Recebe a VIP com a simpatia introvertida característica de muitos britânicos. Depois de estar sete semanas em Portugal para filmar Comboio Noturno para Lisboa, Jeremy Irons voltou para promover o filme que estreou na passada quinta-feira. Nos três dias que passou em Lisboa, cidade pela qual se apaixonou, esperava ter pelo menos tempo para “uma boa refeição” entre os “acolhedores portugueses” que conheceu por terras lusas. Aos 64 anos, o ator agradece os excelentes papéis que a indústria cinematográfica lhe tem proporcionado e realça que os blockbusters não o fazem particularmente feliz. Ao contrário do seu personagem, um professor aborrecido abandonado pela mulher, congratula-se por ter uma vida cheia que partilha, há 34 anos, com a também atriz Sinéad Cusack.
VIP – Aceitou este papel rapidamente. Gostou do guião, ou do seu papel em especial?
Jeremy Irons – Há algum tempo que eu e o Bille August falávamos em voltar a trabalhar juntos. Era algo que eu queria muito e percebi que esta era a nossa oportunidade. Já tinha lido o livro, tinha gostado muito, e acho que era muito difícil adaptar o livro para o grande ecrã, nomeadamente preservando a sua dimensão poética, mas acho que ele fez um bom trabalho. Também gostei muito do resto do elenco e ainda para mais era uma oportunidade de voltar a filmar em Lisboa.
Já tinham filmado cá A Casa dos Espíritos, nos anos 80. É o vosso destino reencontrarem--se na capital portuguesa?
Talvez! Ambos queríamos muito voltar a Lisboa. Adoro esta cidade. Desta vez conheci melhor a zona histórica, é maravilhosa. Tive oportunidade de ir ao Alentejo, ao Algarve, esta costa ainda intacta, as pessoas são ótimas. Quero voltar.
O filme recebeu algumas críticas negativas. Tinha mais ou melhores expectativas?
Não, haverá sempre críticas. O mais importante é tocar o público. Se criticam o facto de se ver o lado mais turístico de Lisboa, eu acho que os portugueses deviam estar muito orgulhosos da forma como Lisboa se vê no filme. Parece tão bonita como é na realidade.
O que achou dos atores portugueses que integram o elenco?
Acho que são ótimos atores. Claro que atuam para uma audiência que percebe português, essa é a única diferença em relação aos atores internacionais, mas não vejo qualquer diferença em termos de talento.
Descreveu este filme como sendo um “thriller filosófico”. Porque analisa a condição humana, de alguma forma?
Acho que nos relembra que a nossa atual forma de vida podia ser diferente, mais interessante. E que talvez devêssemos ser mais corajosos, mudar a forma como gastamos o nosso tempo, porque só vivemos uma vez, e podemos arrepender-nos de como usámos o tempo que tínhamos.
O autor, Pascal Mercier, diz precisamente que “só vivemos uma pequena parte da vida que temos dentro de nós”. Tenta explorar todas as partes da sua existência?
O meu personagem entra num comboio para um destino desconhecido. Felizmente tenho muita sorte, porque enquanto ator é isso que faço. Posso explorar outras pessoas, outros lugares. É como se entrasse no comboio noturno para Lisboa cada vez que aceito um papel. Acho que eu, Jeremy, sou a antítese do professor.
A mulher do professor deixa-o porque ele é aborrecido. O Jeremy partilha a vida com a mesma companheira há 34 anos, como se consegue isso sem se tornar desinteressante?
Acho, sobretudo, que temos de aceitar as nossas mudanças, as mudanças das outras pessoas, e abraçar essa mudança. Todos mudamos, a vida muda. É uma coisa animal, se não nos adaptamos, morremos e acho que acontece o mesmo fenómeno em cada relação. No entanto, para mim é um milagre o casamento ter durado tanto tempo.
Chegou a um ponto da vida e da sua carreira em que pode escolher o que quer fazer?
Acho que sempre escolhi. Um ator pode sempre dizer não. Não significa que lhe propõem tudo o que quer fazer. Acho que nenhum ator pode dizer isso, ou porque é muito novo para um papel, ou porque é muito velho, nunca é perfeito. Mas, olhando para trás, estou muito grato por ter tido oportunidade de interpretar papéis que me deram uma enorme satisfação.
Já interpretou o papel da sua vida?
Não sei. Não penso nisso. Acho que foi Mastroianni que disse que já nos podemos dar por satisfeitos se tivermos um papel muito bom de cinco em cinco anos e eu tenho tido.
Texto: Elizabete Agostinho; Fotos: Jorge Firmino, Zito Colaço, D.R.
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