Há 35 anos, Alberto Ferreira Paulo era um jovem teimoso que queria tocar blues, e que se viria a transformar num dos mais conhecidos músicos portugueses. Sempre discreto sobre a vida pessoal, tem uma história repleta de sucessos e é autor do disco que mais vendeu na história da música portuguesa. Quem é Alberto Ferreira Paulo? É o Paulo Gonzo, há tantos anos que até a mãe o trata pela alcunha.
Pai de Francisco, 22 anos, e de Mariana, de 15, o músico aceitou entreabrir as portas da sua intimidade numa entrevista sincera que relembra o início dos Go Graal Blues Band, em 1975, e atravessa mais de três décadas intensas.
VIP – Que balanço faz destes 35 anos?
Paulo Gonzo – Faço um balanço excelente. Claro que há sabores e dissabores, mas não tenho isso em mente. A música tem essa vantagem, esquece-se facilmente o que é mau, e portanto o que é bom está sempre em primeiro plano. A música tem-me dado imensas alegrias e, pelos vistos, também tenho dado alegria às pessoas.
Como é que o jovem de 19 anos forma uma banda de blues, em 1975? É no mínimo improvável…
Em Portugal era muito complicado, ainda para mais na altura da revolução. E ainda hoje é muito complicado, mas isso é a vantagem da irreverência dos miúdos de 18 anos. Era muito cismado, ouvia blues, era a minha formação musical, e nessa altura estudava Artes Decorativas na António Arroio, conhecia uns rapazes que tinham vindo de Angola, que eram amantes de blues, e que tinham ótimo material. Tínhamos um som forte. Não vendíamos muitos discos, mas galgávamos o País e enchíamos salas.
Não era um miúdo revolucionário?
Claro que sim, levei imensa porrada dos polícias, ia a tudo o que era manifestação. Acho que todos jovens, quando vivem numa altura dessas, estão envolvidos.
Nessa altura dos Go Graal foi paginador do Expresso durante nove anos e depois decide dedicar-se por inteiro à música…
Eu sempre fui muito ativo, era trabalhador estudante. Trabalhava à noite, estudava de dia e entrei no Expresso na altura em que a grande leva de jornalistas entrou, com o Mega Ferreira, a Helena Vaz da Silva, a Maria João Avillez, na altura com o Francisco Pinto Balsemão, o Augusto Carvalho e o Marcelo Rebelo de Sousa. Passámos por essa fase do Jamaica, dos bares, havia espaço de leitura, de música ao vivo, havia tertúlias, as pessoas ouviam poesia, era uma altura política muito interessante com muita coisa a acontecer. Mas o tempo encarrega-se de pôr as coisas no lugar.
A carreira a solo foi uma escolha natural, a banda já estava esgotada?
Sim, porque eu já tinha outras ideias, os outros também… Depois fiz o So Do I. Avisei o grupo que ia fazer uma canção a solo e sabe como são estas coisas… Ainda gravámos o So Down Train, em 1986…
Quando é que o Alberto Ferreira Paulo se transforma em Paulo Gonzo?
Quando fiz o primeiro Coliseu, o nosso guitarrista, o João Allain, que tinha um sentido de humor fantástico, inscreveu-me como Paulo Gonzo. Porque eu adorava The Muppet Show e adorava o peru, o Gonzo, porque tinha sempre umas galinhas à volta. Na altura fiquei irritadíssimo, mas sabe como é, foi ficando, foi sendo usado nos cartazes e tive de me render. Passou a ser uma marca, até a minha mãe me chama Gonzo!
Os seus pais apoiaram este seu caminho?
Eles sempre foram umas pessoas fantásticas a esse nível, nunca me chatearam e faziam comigo o que eu faço hoje em dia com os meus filhos: dou-lhes conselhos, o que não posso é impô-los. Mas apoiaram sempre, um mais silencioso que outro. Sempre me disseram: “O que fizeres faz bem e com honestidade.”
É pai em 1990, numa altura em que tem concertos quase todos os dias. Como se gere uma vida familiar neste ambiente?
É uma coisa natural, as pessoas adaptam-se à educação que recebem, a mentalidade é diferente. Apesar de tudo acho que vivemos as coisas com mais alegria que os outros. Se tivesse horários estipulados, dava cabo de mim, morria em dois anos, portanto fico orgulhoso de ter sobrevivido a essas imposições. Infelizmente há muita gente que não faz aquilo que gostaria e por isso sinto-me agradecido. Relativamente aos filhos, estamos sempre em contacto, são muito generosos. Percebem, entendem, gostam e pelo menos não ficam uns meninos aborrecidos. Quando os pais são chatos e não têm humor, os filhos crescem assim e ficam piores que eles. Os meus, felizmente, não.
São seus fãs?
Eu sei que sou fã deles! Mas acho que sim.
Que tipo de pai é?
Sou pai. Sou um pai. Não os deixo exporem-se, nunca permiti, e eles são compreensivos, são amigos. Às vezes o Francisco vai aos espetáculos…
Faz questão de resguardar a sua vida familiar?
Com certeza. Porque senão a magia vai-se. Acho que a privacidade e a intimidade das pessoas é inviolável. Quero proteger a minha família. O meu trabalho é a música, as pessoas têm de aprender a respeitar o próximo e a tirar as coisas boas que há nele, não as coisas más. Eu não quero saber o que o Presidente faz em casa, nem devo saber.
Voltando à sua carreira, como percorre esse caminho de descobrir quem é o Paulo Gonzo a solo?
Passei essa fase periclitante, sobrevivi, com o apoio enorme do Carlos Pinto, na altura diretor da CBS/Sony, que confiou em mim anos e anos, até eu conseguir fazer o disco que mais vendeu em Portugal. Aí foi a grande euforia.
Sim, com o Quase tudo, em 1997, parece que o mundo inteiro descobriu ou redescobriu Paulo Gonzo…
Sim, mais pela mediatização da música. Esse tema curiosamente não era o que eu elegeria, mas essa música marcou imenso. As pessoas que estão nos meus espetáculos dão-me alento, adotaram as canções, ainda hoje não posso deixar de cantar os Jardins Proibidos. As baladas são um espaço com mais silêncio. Há pessoas que me abordam, queridas, que me dizem: “Paulo, tive dois filhos graças a si” ou “Separei-me por causa de si” e isso orgulha-me. Eu dou pistas, crio ambientes musicais, para depois deixar as pessoas fazerem os seus próprios filmes.
Deixa sempre algum tempo entre cada um dos seus trabalhos. É propositado?
Sim, é impossível que assim não seja. Porque quando queres assumir um disco novo, se apareces em todo o sítio, as pessoas fartam-se. Um disco tem um prazo de vida de um ano, não se pode editar um disco logo a seguir a outro. Um disco tem 12 músicas, algumas nunca viram a luz do dia, você só ouve aquilo que lhe dão, mas isso são as regras.
Depois de 35 anos de carreira, já consegue fugir às regras?
Já. Uma coisa boa que sempre tive, e nisso tenho de agradecer à editora, é que sempre me deram carta branca para fazer o que eu quisesse, portanto nunca houve essa
pressão, sempre fiz as coisas como queria…
Em 2010 lançou By Request, com 12 clássicos da soul e do blues. Tinha vontade de regressar às origens?
Tinha vontade de respirar, ali é a minha água, sinto-me como um peixe. Eram músicos de primeira apanha: os coros da Whitney Houston, a guitarrista do Prince, a Cindy Blackman e o Jack Daley, que são músicos do Lenny Kravitz. Levei umas garrafas de vinho para estúdio e ficámos grandes amigos. Aquele disco é feito ao primeiro take e fiquei orgulhosíssimo pela forma como me acolheram e me respeitaram.
Onde é que se sente mais em casa, em palco ou no estúdio?
Eu não contabilizo os palcos que piso, mas acho que são muitos. Na altura do Jardins Proibidos, fiz 260 espetáculos em ano e meio, no Mundo todo, tinha de pensar de manhã para me lembrar em que cidade estava, acho que estive seis meses sem vir a casa. Mas o que faz um palco somos nós, usar um palco é uma responsabilidade enorme, porque tens que agarrar as pessoas e saber usar um palco com muito respeito. Felizmente, a música não é uma ciência exata. Os palcos têm-me dado imensas alegrias. Quando acaba um espetáculo, os meus músicos vão para o hotel e eu fico duas horas a falar com as pessoas. Isso é fantástico, essa generosidade é boa, eu vivo de pessoas.
Texto: Elizabete Agostinho; Fotos: Bruno Peres; Produção: Nucha; Maquilhagem e cabelos: Ana Coelho com Produtos Maybelline e L'Oréal Professionnel
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