIP, revelando-se um homem de família que não deixa que o sucesso altere a pessoa que é.
VIP – Já não tem dúvidas de que fez bem em trocar o curso de Contabilidade pela música?
Anselmo Ralph – Não (risos). Na altura em que estudava, sabia que não seria por aí a minha vida. Os meus pais diziam que a música podia não dar nada e que devia ter outra coisa. Era um plano B.
Fica surpreendido com este sucesso em Portugal?
Pensei que seria algo que levaria mais tempo a acontecer e que daria mais trabalho. Não quero com isto dizer que tenha sido pouco tempo e pouco trabalho, mas pensei que seria diferente. E nunca pensei chegar a este nível. Pensava que podia ser reconhecido, mas nunca a este nível. Não é preciso recuar muito no tempo para que, em Portugal, música como a sua fosse apenas ouvida em clubes de raízes africanas e em espetáculos para a comunidade africana. Agora, tudo mudou e toda a gente ouve este tipo de música.
Sente-se responsável por esta mudança?
Dou concertos em Portugal desde 2007 e era quase sempre no meio africano. Queria fazer grandes espetáculos, mas para um público afrodescendente e pensava que não ia passar disso. Desde o ano passado, no concerto do Campo Pequeno, as coisas começaram a mudar. É muito bom atuar para comunidades no estrangeiro, mas nada melhor do que conquistar novos mercados. É isso que estou a fazer. Não me sinto o responsável, mas apenas mais uma das pessoas que tem contribuído para este boom da música africana.
Sente-se como um cartão de visita ou um embaixador de Angola?
Sim. Sinto uma responsabilidade enorme. Sobretudo em entrevistas, até porque acho que a imagem do angolano nem sempre é a melhor. Queria mostrar que a maioria não é como algumas personagens que surgem e cuja imagem é explorada. Os angolanos não são só isso. E sinto responsabilidade em mostrar uma melhor imagem.
Acredita que Angola será a próxima grande potência mundial?
Muito sinceramente, acredito. Mas não será na minha geração. Nem na próxima. Talvez daqui a três. Tenho de ser realista e não posso dizer que, para Angola ser a próxima potência mundial, basta que a economia esteja estável. É também necessária uma mudança de mentalidade. É preciso evoluir nesse sentido.
Portugal é o seu segundo país?
Sim. A minha mulher tem ascendência portuguesa e já estou a adquirir a nacionalidade (risos). É a minha segunda casa. Os angolanos gostam muito de Portugal. Podiam ir para outros sítios, mas aqui sentem-se em casa. A opinião dos angolanos é que, depois de Angola, Portugal é o melhor sítio para comer (risos).
Vai dar quatro concertos em Portugal. O que é que o público pode esperar?
Muita energia (risos). Estes concertos vão ser mais intimistas. Vão servir para apresentar o próximo disco, que vai ser editado em Portugal no dia 2 de dezembro. Vou mimar um pouco mais o público, mas vão existir momentos de impacto.
E o que se pode esperar do álbum novo?
Intitulei o terceiro álbum de Cupido porque muitas pessoas disseram-me que iniciaram ou reataram relações por causa das minhas músicas. Este, A Dor do Cupido, aborda as partes dramáticas da relação. Era para seguir só este ideal, mas achei que era drama a mais. Como tal, existe muita animação (risos).
Existe muito sentimento nas suas músicas. É um romântico?
Sou. Já fui muito mais nas minhas composições. Hoje, as letras já não são tão melosas, apesar de continuarem a ser sobre relações a dois. Agora, têm mais a ver com a atualidade das relações.
Já sofreu muito por amor?
Por acaso, não. Muitas pessoas que ouvem as minhas músicas dizem-me isso, que já sofri muito nas minhas relações (risos). Mas, na verdade, não sofri muito por amor.
Há muito de si nas letras?
Não. São histórias de outras pessoas. Aquelas que têm um pouco de mim podem ter alterações na história para a música ficar mais atraente.
Tem dois filhos (Jadson e Alícia). Nota-se o seu lado de pai nos álbuns?
Quem me conhece, percebe isso. A minha filha tem seis anos e faço músicas a pensar nela porque existem músicas que não gosto que ela ouça. Não digo palavrões e sou muito mais cuidadoso com palavras que possam insinuar sexualidade. Isso é o meu lado de pai e de homem de família.
Mostra as suas criações primeiro à família?
Não o faço de forma consciente nem com o intuito de ter a aprovação deles. Mostro porque é algo que faço naturalmente (risos).
Habituou-se a lidar com a fama?
Como sou uma pessoa muito fechada, que não gosta de grandes noitadas, acabo por não ter muitos momentos de encontro com essa realidade da fama. Muitas vezes, dizem-me que não tenho noção da fama que alcancei e costumo responder que é melhor assim, para não ficar com a cabeça grande (risos). A fama é uma espada de dois gumes e estou a tentar aproveitar tudo isto da forma mais saudável possível.
Nunca se deslumbrou com todo este sucesso?
Não. Na altura do primeiro álbum, em 2006, foi quando me casei. Acho que Deus quis abrir-me as portas, mas deu-me algo para me concentrar (risos). Criar uma família cedo fez com que os meus holofotes não estivessem centrados na festa, mas na família e na organização do nosso futuro.
Tem muitas fãs. É fácil lidar com o assédio?
Já foi muito mais difícil. Há quem me pergunte se ser casado não é uma complicação e existem produtores que me perguntam se não posso esconder esse facto (risos). Como sempre mostrei ser um homem de família, que acredita e defende valores que são desvalorizados, isso nota-se na abordagem das fãs. No início era complicado, mas agora as pessoas já sabem como sou.
É complicado equilibrar a carreira com a família sem descompensar nenhuma delas?
É o mais complicado. Ter sucesso sem ser ausente em casa ou no palco. Em alguns casos perde um dos lados, noutros perde o outro. É um jogo de cedências. Não nego que a minha carreira perde, mas tem de ser assim porque existem momentos em que as atenções têm de estar em casa. Mas também acontece o inverso.
Tem o cuidado de compensar a família? Sim.
Talvez por isso é que sou tão caseiro. Quando não estou a trabalhar, quero estar em casa e isso é bom.
Se o voltar a entrevistar daqui a cinco anos, que temas gostaria de ver abordados?
Gostaria de falar dos meus álbuns em inglês e espanhol. Podíamos falar da conquista de outros mercados. E talvez da minha entrada no mundo do cinema. Era muito bom falar disto.
Texto: Bruno Seruca; Fotos: Luís Baltazar; Produção: Manuel Medeiro; Cabelo e maquilhagem: Ana Coelho com produtos Maybelline e L'Oréal Professionnel
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