VIP – Tem 50 anos de carreira, mas diz que ainda tem muito por fazer…
Victor Espadinha – (Risos) Quase tudo! Não me arrependo de nada do que fiz, exceto de uma coisa: no dia 25 de abril de 1974 estava em Londres, onde vivi muitos anos, e estava já a conseguir entrar no ambiente dos teatros. Era também inspetor de jogo do casino Playboy e ganhava muito dinheiro. Um dia, compro o Evening Standard e vejo na primeira página umas pessoas em cima de uns canhões com uma flores dentro da arma. Nessa altura o Vasco Morgado andava atrás de mim para eu voltar para o teatro e eu voltei. Foi o único passo mau que dei na minha vida. Faço aquilo que quero – ser ator – gosto do que faço, mas não é a mesma coisa que ser ator nos Estados Unidos ou em Inglaterra, é outra realidade.
Vive angustiado com essa escolha ou já sabe lidar com ela?
Ainda não sei. Em Portugal os políticos são maus, somos roubados, nem os árbitros de futebol sabem arbitrar. Noventa por cento dos atores que fazem novelas borravam-se todos se fizessem uma peça de teatro, nem lhes passa pela cabeça o que é fazer teatro. Isto dá-me conta da paciência.
Há de ser sempre um inconformado.
Sempre! No outro dia fui a Nova Iorque ver umas peças e saí envergonhado por fazer parte disto aqui. Caem-me lágrimas de vergonha. E é uma pena porque temos coisas tão boas… Este país podia ser diferente.
Está em palco com a peça A Curva da Felicidade. Fale-nos um bocadinho sobre ela.
Somos quatro homens em palco e só falo nos outros três: no João de Carvalho, no Luís Aleluia e no Luís Mascarenhas. Naquela faixa etária não há nenhum ator melhor nas novelas do que aqueles. Nenhum! A peça é divertidíssima, muito bem feita, muito bem encenada, com um texto primoroso. Fala da vida do quotidiano entre um homem e uma mulher, dos homens que se gabam… é muito engraçada!
Sei que já tem muitas datas garantidas, o que é bom em tempo de crise.
Até ao final do ano estamos ocupadíssimos. Um pouco por todo o País querem apresentar a peça e nós vamos até onde for possível.
Vamos recuar até à sua infância, até o numero 70 da Rua da Esperança…
Vivia com a minha avó paterna e com uma irmã do meu pai, que era casada com um senhor francês. Foi ele que me sustentou em criança, porque a minha família era pobre.
Teve pouco contacto com os seus pais.
A minha mãe via, porque estava cá, mas o meu pai foi para África quando eu tinha três anos e só o voltei a ver quando tinha 17.
Acha que o seu percurso teria sido diferente se tivesse sido criado com os seus pais?
Acho que se estivesse com eles teria sido pior. Embora ser criado sem pai nem mãe seja um bocado chato.
Até aos 15 anos não teve uma vida nada fácil.
Foram tempos difíceis porque era posto em colégios internos e depois tinha problemas com os pagamentos dos colégios. Andava sempre de um lado para o outro. Hoje quando se chama a isto crise, dá-me vontade de rir. Havia as senhas da guerra, para o açúcar, para o sal, para o azeite.. isso é que é crise… querer almoçar e jantar e não haver o que comer. Agora isto não se pode comparar com aqueles tempos.
Mas li que o seu avó era um homem com posses. Como chegaram a isso?
Quando eu nasci já não havia riqueza e ele já tinha morrido. Ele tinha um casino, cavalos, era um daqueles homens ricos, mas estourou tudo.
Foi esse seu avô que morreu enquanto fazia amor com uma amante?
(Risos) São as coisas que me contam. Acho que é capaz de ser uma boa morte. Se a morte for um orgasmo, não me importo nada de morrer assim.
Lembra-se da sua primeira namorada?
Foi uma lição de vida. Tinha 15 anos, era muito “purozinho” e a apaixonei-me por uma namorada nos bailes do Sporting. Ela não queria saber de mim, só eu é que gostava dela e aquilo foi uma desgraça. Foi uma vacina que apanhei que nunca mais aconteceu.
Nunca mais se entregou desse forma?
Assim, nunca mais. Depois passei a representar mais, a levar as coisas com mais calma, aprendi muito com mulheres mais velhas do que eu. Costumo dizer que, no que diz respeito às mulheres, estagnei: quando tinha 17 anos gostava de mulheres de 30, agora com 70 continuo a gostar de mulheres de 30 (risos).
Alguma vez amou?
Já gostei de várias mulheres… de qual delas gostei mais? Isso é difícil, porque na altura gosta-se muito, mas depois a paixão passa a amor, o amor a amizade e depois conhece-se outra e é o mesmo andamento. Neste momento, aquela de que gosto mais é a do presente e acho que vou ficar por aqui.
Sempre lidou mal com regras….
No meu trabalho sou muito profissional, respeito tudo e todos. Agora exércitos e guerras, não tenho paciência para isso.
Mas teve de ir.
Tive, mas dei-lhes “água pela barba”. Nunca mais se esqueceram de mim (risos).
Esteve em África, na guerra, mas nunca pegou numa arma. Foi isso que o levou à prisão?
Sim, estive dois anos preso. Não tinha nada a ver com aquilo, não ia matar ninguém, estavam a perder tempo comigo e a gastar dinheiro ao Estado. Naquele tempo, por se dizer isto, ia-se dentro, mas eu preferia estar dentro do que andar a fazer aquelas palermices todas. Tenho uma dívida de vida é com o Almeida Santos, foi ele que me tirou da prisão.
Sem se conhecerem…
Sim. Interessou-se pelo meu caso. Recebeu a minha carta e passados dois ou três dias eu estava cá fora, na disponibilidade.
Foi locutor de rádio…
Na Rádio Clube de Moçambique. Foi depois da tropa. Ganhei um concurso, nunca entrei por favor em lado nenhum. Passado dois ou três meses estava a fazer tudo na rádio. Agora é que já não há concursos, trabalho porque sou o Victor Espadinha (risos). Repare uma coisa, e voltando à peça A Curva da Felicidade, aqueles atores não estão a trabalhar em televisão porquê? Há melhor do que aqueles três? Isto não bate certo!
Tem quantos filhos?
Cinco, dois rapazes e três raparigas.
Tinha sucesso com as mulheres…
E não é bom? (Risos).
São um elemento constante na sua vida…
Era incapaz de viver sozinho, sem uma mulher. É um problema físico e talvez também psíquico. Nunca consegui! Até porque preciso da força das mulheres e do apoio, ganho forças assim.
A fama de galã vem do tempo que trabalho com a Playboy?
Não, isso do galã vem das canções! Não sou galã nenhum.
A culpa é do Tozé Brito?
As nossas mulheres, ambas inglesas, conheceram-se num jardim a passear as crianças. Ficámos tão amigos que alugamos uma vivenda grande e começamos a viver todos juntos. Isto foi em 1976. O Raul Solnado tinha na televisão a Visita da Cornélia que fazia concursos para artistas. Alguém me inscreveu e eu fui. Fiz um número de mímica de um palhaço que se veste em palco e no fim cantava uma música do Tozé Brito. Ganhei, mas no dia seguinte os jornais começaram a fazer barulho que aquilo era para amadores e que eu não podia entrar. Depois fizemos juntos o Recordar é Viver e deixei o teatro porque andei a cantar isso pelo mundo inteiro.
Mas não fica muito tempo fora dos palcos?
Não posso passar mais de dois anos sem teatro. Bem sei que em teatro ganho uma merda, mas não posso passar sem aquilo. Faz-me bem à alma!
E a televisão?
Quem decide é porque gosta ou não gosta das pessoas pessoalmente, não tem nada a ver com talento. E eu sou um bocado teimoso. Confesso que a culpa é minha. A TVI já me convidou várias vezes, a SIC também, mas eram papéis que não me interessavam. Só aceito papéis se forem do princípio ao fim. Mas qualquer dia volto.
Esteve muito doente…
Foi um pesadelo que tive na minha vida já lá vão cinco anos. Foi um cancro no cólon, que foi logo atacado e não tive metástases. Estou vivo!
É verdade que trouxe filmes pornográficos para Portugal?
Isso foi há tantos anos… 1964 ou 65. Eu estava em Londres e há um gajo que me mostra um filme e me diz para trazer. Furar a ditadura de Salazar com filmes pornográficos… Um gajo sentia-se importante (risos).
Sempre foi um homem fiel?
(Risos) Sou fiel de há uns tempos para cá, mas durante a minha vida toda não.
Passou muitas dificuldades?
Sim, mas levei sempre isso nas calmas. Cá em Portugal cheguei a ter momentos em que não sabia onde ia dormir, ou o que ia jantar. Ficava no Cantinho dos Artistas, uma boîte no Parque Mayer até de manhã para ver onde ia dormir. Acabava, ou em casa de amigas, ou de engates. O desemprego no tempo da ditadura era a doer!
O seu relacionamento com a Tina dura há 26 anos. Como se conheceram?
Numa festa. Foi uma mulher que me deu um bocado de trabalho, mas gostei muito dela.
A sua mulher é dona dos bares de striptease Bar da Tina e do La Rocca?
É sócia de uma firma que, entre várias coisas, tem quatro bares, mas nem todos são de striptease. Ela nem lá vai! Quem deu o nome àquilo fui eu, porque o espaço era meu, mas não tinha nada a ver com striptease. Quando esta firma comprou aquilo, mantiveram o nome.
Ia-lhe perguntar se era o Victor que fazia os casting às bailarinas, mas sendo assim…
(Risos) Não. Vou-lhe dizer, não devo ir a um bar desses há 15 anos.
Lida bem com o envelhecimento?
Muito bem, mas não gostava de acabar como a minha mãe. Tem quase cem anos e Alzheimer. Falo com ela, mas mão me reconhece… Talvez a morte do meu avô não seja má ideia (risos).
Texto: Carla Simone Costa; Fotos: Liliana Silva; Produção: Zita Lopes; Maquilhagem e Cabelos: Vanda Pimentel com produtos Maybelline e L'Oréal Professionnel
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