Ficou sem o pai aos seis anos e sem a mãe aos 17. Seis meses depois, sozinha no mundo e a dar os primeiros passos como modelo, teve um acidente de carro que a obrigou a uma reconstrução facial. Levou mais de 400 pontos, mas nem assim Bárbara Paz “atirou a toalha ao chão”. A atriz que o público português aprendeu a admirar no papel da anorética alcoólica Renata na novela Viver a Vida contou à VIP o segredo para chegar tão longe.
VIP – As visitas a Portugal, seja em trabalho ou lazer, já não são uma novidade para si. Que sentimento a invade quando cá chega?
Bárbara Paz – É a quarta vez. A primeira foi há 15 anos atrás. Vim com uns amigos, de mochila às costas, para percorrer os caminhos de Fernando Pessoa. Na altura queria muito conhecer o poeta e todos aqueles sítios de que ele falava… Vim atrás de um “eu” que desconhecia.
Conseguiu encontrar esse “eu”?
Encontrei, mas acho que a procura é interminável. Lisboa e todos os caminhos de Portugal têm um significado muito especial. É sempre muito mágico. Há uma luz especial que me leva a ver Lisboa de uma forma diferente. Nunca é igual. A última vez que cá estive foi em trabalho, logo, a experiência é outra. Deu para conhecer todos aqueles pontos turísticos que eu não tinha visto nas visitas anteriores.
Com tanta visita e tanto conhecimento do Portugal que não surge nos roteiros, já não terá, com certeza, a ideia do português de bigode, chamado Manuel e dono de uma padaria…
Isso já não existe, pelo menos para mim. Esse estereotipo esfumou-se na minha cabeça depois de cá ter vindo pela primeira vez.
E já nos entende melhor…
Quando vocês falam devagar sim… (risos) Afinal, a entoação é diferente, o sotaque também, mas a língua é a mesma. Algumas pessoas acentuam mais o “ch”, que é algo a que os brasileiros não estão habituados, mas tirando isso até é fácil. “Chiado”… Ora aí está uma palavra difícil de entender… (risos) Mas a maior parte das vezes até acho que são vocês que não nos entendem.
A próxima visita, segundo se fala, poderá acontecer já depois do nosso verão…
Seria maravilhoso. Gostava muito de trazer cá a peça que estou agora a fazer no Brasil, Hell. É uma adaptação de um romance francês que gira muito em torno do estado consumista em que vivemos.
A Bárbara é muito consumista?
Tento não ser. Mas como qualquer mulher, às vezes sou atingida por um estado consumista difícil de controlar (risos).
O que lhe tolda o raciocínio? Sapatos?
Botas e roupa (risos). Mas são apenas momentos. Não tenho filhos, mas tenho um sobrinho de quem cuido desde que nasceu. Agora está a morar sozinho e por isso, quando me apetece comprar algo, quando entro nesse tal estado consumista momentâneo, penso que deveria estar a ajudá-lo. Às vezes sou arrastada pelos impulsos, mas na maior parte das vezes tento ser ponderada e equilibrada.
Vem de uma família simples, isso também deve ajudar…
Sempre me habituei a não ter muita coisa e por isso mesmo dou mais valor ao que tenho. Cuido mais e gasto bem menos.
Está junta com Héctor Babenco há quatro anos. Como é viver com um artista que é considerado um mestre?
Talvez mais fácil do que se poderia pensar. As nossas ansiedades, as inquietações, a busca… É tudo muito igual. Não somos muito iguais, somos pessoas completamente diferentes, mas que se encontram em algum momento e em algum lugar.
E como é trabalhar com ele, como fez agora em Hell, peça escrita por si, mas dirigida pelo seu marido?
Para dizer a verdade, ele é uma pessoa dura para trabalhar. É um verdadeiro mestre e a palavra dele é lei. Por isso, quando se trabalha não há cá mulher e marido.
Já disse que o seu sobrinho é como um filho, mas pensa ter filhos seus?
Pensar até penso, mas estou a deixar a vida me levar. Tive de cuidar de mim primeiro e construir tudo, para depois poder pensar em colocar uma criança no mundo. Adoro crianças e sou, como se diz no Brasil, muito mãe. Infelizmente a mulher tem um prazo e o meu está a chegar. Ainda não sei o que vai acontecer, mas não coloco de parte nenhuma hipótese: ter, não ter, ou até mesmo não ter agora e adotar depois. A verdade é que não faço grandes planos para o futuro. Eu vivo o meu hoje.
Sempre foi assim?
Sempre. Nunca me programei muito para o amanhã. Talvez hoje já não seja tão imediata. Acho mesmo que estou bem melhor nesse aspecto do que estava há dez anos atrás.
Em 2007 protagonizou uma produção ousada para a Playboy Brasil. Que recordações guarda desse momento?
Tenho muito boas recordações. Sempre fui muito tranquila e pouco tímida em relação ao meu corpo. Nunca fui uma mulher de pudores e preconceitos. Quando ficar mais velha talvez me arrependa um pouco, mas na altura, e ainda hoje, olho para essa produção com bastante carinho e orgulho. Estava num bom momento da minha vida e apesar do excesso de exposição, acho que não foi nada do outro mundo. Aliás, há pessoas que não mostram o corpo em revistas masculinas e que se expõem muito mais do que aquilo que eu fiz. Não me arrependo, até porque não ajudou nem atrapalhou a minha carreira. Está feito, está feito, bola para a frente (risos).
Até porque não é algo que seja uma novidade no Brasil…
Não há um estigma sobre quem faz um nu frontal para uma revista como a Playboy. Aqui sei que é um pouco diferente, mas isso tem muito a ver com a cultura do povo…
Por cá, a sua interpretação de Renata na novela Viver a Vida, lançou-a aos olhos dos espectadores… Também mudou a sua vida no Brasil?
Bastante. A exposição da Globo é gigantesca. Quem protagoniza uma novela ganha uma nova vida. E a Renata foi assim um estrondo. Era uma personagem muito complexa que tinha todos os elementos que um ator pode desejar. Havia drama, doença, amor… Costumo dizer que foi um presente do Manuel Carlos.
Era um personagem forte. Foi fácil viver como Renata?
Foi, embora por várias vezes me tenha surpreendido com comportamentos que não eram meus, mas sim da Renata. Ela tinha anorexia alcoólica e dei por mim a não comer… Não era eu. Era ela! E quando acabou foi preciso fazer um luto.
A Bárbara teve que crescer rápido. E sozinha. Onde foi buscar a força necessária para sobreviver?
Acho que já nasci com essa força. A minha história é igual à de tantas outras pessoas. Há, aliás, bem piores. Eu sou só mais uma. Uma das coisas que a minha mãe me ensinou é que não se deve desistir nunca. Sempre a conheci doente e sempre soube que ficaria sem ela. Cresci no meio de hospitais e médicos e acho que a minha força de viver vem daí. Quando estava para nascer, os médicos disseram que uma das duas não sobreviveria ao parto. Pois enganaram-se e a minha mãe, que tinha uma força inacreditável, acabou por viver mais 17 anos. A força que tenho hoje foi ela quem me transmitiu. Isso é uma certeza: há que acreditar em nós próprios. Se não o fizermos, ninguém o vai fazer por nós.
Mas a vida foi um pouco madrasta para si. Depois de ter perdido os pais, quando já era modelo, sofre um acidente que a desfigura… podia ter-se ido abaixo…
Pois… houve momentos maus, é verdade. Por vezes questionei porque estava o mundo a ser tão mau para mim, mas é nessas alturas que se vê se temos ou não força para seguir em frente. A vida só testa os fortes e foi com essa certeza que cheguei até aqui.
Texto: Miguel Cardoso; Fotos: Paulo Lopes; Produção: Romão Correia; Maquilhagem e Cabelo: Ana Coelho com produtos Maybelline e L’Oréal Professionnel
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