Não fazia teatro desde 2004, mas a peça Casamento em Jogo, de Edward Albee, não podia aparecer em melhor altura. Ao lado da amiga Cucha Carvalheiro, Rogério Samora interpreta um homem casado há 30 anos que, de repente, decide seguir o instinto "quase animal" para fugir da rotina de um casamento em crise.
A violência verbal e física da peça exigiu enorme dedicação, mas permitiu ao actor desanuviar do processo interposto pela TVI, que contestava a sua saída para a SIC antes do fim do contrato de exclusividade. No entanto, dias antes da estreia, foi brindado com uma boa notícia: o Tribunal da Relação confirmou que pode começar a trabalhar no novo canal antes do fim do contrato. Satisfeito, o actor não esconde que ficou magoado pela forma como foi tratado e admite processar a estação pelos danos causados.
VIP – Está satisfeito com esta decisão?
Rogério Samora – Nunca deixei de ser um homem livre e recuso admitir que me cortem as pernas. Já saiu a decisão do recurso interposto pela TVI em relação à minha pessoa. Qualquer contrato pode ser rescindido, não vivemos numa ditadura. É como as relações, podem ser para a vida ou não. Acho que dei muito do meu trabalho e do meu suor enquanto estive na TVI – pagavam-me para isso – para me tratarem como me trataram. E com tudo o que disseram de mim (direi mesmo que até me ofenderam), pode ser que venham a ter uma surpresa. A Justiça demora,mas funciona. Agora, acho que não me trataram bem e que mostraram que não respeitam muito os actores.
E na SIC, já tem planos na sua agenda?
Tenho tido ensaios para um projecto que vai arrancar brevemente, que vai ser gravado fora de Portugal, com um elenco fantástico. A SIC está interessada na prestação dos meus serviços enquanto actor, mas poderei fazer outros trabalhos, fora das câmaras. O desafio que me propõem é muito interessante.
Entretanto, há o regresso ao teatro. Como surgiu esta peça?
Tenho muito carinho e admiração pela Cucha e tinha-lhe pedido um papel, mesmo que fosse secundário. Ela falou-me desta peça e eu aceitei, sem sequer ler o texto. Comecei no teatro, e da mesma maneira que gostamos de voltar à casa dos pais, estava a sentir um certo saudosismo.
Mas acabou por receber um papel que não é, de todo, secundário…
É muito intenso; muita coisa é posta em causa. A personagem que interpreto apercebe-se da rotina que a rodeia e tem uma revelação, dizendo: "Se não mudar de vida, morro, tenho um enfarte ou fico louco." Esta revelação mexe com muita coisa. Eu também tenho 51 anos. Começamos a ter medo, não digo da morte, mas talvez da partida. Começamos a pensar quantos anos nos restam.
Pensa muito nisso?
Não, mas é inevitável, porque vemos outras pessoas a partir, às vezes mais novas.
A rotina é uma "mãe protectora"?
Sim, neste caso é, mas numa relação como no trabalho, pode ser entediante, castradora. Temos de perceber que estamos a sentir-nos mal e diversificar. Nem que seja ir por caminhos diferentes para o trabalho.
Foi também essa necessidade de fugir à rotina que o fez querer sair da TVI?
Não. Tem a ver com o desafio que me foi proposto e com o desgaste. Senti que o meu ciclo tinha começado com o José Eduardo Moniz e com a Gabriela Sobral. Sem essas pessoas posso deixar de acreditar no projecto. Decidi mudar de vida, fui honesto, convoquei uma reunião com a administração, perguntei o que queriam e achei que a atitude não foi correcta. Não sou um miúdo; não admito ser coagido. Senti que me estavam a meter medo. Um artista não pode ter medo.
Voltando à peça, faria isso: acordar um dia de manhã e decidir mudar de vida?
Falaria com a outra parte; com o diálogo chegamos lá. O desafio da vida é sempre difícil, mas acho que, se pudermos evitar magoar a outra parte, devemos fazê-lo.
Mas esta relação não é saudável…
Não, mas é um amor profundo.
Como olha para o casamento?
Fui casado uma vez. O casamento hoje tem outro significado; as pessoas perceberam que não é preciso estarem casadas para se respeitarem, para viverem juntas. Acho precisamente que o casamento se transformou numa instituição e nunca se deveria ter transformado numa instituição.
Na sua relação com a Mafalda Pinto já falava em casamento…
Não vou falar disso, por respeito, por admiração e por amor.
Pela Mafalda?
Não vou falar sobre a Mafalda, porque nunca falei.
Segue muito o seu instinto?
Cada vez menos. Talvez às vezes siga a intuição, mas já segui mais do que sigo. Sou cada vez mais racional, para não me magoar, e para não magoar os que me rodeiam.
Não torna a vida menos apaixonante?
Tenho uma profissão extraordinária, que dá a possibilidade de viajar por outros mundos. É tão fascinante que tenho menos necessidade de sonhar. Sonhos não tenho, porque não se concretizam. Tenho desejos, mas não tenho desejos impossíveis.
Texto: Elizabete Agostinho; Fotos: Bruno Peres; Produção: Manuel Medeiro, Maquilhagem: Tita Costa com produtos Maybelline e L'Oréal Professionnel.
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