“Podem existir muitas razões para não querermos mostrar o nosso lado mais intímo ao mundo, mas procurar a Madeleine é mais importante que isso." É assim que Gerry McCann explica o objectivo de ele e a mulher terem publicado o livroMadeleine, que está à venda nas livrarias portuguesas e que foi escrito por Kate McCann a partir do seu diário pessoal. "Eu queria apontar tudo. Quando comecei a escrever o meu diário pensei que seria bom para preencher as lacunas na procura da verdade. Porque têm sido escritas muitas mentiras e quis que os meus filhos soubessem a verdade. Portanto, escrevi mais para eles do que para a opinião pública. Mas acabámos por chegar a uma altura em que ninguém procurava mais a Madeleine, em que o fundo Find Madeleine também já não tinha dinheiro e precisava de ser financiado e isto era uma coisa que eu podia fazer para ajudar a angariar fundos para continuar a busca pela nossa filha", explica a mãe da menina que desapareceu em Maio de 2003, na praia da Luz, no Algarve.
"Há informação importante no livro que acredito que pode ajudar-nos a encontrar a Madeleine", defende Gerry que foi o primeiro a lê-lo e que revela que essa não foi uma tarefa fácil. "É sempre difícil partilhar informação que numa situação normal seria mantida pessoal. A maior parte das coisas escritas sobre a Madeleine, as situações familiares… Os elementos pessoais foram os mais complicados de ler. Assim como o relato da própria noite do desaparecimento, que é sempre muito doloroso. Acho que a Kate o escreveu muito bem."
Madeleine surge sobretudo como um bastião da verdade. "Houve muita coisa escrita nos media que era mentira. Nós queixámo--nos de mais de 100 artigos escritos na Imprensa britânica. A maior incorrecção era que havia provas que a Madeleine estava morta. Depois que havia provas de que estávamos envolvidos no desaparecimento dela, que ficávamos com o dinheiro da fundação. Havia fugas de informação sobre assuntos confidenciais que iam parar aos media e isso é extremamente perigoso. Especialmente porque os criminosos ficam informados de coisas que não deviam saber", explica Gerry.
A mesma opinão é partilhada pela mulher, para quem a maior mentira era perpetuarem a ideia de que a filha estava morta. "A coisa mais difícil para um pai é que se publique que o seu filho está morto sem provas. E nós precisamos que as pessoas nos ajudem a procurá-la. Eu estou certa que o livro vai ajudar a que as pessoas acreditem que a Madeleine está viva." Tal como eles continuam a acreditar. "Sim e nós vamos procurá-la o tempo que for preciso. Não acredito que algum pai conseguisse parar numa situação destas."
A publicação do livro já começou a dar frutos, uma vez que a polícia inglesa anunciou recentemente que ia ajudar na investigação. "Estamos muito felizes e achamos que vai ser uma grande vantagem ter a Scotland Yard a trabalhar connosco", refere Gerry. "Vai ser óptimo ter uma segunda opinião sobre o caso. Pode ser que haja alguma conclusão nova, que sejam identificadas novas áreas que possam ser investigadas", adianta Kate, que põe em palavras o maior desejo que tem desde a fatídica noite na praia da Luz: "Nós acreditamos que a Madeleine está viva. Mas se está morta nós precisamos de o saber."
É que enquanto houver uma réstia de esperança da menina estar viva, os McCann não vão baixar os braços. E, ao contrário do que foi publicado nas pré-publicações do livro, Kate nunca pensou matar-se, apesar de desejar realmente pôr um ponto final à dor que sentia. "Queria muito que a dor passasse. Que tudo acabasse. Mas sempre soube que matar-me não era solução. Temos três filhos. O Sean e a Amelie precisam de nós e nós precisamos de procurar a Madeleine", suspira.
É que apesar do rapto da menina ter modificado toda a vida dos McCann, e de o casamento dos dois ter vivido um mau momento, a verdade é que o sentido de família saiu fortalecido deste drama. "Felizmente as mudanças nas nossas vidas são pequenas porque ainda temos a nossa família, ainda somos capazes de ter uma vida feliz, temos dois filhos lindos, ainda conseguimos tirar prazer da vida, embora não seja como antigamente", confirma Gerry.
De facto, hoje estes pais vivem a vida em função dos gémeos de seis anos, a quem nunca esconderam nada sobre o desaparecimento da irmã, que hoje terá oito anos. "Os gémeos sabem o que aconteceu e têm sido fantásticos. Nós temos sido sinceros com eles e tentamos sempre responder às suas perguntas com o que sabemos. Eles sabem que uma pessoa raptou a irmã quando ela estava a dormir. Eles vêem como se fosse um assalto. E entendem porque estamos aqui hoje. Para eles é muito simples: Madeleine foi raptada e temos de a achar", conta a mãe, que com esta situação toda se sente "muito mais velha". "É inevitável sermos pessoas diferentes. Lembro-me que cinco dias após o desaparecimento percebi que a vida nunca mais ia ser igual. E isso é verdade. Lembro-me de ver fotos minhas naquela altura e assustar-me comigo. Como estava devastada", solta, adiantando que é através dos gémeos que mata as saudades de Madeleine.
"Durante muito tempo tentei não imaginar como ela seria hoje se estivesse connosco. Mas os gémeos às vezes perguntam: 'Mãe, de que altura achas que é a Madeleine agora?' E consigo perceber que ela seria mais alta que o Sean, mas talvez mais pequena que a sua melhor amiga. Eu tenho visto os amigos dela, por isso, consigo imaginar mais ou menos o tamanho que ela terá… Mas é difícil", diz, emocionada. Até porque "édifícil olhar para a Amelie e não imaginar a Madeleine. Elas têm muitas parecenças físicas e comportamentais", confirma Gerry, que da filha mais velha recorda com saudades "a energia e a alegria" que tinha. "Ela tinha imensa energia, muito imaginação. Sempre que olho para os gémeos vejo-os aos três juntos e era assim que devia ser agora. Olho para a Amelie e penso que as duas deviam vestir lindos vestidos e fazer penteados juntas", relembra Kate. Recordações que vão ficar para sempre na memória dos pais.
Texto: Sónia Salgueiro Silva; Fotos: Jorge Firmino
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