O ex-diretor de informação da RTP pediu hoje a intervenção da Presidente da Assembleia da República . Nuno Santos apelou a Assunção Esteves que se pronuncie sobre a “proteção de que devem gozar cidadãos chamados a depor nas Comissões Parlamentares.”
Em causa está o caso em que lhe foi aberto um processo disciplinar a Nuno Santos com vista ao seu despedimento da estação pública. Recorde-se que o jornalista declarou no Parlamento que estava a ser alvo de um “saneamento político” e , entretanto, foi suspenso das suas funções.
Recorde-se que ex-diretor de informação foi declarado culpado num inquérito interno da RTP sobre o caso em que foi autorizada a entrada de elementos da PSP na estação pública para visionar as imagens da manifestação de 14 de novembro.
Leia aqui a declaração de Nuno Santos fez no Hotel D. Pedro, em Lisboa.
“Caiu a máscara ao Presidente da RTP.
Hoje é já possível afirmar que a conclusão daquele que é conhecido como o caso “Brutosgate” corresponde, afinal, ao meu despedimento.
E esse despedimento, que se segue à minha demissão por razões políticas, estava preparado, de acordo com todas as informações que recolhi, antes da minha ida à Comissão Parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação da Assembleia da República.
No momento em que acaba de ser promovido o meu silenciamento, através de uma suspensão que me impede de frequentar as instalações da RTP e, consequentemente, de trabalhar, convoquei este encontro para explicar à opinião pública algumas questões que se me afiguram essenciais para o entendimento do que verdadeiramente está em causa.
O conselho de administração da RTP entende que passagens das declarações que prestei no Parlamento consubstanciam a prática de grave infração disciplinar.
O que devem os cidadãos dizer quando chamados a prestar depoimento perante aquele Órgão de Soberania? A verdade ou o que é “politicamente correto” com vista à manutenção, a qualquer custo, do seu posto de trabalho?
Daqui lanço um apelo à Senhora Presidente da Assembleia da República para que se pronuncie, não sobre mim ou sobre este caso em concreto, mas sobre a proteção de que devem gozar cidadãos chamados a depor nas Comissões Parlamentares.
Aquilo que cada um de nós diz, nessa condição de cidadãos, perante as Comissões não pode ser condicionado, à partida, com medo das represálias que possamos sofrer por alguém poder ver nessas declarações delito de opinião, algo que há mais de trinta e oito anos está banido da ordem jurídico-constitucional portuguesa.
O conselho de administração da RTP entendeu que a circunstância de ter referido que fui sujeito a um julgamento sumário, consubstancia a prática de grave infração disciplinar. Poderá, então, o conselho de administração, explicar como se qualifica uma situação em que, antes de qualquer inquérito, me imputou oralmente e por escrito ter autorizado que a PSP visionasse “brutos” na RTP?
E como classificar um “inquérito” – entre aspas – onde o meu testemunho era irrelevante porque os “factos estavam apurados”. Será exagero classifica-lo como julgamento sumário?! E ao fazê-lo com frontalidade deve um trabalhador ser punido pela sua entidade empregadora, por sinal uma empresa pública?!
O conselho de administração da RTP entendeu também, descontextualizando-a, que a explicitação que fiz das razões que conduziram ao meu pedido de demissão do (muito específico e legalmente preservado cargo) de diretor de informação da RTP seria uma prática de grave infração disciplinar e de violação do dever de respeito.
Nunca faltei ao respeito ao presidente do conselho de administração da RTP. Disse a verdade, disse o que penso. Fui contundente, mas não sou conhecido por usar meias palavras nem por ser pessoa de meias tintas. Medi cada expressão usada no Parlamento e não alteraria uma única.
Basta, de resto, analisar todo este caso para perceber que a única pessoa desrespeitada fui eu, desde logo por ter sido dado como o exclusivo culpado de uma situação que não criei. Assisti a seguir a um “inquérito” alegadamente para apuramento dos factos, “inquérito” no qual a minha contribuição era, na ótica do conselho de administração da RTP, reconhecidamente desnecessária e mesmo irrelevante.
Acresce a tudo isto o comentário jocoso, feito no estrangeiro – em Angola concretamente, sobre aquilo que o Dr. da Ponte designou como a minha “auto flagelação”.
Todas as minhas tomadas de posição têm-se pautado por uma abordagem ponderada e rigorosa de questões muito sérias que têm a ver com direitos, liberdades e garantias (individuais e coletivas), e nunca – sublinho nunca – pelo recurso à chacota fácil e desdenhosa.
O conselho de administração da RTP entendeu que consubstanciam a prática de grave infração disciplinar algumas declarações que prestei sobre a ordem de serviço 14, a qual obriga a que a aquisição de conteúdos seja autorizada com setenta e duas horas de antecedência.
A Ordem de Serviço é explícita e as suas consequências perfeitamente conhecidas, sendo a principal o condicionamento ilegítimo das decisões editoriais. Ou seja, o conselho de administração quer, por via administrativa, conhecer passos fundamentais do processo editorial e reservar para si a palavra final.
O conselho de administração repescou, ainda, a questão dos “brutos” que já dera por encerrada por saber que não tinha nem podia ter ressonância disciplinar.
É cristalino que o conselho de administração da RTP não tem competência disciplinar em matéria deontológica dos jornalistas, devendo qualquer intervenção nesta área ser vista como abusiva – por violadora – de uma instância própria de uma classe profissional. O alcance da intervenção da administração da RTP nesta área era e foi meramente a de liquidar de forma sumária a minha imagem profissional na praça pública.
Agora, com o argumento absurdo de que neguei a prática dos factos (virtuais) relacionados com uma (pretensa) autorização por mim (supostamente) dada para que elementos da PSP visionassem imagens não editadas da manifestação e que, por consequência, devo ser responsabilizado por esses (supostos) atos, o conselho de administração da RTP vem dar o dito por não dito e, simultaneamente, incorrer no patético de recuperar uma matéria onde não pode intervir e relativamente à qual já recuara.
O conselho de administração da RTP suspendeu-me de toda a minha atividade profissional de jornalista e impediu-me de trabalhar, prejudicando-me gravemente quer em termos profissionais, que em termos pessoais.
E porquê? Porque – segundo referiu – as funções de direção que eu exercia e a minha posição hierárquica elevada potenciam o meu, e passo a citar, “ascendente natural” sobre os meus “anteriores subordinados” e essa circunstância poderia prejudicar o andamento das diligências preparatórias da nota de culpa.
Não ter condições para trabalhar como diretor de informação, como aliás o presidente do conselho de administração reconheceu nas suas declarações prestadas na Assembleia da República, não implica que não se possa usufruir do direito a ver distribuídas outras tarefas.
O meu percurso de 13 anos ao serviço da Rádio e da Televisão Públicas, mais de metade com funções de Alta Direção, mereciam outro cuidado. Será difícil pedir isso a gestores que vêm de áreas estranhas aos media mas, se alguém não está preparado para esta tarefa, deveria ter pensado antes.
Guardei para o fim aquilo que está no cerne deste despedimento anunciado pelo conselho de administração da RTP, concretamente as alusões que fiz perante a Comissão Parlamentar relativas ao meu saneamento político. Se dúvidas subsistissem que esse saneamento existiu, elas foram dissipadas com a decisão ilegal e ilegítima do conselho de administração da RTP que teve a cobertura e intervenção do poder político e isso deve merecer uma reflexão profunda a todos nós, jornalistas, e à sociedade portuguesa, em geral.
Ninguém poderá ficar indiferente à forma como se voltam a silenciar vozes defensoras da liberdade de informação, nomeadamente na RTP, desta vez, e como afirmei no Parlamento, e reafirmo aqui “travestidas de decisões de gestão ou de matérias “internas”.
Não há ilusão possível: o direito à liberdade de expressão, tal como a privacidade da correspondência e o direito ao trabalho são valores constitucionais. O conselho de administração da RTP entendeu violá-los de maneira grosseira através da recuperação, desde logo, do inexistente delito de opinião.
Quero terminar dizendo que, muito embora a conclusão do processo disciplinar já esteja feita, como feita estava, a priori, a do pseudo-inquérito que a RTP conduziu ad hominem antes dele, irei até às últimas instâncias, profissionais e deontológicas, na defesa do meu bom nome e da minha honra.
Nesse sentido:
Dei instruções aos meus advogados para que utilizem todos os recursos previstos na lei não só para me defender mas também para confrontar o conselho de administração da RTP com a justiça. Este abuso de autoridade é uma ameaça para todos no interior da empresa e precisa ser travado.
Tenho consciência que estou a servir de exemplo, como outros serviram no passado, para que o poder político mostre à classe jornalística como se deve “comportar”.
Mas, por ter essa consciência, também sinto a responsabilidade acrescida de não vacilar. E não vacilarei!
Como disse no meu primeiro comunicado, tempos conturbados aguardam a RTP com a anunciada aquisição de parte do seu capital com o figurino que tem sido divulgado. Cabe aqui uma palavra especial de apoio a todos os trabalhadores da Televisão e da Rádio Públicas nesta hora tão incerta. O clima de medo instalado faz com que muitos estejam em silêncio. Que ninguém se iluda. Depois de mim outros serão atingidos.
É certo que a cortina de fumo que o meu caso acaba por constituir tem indiscutível oportunidade para desviar as atenções da opinião pública, mas sei, também que esta está hoje e mais do que nunca, até pela situação que o país atravessa, atenta e pronta para intervir”
Foto: Impala
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