Jornalista de profissão, Sónia Morais Santos criou há cerca de quatro anos um blogue para falar da sua experiência da maternidade. Três filhos depois (Manuel, de dez anos, Martim, de sete, e Madalena, de três) o espaço cibernético a que deu o nome de Cocó na Fralda passou de brincadeira a assunto sério, recebendo atualmente cerca de 20 mil visitas diárias. Cocó na Fralda – Os Desabafos de uma Mulher Sobre os Imprevistos da Vida em Família é um livro que reúne alguns dos textos mais marcantes do blogue.
VIP – Os seus filhos são a fonte de inspiração do blogue?
Sónia Morais Santos – O blogue começou por aí, pelo lado das crianças, porque tinha dois filhos pequeninos, ainda não tinha a Madalena. Quando são pequenos dizem sempre coisas fascinantes. Depois começaram a crescer e cada vez estão menos dentro do blogue. Por um lado preciso de defendê-los. E por outro, começam a ser parvinhos. Sei perfeitamente que eles também conseguem ser muito parvinhos. E, portanto, já não são aquela fonte de inspiração maravilhosa. A Madalena sim, porque está nessa fase, tudo o que sai dela são pérolas a toda a hora. Mas um dia que ela cresça o blogue vai continuar. Ganhou vida própria.
De facto, Cocó na Fralda remete logo para bebés. Isso implicaria ter um quarto filho ou mudar o nome.
O quarto filho não sei. Em teoria gostava, mas acho que já não tenho forças. Também já pensei mudar o nome do blogue até porque há muitas marcas que não querem aliar-se a uma plataforma que tem um nome tão “nojentinho”, tão escatológico. Mas por outro lado, já é uma marca e já tem quatro anos. E portanto o nome vai manter-se.
Não vai mudar para Coração na Boca, como sugere Pedro Rolo Duarte no prefácio do seu livro?
Faria sentido, mas não me parece que vá mudar. Tenho muita dificuldade em ter “filtro”, porque aquilo que se vê é aquilo que eu sou. Sempre contei a minha vida toda a toda a gente, mesmo antes de ter blogue, sempre fui assim de coração aberto sem medir muitas vezes o que isso implicaria.
O blogue não tem um nome glamoroso, mas reflete bem a vida de uma mãe.
O blogue também visa mostrar que é possível ser-se mãe e ter-se uma vida profissional superintensa como tenho, sair à noite e ter amigos com quem se janta até horas tardias, seja com ou sem miúdos em restaurantes (juntam-se dois bancos e eles dormem). Faz-me um bocadinho de impressão as pessoas que deixam de existir. Também procuro dar a entender isso, que a minha vida tem imensas outras coisas. Há todo um mundo que não se tem de perder só porque se é mãe.
Tem 38 anos. Alguma vez deu por si a anular-se enquanto mulher?
No primeiro filho. Esqueci-me que existia enquanto mulher. O primeiro filho é uma grande “pancada” na cabeça. Engordei, deixei-me estar, vestia uma peça qualquer cheia de borbotos… o que interessava era o bebé. Depois tive um grito de alerta no meu caso um bocadinho dramático, tive ali um momento muito tenso no casamento, mas foi bom. Ainda bem que aconteceu.
Há uma passagem no seu livro na qual diz que o amor pela sua família a mudou. O blogue é também uma ode ao amor?
É, eu acho que sim. Eu era uma pessoa substancialmente diferente. Antes de casar tinha uma total falta de fé nos homens. Cresci a acreditar que os homens eram todos uns malvados. Mudei essa perspetiva.
A falta de uma figura paternal contribuiu para isso.
Acho que isso ajudou muito. A minha mãe estava sozinha e a tendência era para dizer: “Tem cuidado, olha que os homens…” É normal, queria proteger-me. Hoje estou casada há 12 anos e continuamos superapaixonados, viajamos, namoramos, mandamos presentes assim do nada. O meu marido e os meus filhos mudaram-me, porque eu tinha mau feitio e neuras. Agora não tenho tempo para isso e estou sempre bem-disposta. Tem de ser, porque tenho-os a eles e se não estou tão bem eles acabam por arrancar-me um sorriso no momento a seguir. Sim, o blogue é uma ode a esta gente toda que me fez mudar tanto para melhor.
A Sónia diz que o coração é elástico.
Completamente. Posso ter mais 50 filhos que vou gostar de todos com a mesma intensidade porque cada um deles é diferente.
Este livro é um sonho?
De todo. O blogue sempre foi uma brincadeira, até no nome, que é provocatório. De repente foi crescendo e foi-se tornando mais sério, mas ainda assim uma brincadeira. Até porque aquilo que ali está é o meu lado muito light. Mas sou franca, quando vi o livro foi como ter um filho outra vez. Pensava que não ia valorizá-lo muito e afinal, quando o vi tão bonitinho com o meu nome, fiquei mesmo contente.
É costume dizer-se que uma pessoa só está completa depois de ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Sente que alcançou a plenitude por já ter feito tudo isso?
Não acho que já possa ir descansadinha. Conheço a história de uma pessoa que disse: “Morria agora feliz” e morreu. Eu não morria agora feliz. Ainda me faltam muitas outras coisas, gostava de escrever um romance ou vários, gostava de continuar a fazer jornalismo, ver os meus filhos crescer, ser avozinha e quem sabe ter outro filho.
É uma mãe descontraída? Com quatro meses levou o Manuel para a Serra Nevada.
Sou superdescontraída, apesar de ser hipocondríaca. Há essa da Serra Nevada e a Madalena. Desde bebé que ela tem a “pancada” de dormir no chão e eu fazia-o nos restaurantes. As pessoas ficavam a olhar. Sou um bocadinho maluca, provavelmente para contrariar o que a minha mãe fez comigo.
Vê nos seus filhos algumas características suas quando era criança?
Fisicamente a Madalena, quando está no banho com o cabelo molhado estou sempre a ver uma fotografia que eu tenho no banho que é igual. De personalidade talvez o Martim, que é um bocadinho mentiroso e eu adorava contar histórias, estava sempre a inventar histórias e às vezes como não as tinha à mão de semear, inventava. O Manuel é igual ao pai em tudo, na ponderação, na maneira de responder.
Costuma receber muitos mails de outras mulheres que se identificam com as histórias que conta?
Muitos. E isso foi outra lição. Até ter blogue odiava quando não me respondiam a sugestões de trabalhos. Agora dou por mim com muita gente pendurada à espera. Parte-me o coração, mesmo! Há alturas em que até a dormir isso me assalta: “Não respondi àquela pessoa!”
Houve algum mail que a tenha sensibilizado particularmente?
Houve um recentemente de uma miúda que dizia que gostava muito de ter o livro, mas que vivia sozinha, que a mãe teve de emigrar, está na universidade ao Deus-dará… e é claro que lhe vou mandar um. Mas o que me enche de felicidade é quando uma pessoa foi dar sangue, inscrever-se como dador de medula óssea ou meter-se num projeto de solidariedade porque viu no blogue.
Como é que o seu marido vê o blogue?
É um fã. Gosta mesmo. E nunca me disse que eu não devia ter posto alguma coisa no blogue.
E os seus filhos?
O Manuel está sempre a pensar em futebol, é a única coisa que ele pensa. O outro, do meio, pensa muito em miúdas, não tem curiosidade ou grande interesse. O Manuel começou a ler o livro e riu-se tanto, afinal era a vida dele.
Como é que coordena a vida familiar com a profissional? Há algum segredo?
Não, é uma salganhada. Agora escrevo um texto, a seguir ponho um post. A seguir levo o Manuel ao futebol, a Madalena ao ballet. Sou muito desorganizada. Tenho uma secretária com um “muro de Berlim” de papéis. Gostava muito que o meu vizinho vendesse a casa do lado, porque não tenho um escritório e aquilo é um caos. Mas dentro da minha desorganização aquilo resulta. Não há grande segredo.
E o marido não se queixa?
Nada. Ele é ótimo, é um superpai e faz tudo naquela casa. Quando eu trabalhava fora de casa ele era mais mãe do que eu. Era bastante mais arrumado do que eu. Era, porque se não podes vencê-los, junta-te a eles. Ele agora já começa a ser um pouco desarrumado. Acho que uma pessoa muito alinhadinha não pode ter muitos filhos. É uma teoria que gostava que algum cientista explorasse. É impossível, pois há sempre um brinquedo espalhado.
Li no seu livro que criou o DFU – Dia do Filho Único.
É verdade. Tentamos que seja de 15 em 15 dias, mas nem sempre é fácil. Vamos buscar um à escola e fazemos um programa a sós com ele. É maravilhoso, eles sentem-se superimportantes e é mesmo tempo de qualidade à séria. Foi uma invenção ótima que fizemos e é para continuar.
O que é que o blogue lhe trouxe de melhor?
Essa pergunta é mesmo difícil… mas acho que é a felicidade de poder continuar a conhecer pessoas fantásticas. Uma das coisas que acho maravilhosa é quando peço ajuda para um trabalho jornalístico e aparecem-me histórias avassaladoras, que posso usar nos meios para os quais colaboro. Essa é uma das coisas fantásticas. A é este livro. Este quarto filho é uma maravilha.
Texto: Helena Magna Costa; Fotos: Luis Baltazar; Produção: Zita Lopes; Maquilhagem e cabelo: Ana Coelho com produtos Maybelline e Produtos L´Oréal
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