A vontade de não estar parada e o gosto pela criatividade levaram Sandra Barata Belo a investir o seu próprio dinheiro para colocar em cena a peça Morreste-me, uma adaptação do livro de José Luís Peixoto com música de António Zambujo. “Irrequieta” e cheia de vontade de criar coisas, a atriz lamenta que esteja na sua idade mais ativa num país que considera “adormecido”.
VIP – A Sandra está em cena com uma peça de teatro produzida por si através da sua empresa, a Beladona. Como surgiu a decisão de apostar no teatro?
Sandra Barata Belo – Sou uma pessoa que tem vontade de fazer coisas, de trabalhar, de estar envolvida em processos criativos. E como tenho essa vontade decidi juntar-me à Cátia Ribeiro. Na altura, andávamos à procura de textos para fazer e descobrimos que as duas tínhamos admiração pelos textos do José Luís Peixoto. E então começámos a adaptar o Morreste-me para teatro.
Sei que o principal tema da peça é a morte…
O texto é uma purga, no sentido em que é um vómito de dor e de nostalgia. Fala da perda e da saudade, mas também do amor. Fala da vida e da morte. Acho que não se pode separar bem as duas coisas. A vida e a morte estão sempre ligadas. Perguntamos como é que se regressa a uma casa onde já se foi feliz , onde se teve uma família, e por aí começamos a nossa história
O Morreste-me foi uma forma de a Sandra regressar ao ativo, uma vez que está afastada da televisão?
Terminei o contrato com a SIC em janeiro. Acabei a última novela em março. Desde essa altura que não estou envolvida em nenhuma produção da SIC nem outra coisa qualquer. Então andei a pesquisar. Estou sempre à procura de coisas para fazer, é assim que passo os meus tempos livres, a ler livros, a escrever. Neste espaço de pesquisa olhámos para o Morreste-me de uma outra maneira.
A peça foi preparada só com o seu dinheiro ou teve algum tipo de ajuda?
Quem trabalha em teatro está habituado a estas coisas. Os apoios nunca foram muitos. Todos nós sabemos o país em que vivemos. Não sou a única pessoa que investe pessoalmente e financeiramente num espetáculo. E fui à procura de apoios. Tenho patrocínios e apoios logísticos, nomeadamente da Câmara Municipal de Estremoz, que me ajudam a poupar algum dinheiro. Além disso tudo claro que há investimento pessoal, que espero vir a recuperar com as bilheteiras de Estremoz e Lisboa e depois com a venda do espetáculo para autarquias.
Portanto, foi uma forma de meter mãos a obra em tempo de crise?
Sim, mas este slogan “contra a crise” assusta-me um bocadinho. Não serei a primeira e não serei a última a investir financeiramente em espetáculos. Há histórias de realizadores que pediram dinheiro ao banco para fazer filmes. Num cenário destes em que não há dinheiro para nada e que também parece que as vontades políticas não estão para aí viradas, faz com que tenha vontade de fazer e decidi avançar com a ideia. Tenho uma equipa extraordinária que embarcou também nesta aventura à espera de algum retorno financeiro.
A Sandra é uma pessoa com um espírito empreendedor, irrequieta. É assim que se define?
Sou inquieta, sou curiosa. Também acho que sou empreendedora. Gosto de fazer e principalmente entristecer-me estar na minha idade mais ativa, na casa dos 30, e estar num país em que está tudo adormecido. Eu quero viver e quero viver no meu próprio país.
O Morreste-me estreou em Estremoz e agora está em cena em Lisboa. Como está a correr?
Em Estremoz correu muito bem. Estou mais ao menos há três meses a preparar esta peça. Foram dois meses de ensaios e um mês de pré-produção e de pesquisa. É para isso que nós trabalhamos, para chegar ao momento em que subimos ao palco com imensos nervos e com imensas inseguranças e depois no final as pessoas aplaudem. É extraordinário. Saí de lá muito contente com a receção. As pessoas ficaram emocionadas, mas felizes ao mesmo tempo.
É uma peça emotiva…
É uma ode à família, ao amor, às pessoas que nos são queridas, aos que amamos, mas que temos medo de perder, aos que já foram. É uma ode que nos toca a todos. É uma peça de sentimentos. Revemo-nos naquele texto.
A escolha do Alentejo para a estreia da peça não foi inocente?
O José Luís Peixoto é alentejano. Os livros dele normalmente “transpiram” ao Alentejo e a minha família também é do Alentejo. Estou muito habituada a ir para lá, cresci lá, nas férias de verão. O Alentejo para mim é sinónimo de liberdade. Achei também que deveria convidar o António Zambujo porque gosto muito das músicas dele e ele também é alentejano. O Nanu Figueiredo depois fez os arranjos e tudo fez com que fossemos estrear numa cidade alentejana. Estremoz foi a câmara que de imediato se ofereceu para nos receber.
Gostaria de estrear também em palcos estrangeiros?
Claro que sim. Em Portugal está tudo muito parado e cada vez há mais portugueses no mundo. Este é um espetáculo contemporâneo que se vê em qualquer parte do mundo.
Disse-me que já estava a preparar este espetáculo há vários meses. Deduzo que tenha um ritmo bastante acelerado. Como é que tem tempo para si e para a sua família ?
Este projeto depende obviamente muito de mim e da minha energia. É um monólogo, sou só eu em palco. A minha vida às vezes é mais calma e tenho tempo para tudo. Outras vezes é muito acelerada. Estou habituada a estes picos de intensidade e gosto dos dois. Quando estou nesta fase mais acelerada também tenho tempo para o que é mais importante. Dá sempre para estar com a minha família.
É público que mantém uma relação com o Duarte Vilaça. Como está a correr?
Eu não costumo falar da minha vida, mas em relação a isso quero dizer que está tudo bem.
Mas já pensa em casar e ser mãe pela primeira vez?
Essas coisas surgirão naturalmente, não tenho nada a dizer em relação a isso a não ser que estou muito bem.
Deu para perceber que passa muito tempo em casa, a ler e a escrever…
Sou muito caseira, cada vez mais. Quando era mais nova saía, obviamente. Mas cada vez mais fico em casa ou então faço estes programas de ir ao cinema e ao teatro. Ou convido uns amigos para irem jantar a minha casa.
Que sonhos ainda lhe faltam realizar?
Muitos e virão, cada um deles, quando tiverem de vir.
Encara o futuro de forma positiva?
É preciso sonhar para se fazerem coisas. Se nós não sonharmos não temos objetivos e se não tivermos objetivos somos eliminados. Portanto, é importante sonhar e eu sonho muito. Às vezes mais com os pés na terra, outras vezes mais com a cabeça no ar. Mas sou uma pessoa sonhadora. Quando meto na cabeça que é para fazer uma coisa tenho de fazer e vou há procura. As coisas não são fáceis, ainda por cima nos tempos de hoje.
Até agora, qual foi o papel que mais a marcou como atriz. Foi interpretar a Amália Rodrigues?
Antes de fazer cada trabalho, acho sempre que é o maior desafio de todos. Tive isso com Amália e com outros trabalhos. Depois cada desafio é superado, posto em prática, com sucesso ou não. Depois de ser vivido deixa de ser um desafio e passa a ser algo realizável. Obviamente, que gostei muito de fazer a Amália. Nunca hei de esquecer.
O que é que mais a atrai no teatro. É a reação do público?
Gosto muito de estar envolvida no processo criativo, não só no teatro, mas também em cinema e quando estou a fazer televisão. A parte que mais gosto é de descobrir como é que se faz, como é que se coloca em cena.
Já fez teatro, cinema e televisão. Qual é o seu registo preferido?
Gosto de representar, isso é ponto assente. E depois obviamente que me sinto bem a fazer teatro. Comecei com o teatro e a minha escola é de teatro. As câmaras descobri-as mais tarde. Gosto imenso da linguagem do cinema e também gosto da televisão, daquele lado mais prático. É uma grande escola, aprende-se muito.
Portanto não consegue eleger uma preferência?
Gosto de representar e de criar.
Texto: Ricardina Batista; Fotos: Paulo Lopes; Produção: Nucha; Cabelo e maquilhagem: Ana Coelho com produtos Maybelline e L´Oréal Professionel
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