Catarina Portas
“Num certo sentido, sou um bocadinho anarquista”

Famosos

Meses depois do golpe do destino, que lhe roubou o irmão, Catarina Portas define prioridades: equilibrar a vida privada, escrever o livro, fazer crescer A Vida Portuguesa

Qua, 03/10/2012 - 23:00

 Achava que ia ser arquiteta, aos 17 anos dedicou-se à chapelaria e tornou-se adulta no jornalismo. Mas, fazendo uma retrospetiva, Catarina Portas considera que tudo se conjugou para a criação de A Vida Portuguesa, a empresa que comercializa marcas antigas portuguesas. Em 2009, revitalizou os tradicionais Quiosque de Refresco, na Praça Luís de Camões, no Príncipe Real e na Praça das Flores, e pretende abrir mais antes do final do ano. Filha de Margarida Maria Gomes de Sousa Lobo e Nuno Portas, a irmã de Paulo e Miguel Portas é apartidária, mas interventiva. Entre sonoras gargalhadas e as lágrimas que lhe banham os olhos quando fala do irmão, Miguel, que morreu de cancro do pulmão no passado mês de abril, a mais nova do “trio” recorda uma infância marcada pela diversidade, numa família onde o sentido de humor sempre ajudou a ultrapassar os diferendos.

VIP – Aos 17 anos queria ser chapeleira, 15 anos depois estamos aqui, na loja A Vida Portuguesa. O gosto pelos ofícios tradicionais é-lhe inato?
Catarina Portas – Não sei, mas sempre quis ser muita coisa na minha infância: arqueóloga, antiquária, arquiteta… aliás, sempre achei que ia ser arquiteta. Queria ser várias coisas, mas sem grande convicção, porque achava sempre que ia parar à arquitetura. Depois aconteceu de facto de interessar-me por uma profissão manual, a chapelaria de alta-costura, e fui aprendiza durante dois anos. Em simultâneo enveredei pelo jornalismo. O que aconteceu de interessante com A Vida Portuguesa é que todas as experiências que tive na vida se conjugaram para vir dar aqui: o jornalismo, a investigação, até a televisão, que me ajudou a treinar os meus dotes comunicacionais, o documentário e depois o interesse que tinha por trabalho manual especializado…

Quando saiu de casa, aos 16 anos, para aprender a fazer chapéus, a ideia foi bem recebida?
Sim, quer dizer… saí de casa para ir viver com o meu irmão Miguel. Eles deram-me liberdade e responsabilidade, sobretudo, e nunca nos facilitaram demasiado a vida. Acho que isso foi uma boa escola. Foi muito divertido esse período que vivemos juntos, porque o Miguel estava numa revista que se chamava Contraste, e a redação funcionava lá em casa. Foi um período muito animado.

Começou a trabalhar muito cedo, com pessoas mais velhas. Cresceu muito rápido?
Sim. Tinha uma certa “bagagem” teórica do mundo, porque sempre gostei muito de ler. Mudei de país várias vezes. Aos cinco anos, a minha mãe foi fazer o doutoramento para Inglaterra e fui com ela, depois foi consultora da Unesco, em Paris, quando tinha oito anos. Fiz a escola primária em várias escolas e em várias línguas. Como os meus amigos não podiam ir comigo, os que podiam ir comigo eram os livros, ganhei o hábito de ler muito… digamos que tinha uma certa “bagagem” teórica do mundo. Claro que depois comecei a investigar o mundo na prática e não era bem como nos livros!

Depois descobre o jornalismo através do seu outro irmão, o Paulo?
Foi na altura em que estava a acabar o liceu francês, estava a pensar naquilo que iria fazer a seguir e tinha muitos amigos que trabalhavam no Independente. Tinha sugerido ao meu irmão fazer uma secção de utilidades, coisas abertas fora de horas e ao domingo. À última hora não tinha quem fizesse e disse-me para fazer eu. Depois comecei a fazer outras coisas.

A escrita era fácil para si?
Não, tinha toda a insegurança do autodidata. Comecei a trabalhar aos 19 anos, depois fiz o concurso para o Correio da Manhã Rádio e a coisa que eu achava mais fácil do mundo passou a ser a coisa mais difícil do mundo. Ganhar os prémios revelação do Clube de Jornalistas e do Clube Português de Imprensa, na Marie Claire, deu-me alguma segurança.

Como se dá a passagem para a televisão?
Quando regressei de um curso nos Estados Unidos convidaram-me para a informação da RTP. Estive um ano na informação da RTP e depois a Manuela Moura Guedes convidou-me para o Raios e Coriscos.

Mas sendo tão tímida, não foi difícil para si?
Assustou-me imenso. Aliás, durante o primeiro ano, nunca apareci. Foi a Manuela Moura Guedes que me convenceu a apresentar, foi ela que me treinou. Depois veio o Júri da Cornélia, o Frou Frou, com a Alexandra Lencastre, era muito engraçado… No primeiro canal tínhamos muita audiência, mas estávamos muito condicionados e no segundo canal tínhamos menos condições, mas tínhamos bastante mais liberdade e portanto fui fazer o Falatório e o Onda-curta.

Sentiu-se mais “em casa” na RTP2?
Tinha muita liberdade na escolha dos convidados, dos temas, mas depois cansei-me um pouco da televisão. Sempre fui autora dos programas. O resultado das ideias que tinha ficava sempre bastante aquém do que tinha imaginado. Também fiquei com interesse em aprofundar mais os temas e fui fazer um curso de documentário em Paris. Queria explorar esses dois campos, dos livros, dos documentários, e estava à espera de conseguir montar os projetos quando apareceu a ideia de A Vida Portuguesa.

Nesse sentido, ter três minutos para apresentar um livro, como acontecia n’O Sofá Vermelho, é frustrante?
Não! Aliás, estranhamente, O Sofá Vermelho foi o programa que ficou mais próximo daquilo que os autores tinham imaginado. Foi uma pena porque na altura o Emídio Rangel não cumpriu o acordo que tinha assinado com o Ministério da Cultura e retirou o programa de prime-time, embora ele não baixasse as audiências. Claro que quando começou a passar às três da manhã, começou a resultar menos. Foi uma deceção…

Ainda escreve?
Pouquíssimo. Quando escrevia as crónicas para o Público obrigava-me a passar uma tarde por semana a escrever. Agora ando desabituada, mas é como andar de bicicleta…

O seu livro Goa: História de um Encontro foi um enorme investimento de tempo.
Cinco anos. Tinha medo de cometer erros, para além de que sempre estudei no sistema francês, portanto descobri Portugal já adulta e acho que isso me ajudou no que faço hoje em dia. Também tive influência da minha mãe. Ela colecionava artesanato e dizia-me: “Temos de comprar antes que acabe.” Noutro dia disse-lhe: “Mãe, a culpa disto é tua!” De facto, aquilo ficou!

Para escrever o livro passou seis meses na Índia. Mudou a sua visão do mundo, da vida?
Foi muito importante viver uma realidade completamente diferente. As minhas prioridades mudaram. Passou a ser mais importante fazer aquilo em que acreditava do que propriamente aquilo que me daria mais sucesso profissional ou até mais dinheiro.

Como nasceu a ideia de A Vida Portuguesa?
Pensei fazer um livro sobre a vida quotidiana em Portugal no século XX e lembrei-me que uns anos antes tinha feito um shopping para a Marie Claire e tinha descoberto que havia imensas embalagens de época em Portugal, divertidas, ingénuas algumas. Comecei a reunir os produtos e a pensar como se podia descobrir um novo público para eles. Assim como eu gosto de sabonete Ach Brito, outras pessoas gostam, porque são produtos muito bons, sobreviveram porque tinham alguma qualidade.

Foi eleita em 2009 pela revista Monocle como uma das 20 personalidades mundiais que merece um palco maior. Precisa?
Não! Quer dizer, tenho muitas ideias, mas acho que o terreno em que me mexo, dos produtos portugueses, precisa de um palco maior. E acho que já o tem, neste momento. Nos últimos dois anos a atitude das pessoas mudou muito. Quando abri a loja, às vezes sentia-me um bocadinho a pregar no deserto.

Não houve uma resistência inicial, uma associação entre os produtos e o Estado Novo?
Sim, também porque no início o projeto chamava-se Uma Casa Portuguesa e foi na altura que Salazar ganhou o concurso dos Grandes Portugueses. Obviamente que me incomodou e foi por isso que mudei o nome. Os produtos existiam antes do Estado Novo e continuaram a existir depois de Salazar cair da cadeira… ?

Vem de uma família muito politizada e foi apoiante da candidatura de Jorge Sampaio à Presidência da República. Pensou enveredar pela política?
Nunca. Nesse caso aconteceu porque acreditava profundamente que o Jorge Sampaio daria um bom Presidente da República e ofereci-me para colaborar na candidatura. De resto, achava que já havia política suficiente na família. Sempre fui muito independente. Num certo sentido, sou um bocadinho anarquista, também porque cresci com esta diversidade política à minha volta. Sou capaz de ouvir todos os lados e há coisas que me agradam e me desagradam em todos os lados.

Era a mais nova de três irmãos, a única rapariga, sentiu-se sempre parte do trio?
Claro. Os nossos encontros de família eram sempre com os três, melhor ou pior, com as agendas atribuladas, mas sempre fizemos por manter essa unidade. Eu vivi sempre com o Miguel, que vivia connosco, e o Paulo viveu com a mãe dele, a Helena
Sacadura Cabral, mas tivemos sempre uma ligação bastante próxima.

Perdeu o seu irmão Miguel este ano. Foi um golpe duro na sua vida?
Foi. Muito. Mesmo. O Miguel faz falta… Nunca esperámos que partisse tão cedo… mas tenho uns sobrinhos fantásticos e a vida continua.

Reconhece o Miguel no Frederico e no André?
Reconheço e acho que eles também reconhecem. Foi muito difícil para eles, mas foram de uma coragem e uma valentia extraordinárias.

A ideia de casar e de ser mãe faz sentido para si?
Faz. Por acaso não aconteceu na minha vida dessa forma tão tradicional, mas as pessoas fazem o que lhes fizer sentido.

No Sofá Vermelho usava muito a frase de Borges, que diz que uma biblioteca é sempre uma hipótese de encontrar a felicidade. Já encontrou a felicidade?
Sim, a vida não é fácil, mas retomando o título do novo livro do Rui Cardoso Martins, Se Fosse Fácil Era Para os Outros. Acho que isso faz parte do interesse de estar vivo. A vida é muito surpreendente, às vezes de uma maneira boa, às vezes de uma maneira difícil, mas cada momento é importante para nos conhecermos, para aprendermos e para melhorarmos.

Tem ideias para os próximos tempos?
Sim. Acho que neste momento a minha vida privada precisa de mim. Passei estes anos muito dedicada, queria muito que as coisas corressem bem, trabalhei muito e acho que agora preciso de equilibrar um bocadinho a minha vida nesses termos. E ainda tenho de fazer o livro que tinha previsto inicialmente e que deu lugar a tudo isto, que agora será mais um livro sobre as marcas antigas portuguesas e que espero fazer durante o próximo ano.

Diz que quer tirar mais tempo para si, o que são para si umas férias ideais?
Gosto de passar férias em ilhas. Uma rede. Um livro. Uma praia para nadar.

Texto: Elizabete Agostinho; Fotos: Paulo Lopes; Produção: Manuel Medeiro; Maquilhagem: Ana Coelho com produtos Maybelline e L’Oréal Professionel

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