Sempre soube que tinha nascido para a moda, mas só depois dos 20 anos percebeu que, apesar de ter nascido na Madeira e de não ter formação, podia lutar por perseguir o sonho.
Fátima Lopes veio para Lisboa onde, com uma amiga, abriu uma loja multimarcas. Vinte anos depois de fazer o primeiro desfile, faz a abertura da Semana da Moda de Paris há várias edições e promete continuar a trabalhar até morrer. Neste momento, está a preparar os fatos para o Hotel Conrad, do grupo Hilton, que abre na Quinta do Lago, no final do verão.
Pelo meio de uma vida cheia, pontuada por regressos regulares às origens, onde vai buscar a energia necessária para se renovar, apenas se arrepende de algumas decisões que a desviaram do seu caminho. Aos 47 anos, após dois casamentos falhados, diz ter o coração preenchido pelos amigos de sempre e uma família onde continua a sentir-se em casa e promete continuar igual a si própria. A estilista, a nu.
VIP – Quando soube que a moda era o seu caminho?
Fátima Lopes – Acho que sei desde sempre. A minha mãe conta que um dia comprou uma blusa muito bonita para a minha irmã e eu gostei tanto que perguntei porque não era para mim e a minha mãe respondeu que era muito grande. Segundo ela, porque eu nem me lembro, cortei a blusa e transformei-a numa coisa pequenina. Recordo que, aos seis anos, para o casamento da minha irmã mais velha, a minha mãe queria vestir-me um daqueles vestidos de princesa e eu insisti tanto que teve de me deixar ir com um combishort. Eu adorava pintar e desenhar, acho que nasceu comigo. Mas desde muito pequena foi muito fácil falar línguas e como vivia numa ilha, era natural estudar para trabalhar em turismo, achava que era impossível trabalhar em moda. Desde miúda que desenhava as minhas coisas e mandava fazer, gostava de fazer roupas diferentes, não gostava daquilo que estava à venda nas lojas tradicionais.
E quando é que percebeu que era possível?
Quando conheci um rapaz que vinha de Lisboa e que me falou das Manobras de Maio, em que ele participava. Eu tinha 21 ou 22 anos, já trabalhava em turismo, mas percebi que era possível, sem experiência e sem formação, tentar a sorte. Parece que, de repente, veio tudo ao de cima. Nessa altura havia uma movida em Lisboa que não havia na Madeira, eu tinha uma sede de informação muito grande, e esse rapaz vivia no mundo dos meus sonhos. E a partir daí só pensava em vir para Lisboa. Acho que ele foi o verdadeiro responsável por eu hoje em dia estar aqui.
E veio…
Sim, mas sempre fui muito lúcida, eu sabia que não percebia nada de moda. Aqueles quatro anos a trabalhar em turismo tinham sido ótimos, porque me permitiram viajar muito e aprender muito, mas de moda não percebia nada. Abri a Versus com uma amiga minha, onde vendíamos outras marcas, e foi um sucesso. Havia vontade de coisas diferentes, a roupa vendia-se num instante. Comecei a ir a tudo. Fiz isso durante dois anos, foi um investimento muito pequeno, a loja era pequeníssima, na avenida de Roma, mas era muito fácil vender… até que decidi fazer o que era realmente a minha paixão, que era desenhar, criar, inventar, não vender as peças que outros faziam. Fiz o meu primeiro desfile em 1992, e desde então acho que nunca mais comprei uma peça de roupa.
Acha que houve alguns momentos decisivos, nomeadamente em termos de marketing, em Paris, que contribuíram para o sucesso?
Eu tenho plena noção de que, em Paris, sou uma jovem designer, porque estou ao lado de marcas centenárias, e de algumas das maiores multinacionais, sou um grão de areia no deserto. E como não tenho o dinheiro destas marcas, tenho de ter a criatividade e o marketing. Consigo levar a imprensa internacional aos meus desfiles por causa disso. O biquíni de diamantes foi perfeito, porque era uma desconhecida em Paris, que anuncia o biquíni mais caro do mundo, e seria a primeira vez que um criador desfilava, portanto foi notícia mundial. Depois houve o desfile na Torre Eiffel. Como é que ninguém tinha pensado nisso? E a moda é isso mesmo, é ser o primeiro.
Continua a ir à Madeira frequentemente?
Frequentemente não, porque não tenho tempo, mas vou lá sempre no Natal. Só uma vez na vida o passei fora de casa e não me soube a Natal. Quando estou na Madeira é para descansar, esqueço-me do mundo e volto com as “baterias recarregadas”. Tenho lá três irmãos e oito sobrinhos e somos todos muito unidos, os meus amigos são os amigos de sempre, as minhas raízes continuam lá, continuo a sentir-me em casa.
Essa base familiar sólida ajudou-a a enfrentar as dificuldades?
Acho que é muito importante. Eu nunca tive filhos porque acho que um filho precisa de uma mãe presente e eu nunca tive tempo para isso. A minha mãe estava em casa para os filhos, tinha ali aquela base, apesar de ser muito independente.
Os seus amigos são amigos para a vida?
São. A minha equipa de trabalho também é família. Os meus amigos são os amigos de sempre, e graças a Deus tenho muitos. Sou daquelas pessoas que mantém as amizades e que acha que a amizade é para a vida. A amizade, a fidelidade, acho que isso é fundamental, eu não sei perdoar uma traição. Essa palavra não existe para mim. Eu nunca traí na minha vida. Não sei perdoar uma traição, mas também não engano ninguém.
Também estamos a falar do campo sentimental?
No campo sentimental felizmente não tenho razões de queixa. Fui enganada muitas vezes, felizmente acho que nunca no campo sentimental. E se fui não soube e nunca saberei, mas a nível pessoal acho que voltava fazer tudo igual. Os sentimentos mudam, mas enquanto as coisas existiram foram verdadeiras e foram muito boas. Todas elas chegaram ao fim, mas não me arrependo de nenhuma. Agora, fui enganada muitas vezes no campo profissional. Quando olho para trás, o que me faz feliz, o que gosto verdadeiramente de fazer e o que correu bem ao longo destes anos todos é sempre a moda. Nunca tive uma deceção na moda Fátima Lopes ou na família Fátima Lopes. É isso que eu gosto e é a isto que vou dedicar o resto da minha vida.
Fica magoada quando surgem notícias de dívidas, processos…
Cansa. Se reparar, o que eu disse ficou sempre provado em tribunal. Há cerca de mês e meio ganhei o processo contra a Faces Luminosas e o restaurante está em tribunal ainda. Mas, até hoje, todas as acusações que me foram feitas, ficou provado que o que eu dizia era verdade, não há uma pessoa à face da terra que possa dizer que eu menti. Ao longo dos anos, por três vezes saíram da minha agência para abrir novas agências. Houve uma equipa que durante meses planeou, me enganou dentro da minha casa para abrir outra agência, e voltaram à estaca zero, a ter de trabalhar por conta de outrem. Todas as agências que abriram com funcionários meus estão piores do que eu. Não faço nada, mas a verdade é que parece haver uma justiça divina que se encarrega de tratar de tudo. Eu nunca enganei ninguém, mas já fui prejudicada por muita gente. Já fiquei chateada, agora deixei de dar importância. Cada vez mais me preocupo com aquilo que vale a pena e o que vale a pena é a moda. De certeza que nos próximos anos não me vou meter em nada que não seja moda e que não seja gerido por mim. Tenho consciência que houve erros, porque não era o meu core business.
Arrepende-se de alguma coisa?
Arrependo-me de ter acreditado em algumas pessoas, mas a verdade é que a minha consciência está tranquila. Eu não me importo de assumir responsabilidades do que faço, mas quando não faço custa-me muito ser difamada. Eu não estou a querer sacudir a água do capote, mas a verdade é que não sei gerir discotecas, não sei gerir restaurantes e portanto tinha de confiar.
Criou uma barreira à sua volta, devido a estas desilusões?
Gosto de acreditar que as pessoas são genuínas, mas já percebi que nem toda a gente é o que parece e portanto, agora, tenho uma proteção à minha volta e já não deixo qualquer pessoa aproximar-se, algo que antigamente acontecia.
Disse que acredita na amizade. Também acredita, ou já acreditou, no amor eterno?
Eu nunca acreditei no amor para toda a vida, eu acho que o amor vale a pena enquanto é a 100%. Acho que o amor vai mudando e depois se transforma, mas na realidade todos os homens que passaram pela minha vida são meus amigos, não tenho a menor razão de queixa de nenhum deles, nenhum deles tem a mínima razão de queixa de mim. Faz-me confusão uma pessoa viver anos com alguém e depois vir dizer que foi maltratada. Não entendo isso, porque se alguém me tratasse mal um dia, no dia seguinte já não estava com essa pessoa. Ou estou a 100 % ou não estou.
Procura alguém que a faça feliz?
Para já não tenho tempo para me preocupar com isso. Se acontecer, aconteceu.
Gosta de estar sozinha?
Precisei, no fim do casamento. Ao longo da minha vida tive uma relação de seis anos que começou quando eu era muito nova, tinha apenas 16 anos. Depois tive um casamento. Estivemos juntos dez anos, cinco de namoro e cinco de casamento. Depois estive mais nove anos. Neste momento, fazia-me falta estar sozinha, acho que é natural depois do fim de uma relação. Remodelei o meu apartamento, é o meu cantinho.
Ficou mais exigente?
Quando as pessoas constroem o seu espaço é mais difícil deixar alguém entrar? Claro que sim, a fasquia está alta. Não estou à procura de ninguém, estou bem comigo mesma. Na verdade tenho muitos planos profissionais e não vou dizer que as relações atrapalham, mas condicionam e neste momento estou habituada a estar livre… mas evidentemente não sou nenhuma freira nem sou daquelas pessoas que querem ficar sozinhas para sempre. Mas não é uma preocupação. As coisas irão acontecer quando tiverem de acontecer.
Acredita no “príncipe encantado” retratado nos contos de fadas?
Eu acredito no amor e quando estou com alguém estou a 100%, mas depois também não sou daquelas pessoas que se contenta com metades. Ou é tudo, ou não é nada. E também não sou capaz de viver uma relação de fingimento. Enquanto estou, podem ter a certeza que estou em pleno, quando deixo de estar, acabou. Não é fácil ser assim, mas ao mesmo tempo acho que sou muito honesta e muito verdadeira. Não finjo, não sou capaz de viver a fingir que está tudo bem. Sou incapaz de esconder aquilo que sinto e se não sinto, não sinto. Normalmente gosto das pessoas, mas se alguém me dá um motivo para não gostar, nunca mais vou voltar atrás, eu sei que há pessoas com quem nunca vou voltar a falar na minha vida. Há pessoas que me dizem que sou muito radical, que não posso viver assim. Mas posso, vivo como quero. Eu não faço fretes, acabou-se.
Como se imagina daqui 20 anos?
Serei a pessoa mais feliz se daqui a 20 anos estiver a fazer exatamente o que faço hoje, isto é o que quero fazer para o resto da vida. Cada vez mais no estrangeiro, até porque o futuro está aí, e ainda por cima não é uma alucinação ou uma esperança, está a acontecer, de facto. Acho que o meu futuro passa essencialmente pelo estrangeiro e cerca de 90% por Paris. Reforma, só se for obrigada. Porque, se puder, enquanto for viva, vou trabalhar.
Texto: EB; Fotos: Impala
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